Meias Verdades

São Paulo vira paraíso
de triunfalismo virtual

DANIEL LIMA - 01/04/2003

  •  Trechos do artigo do colunista Gilberto Dimenstein, da Folha de S. Paulo de 2 de julho de 2000, sob o título “Não ria: São Paulo é a cidade do futuro”:

Pelo menos 100 mil empregos ligados à Internet vão ser criados no Brasil durante os próximos seis meses — o dobro do que, até aqui, já foi gerado pela rede mundial de computadores no País. No próximo ano, mais de 200 mil empregos também serão produzidos nos mais variados ramos da Internet, segundo projeção da Associação de Mídia Interativa (AMI). “Essa projeção é cautelosa, conservadora até. A verdade é que já se disputa, no tapa, mão-de-obra qualificada e muitos salários sobem aos céus”, afirma o presidente da AMI, Antônio Rosa.


Por conta dessa disputa, sites já se dispuseram a pagar salários de até R$ 45 mil mensais a jornalistas tirados da imprensa escrita. Alunos de comunicação encontram chances de colocação no mercado de trabalho com remuneração inimaginável até pouco tempo para profissionais sem experiência.


Essas tendências estimulam a aposta, hoje em baixa total, de que São Paulo tem condições de criar zonas de progresso acelerado ao se consolidar como a capital da Internet — e, assim, dar uma virada.


Quando exponho minha visão sobre São Paulo frequentemente leitores me apontam como ingênuo, desinformado ou mesmo alucinado. Aposto mesmo numa nova onda em São Paulo, em um processo de revigoramento semelhante ao ocorrido em Nova York — os empregos da Internet são um potente sinal, ao atrair capital combinado com sofisticados recursos humanos. É uma extraordinária massa de inteligência e criatividade (além de dinheiro, claro) movendo projetos como UOL, Terra, iG, Starmedia, AOL, entre outros.


O melhor sinal para as chances de virada de São Paulo estava embutido no censo universitário divulgado na semana passada, mostrando o aumento das matrículas do Ensino Superior. No geral, as matrículas cresceram 8,4% de 98 para 99. Tradução: um batalhão de mais 251 mil estudantes. Saltamos, agora, para 2,1 milhões de universitários.


As chances de rejuvenescimento de São Paulo residem no fato, comprovado em números, de que o crescimento da população parou, a renda aumentou (lentamente, mas aumenta) e, em especial, sobe a qualificação educacional e profissional de seus habitantes.


Falar mal de São Paulo é fácil, facílimo até, tamanha a violência do trânsito, a poluição, enfim, o caos urbano. Falar bem de São Paulo não é fácil, exige a percepção de tendências e sutilezas — e, sem bairrismo, exige uma dose de fé, reconheço, para olhar para cima do pessimismo crônico e desinformado.



  •  Trecho de novo artigo do mesmo jornalista da Folha de S. Paulo, Gilberto Dimenstein, publicado na edição de 27 de janeiro de 2002 sob o título “São Paulo é um caso de segurança nacional”:

Desconfiados da eficiência dos agentes de segurança brasileiros, dois irmãos empresários são protegidos, em São Paulo, por pequeno batalhão de militares estrangeiros, especializados em ações contra o terrorismo. Cada movimento de um integrante de seus familiares mais próximos é precedido de uma operação logística, com uma frota acompanhando seus carros.


Depois de ser assaltada três vezes, uma mulher desenvolveu um método de redução de danos: passou a levar uma bolsa “falsa”, com pouco dinheiro, mas sem documentos e cartões de crédito. A bolsa verdadeira fica debaixo do banco do carro.


Uma grande empresa resolveu agradar seus executivos incluindo a blindagem dos carros entre os benefícios indiretos.


Empresários e executivos contratam, além dos conhecidos serviços de ronda, helicópteros, conectados com seguranças em terra, para vigiar suas casas.


A onda de violência faz da mais poderosa cidade brasileira uma comunidade frágil e acuada. O fato mais importante da vida dos habitantes de São Paulo que, na sexta passada, completou 448 anos, é a disseminação do medo numa proporção jamais vista.


Estou começando a me convencer de que os problemas da capital e das cidades vizinhas, com seus 18 milhões de habitantes, são tão graves que exigiriam uma solução radical: a criação de um novo Estado. Haveria um governador, com uma bancada federal, apenas para cuidar dos desafios metropolitanos, desobrigado de administrar o Interior.


Bombardeada por todos os lados e cercada de guetos, São Paulo deve ser encarada como um problema nacional e urgente, assim como Nova York para os americanos e Berlim para os alemães.


Entre o texto eufórico de julho de 2000 e o texto flagrantemente constrangido de 2002, o jornalista Gilberto Dimenstein e todos aqueles que acreditaram na febre das chamadas pontocom ficaram órfãos de discurso desenvolvimentista. A ingenuidade de acreditar na Internet como atividade econômica capaz de revolucionar a Capital do Estado é própria de quem não consegue olhar o horizonte de forma sistêmica e compreender que não há almoço de graça, isto é, se não houver crescimento persistentemente contínuo do PIB (Produto Interno Bruto), não há sustentação para uma nova atividade, por mais revolucionária que seja, e muito menos que essa mesma atividade deflagre transformações radicais numa metrópole de 10,4 milhões de habitantes.


Pouco tempo depois do artigo triunfalista sobre São Paulo, a própria Folha de S. Paulo publicou em outubro de 2000 matéria com o título “Internet não sustenta o ritmo dos EUA”, que demonstrava a precipitação de Dimenstein. Alguns trechos desse trabalho:


A Internet e os computadores não revolucionaram a economia dos EUA nem sustentam o ritmo de seu crescimento. Cedo ou tarde, o país, que cresceu a uma taxa de 5,6% no segundo trimestre, terá que prestar contas com a boa e velha teoria econômica — que diz, desde que nasceu, que há limites para a expansão econômica.


O alerta é dado por quem já frequentou as melhores escolas norte-americanas. O economista Roberto J. Gordon já lecionou em Harvard e Chicago e, atualmente, é professor da Northwen-tern University. Dedica-se, há quase 30 anos, a estudar desemprego, inflação e crescimento da economia norte-americana.


O último trabalho do professor é sobre nova economia. Suas conclusões não foram nada animadoras para as empresas de tecnologia que enfrentam o ceticismo dos investidores, que fez os papéis da Nasdaq — Bolsa eletrônica norte-americana — perderem 34% de seu valor desde março. Para Gordon, apenas uma parcela pequena do crescimento da produtividade norte-americana nos últimos anos pode ser atribuída aos efeitos da disseminação de computadores e da Internet.


“Com exceção da pequena parte da economia que produz computadores e periféricos e de alguns setores produtores de bens duráveis, os efeitos da nova economia na taxa de crescimento da produtividade são nulos”.


O economista lembra que muitos dos investimentos na Web são mera duplicação de negócios já existentes no mundo real: companhias tradicionais que são obrigadas a investir para defender sua participação no mercado do ataque das empresas virtuais. Grande parte do conteúdo veiculado na Internet já existia em outros tipos de mídia. “Esses negócios representam apenas a substituição de um tipo de entretenimento ou veículo de informação por outro”.


“Os computadores e a Internet não causaram tanto impacto quanto as grandes invenções do final do século 19 e início do século 20″, afirma Gordon. A invenção da eletricidade (1879), do motor a combustão interna (1877), de aparelhos como o telégrafo (1844), o telefone (1876), o rádio (1899) e a televisão (1911) eliminou as distâncias do mundo em uma proporção maior do que a Internet, argumenta o professor norte-americano.


Gilberto Dimenstein olhou São Paulo mirando-se na Vila Olímpia, bairro nobre da Capital que ganhou fama em 2000 quando concentrava as principais empresas de Internet do País, à semelhança do Vale do Silício, nos Estados Unidos.


As chamadas pontocom chegaram a São Paulo entre o fim de 1999 e início de 2000. A febre durou pouco. Sites portentosos desapareceram, empregos sumiram, salários foram rebaixados, o preço do metro quadrado para locação caiu das alturas. Jovens estudantes perderam o emprego para senhores engravatados de empresas da economia real, que aproveitaram a infra-estrutura avançada de fibra ótica e de sistema de transmissão de dados e se instalaram no bairro.


As empresas de Internet eram mantidas com oxigênio financeiro de grandes bancos e de companhias internacionais de investimentos. A rentabilidade esperada não passou de sonho. A São Paulo do futuro celebrada por Gilberto Dimenstein caiu do andaime e invadiu a área mais palpável e cruel da insegurança pública, retrato fiel de uma Capital e de um País incapazes de acertar o rumo do desenvolvimento econômico.


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