Aproveitando a nova maré do Caso Celso Daniel, agora com cronologia de julgamento de cinco dos acusados do crime, o promotor Roberto Wider Filho concedeu entrevista ao portal UOL. Uma entrevista convincente sobre a participação delituosa do primeiro-amigo de Celso Daniel, o empresário e professor Sérgio Gomes da Silva. Sobretudo convincente para quem não acompanhou as investigações. Para quem não foi a campo. Para quem dá credibilidade às informações de orelhadas, de vício de origem de uma mídia cronicamente compulsiva à politização de um incidente.
Vou me envolver num único contraditório da entrevista do promotor criminal, embora não falte manancial de contradições do profissional de Justiça que, reconheça-se, atuou de forma brilhante para levar ao público e às autoridades do Judiciário a tese de crime de encomenda. Uma tarefa tão ardilosa quanto desgastante. Não bastasse a realidade dos fatos, vivia-a numa Região Metropolitana de São Paulo infestada de sequestradores naquele janeiro de 2002.
Basta recorrer aos arquivos dos jornais para observar o nível de periculosidade que dominava o ambiente metropolitano. E jamais se pode esquecer que o assassinato de Celso Daniel deflagrou um marco na atuação policial
Vou repassar integralmente aos leitores uma das perguntas formuladas pelo portal UOL e, em seguida, a resposta do promotor Roberto Wider. Depois, intervenho com explicações e provas. Já imaginaram os leitores se, como desafiei os promotores que atuaram no caso, eles tivessem aceitado produzir um livro a 10 mãos (as duas minhas e as oito dos demais, três que estiveram na linha de frente durante todo o primeiro período de investigações e Francisco Cembranelli, que chegou depois para atuar num único julgamento dos envolvidos, ano passado) de forma a levar esclarecimentos ao público? Eles não toparam. Sabem que tenho um caminhão de argumentos e de provas para soterrá-los. Democraticamente, é claro. Aos fatos, então:
UOL -- O MP investigou algo sobre a morte do perito Otávio Mercier que disse que o Celso Daniel foi torturado antes de ser morto?
Wider Filho -- O depoimento do perito foi muito importante para a instrução do processo. Em primeiro lugar, ele fez um laudo, e houve uma dificuldade enorme para obtermos o próprio laudo que ele produziu. Esse laudo só foi juntado ao processo depois que os promotores participaram da investigação e mesmo assim com muita insistência. O laudo menciona que o Celso Daniel sofreu torturas, mas não deixa bem claro a espécie de tortura que ele sofreu. Depois, ouvindo o perito, ele consegue descrever a dinâmica da tortura pelas lesões que o ex-prefeito foi submetido. Ele sofreu queimaduras circulares nas costas que provocaram marcas compatíveis com as produzidas por armas de fogo.
Locais bem diferentes
A resposta de Roberto Wider Filho envereda por outros detalhes já esclarecidos por especialistas e traduzidos nesta revista digital, por isso não importam agora. O foco são as queimaduras circulares nas costas de Celso Daniel ("que provocaram marcas compatíveis com as produzidas por armas de fogo"). O promotor deslocou essas marcas, não só compatíveis mas especificamente de armas de fogo, do cenário original, do arrebatamento de Celso Daniel, no chamado Três Tombos, para as instalações do cativeiro. A intenção do promotor é impor tecnicamente a tese de tortura para, segundo ele, promotor, obter-se acesso à suposta senha de uma conta secreta do então prefeito. Pura bobagem.
Como posso afirmar ser pura bobagem uma declaração enfática do promotor criminal? Simples: basta recorrer ao chamado "Auto de Qualificação e de Interrogatório 183/02" datado de 2 de março de 2002, menos de duas semanas após o assassinato de Celso Daniel. O depoimento no DHPP (Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa) é de Itamar Messias da Silva dos Santos, um dos cinco sequestradores a ser julgados nesta quinta-feira em Itapecerica da Serra. Convém contextualizar aquele depoimento: até então, a fraudulenta hipótese de crime político, industrializada para colocar no mesmo saco de gatos as denúncias de corrupção na Administração Celso Daniel e o sequestro do então prefeito, não havia saltado da cartola de autoridades políticas do governo do Estado. O Caso Celso Daniel, até então, estava exclusiva e
hermeticamente enquadrado como temática de segurança pública, da qual jamais deveria ter saltado, fosse a política algo menos insidioso e deletério.
Repassamos alguns trechos do depoimento do sequestrador Itamar Messias da Silva dos Santos:
(...) Que o interrogando passa então a forçar a maçaneta externa da porta do motorista, e esta não abre, batendo com o cano da arma no vidro do auto, ao mesmo tempo em que fica gritando abre, abre, abre, e a porta do motorista não abriu; que na porta dianteira direita da Pajero, ou seja, do lado onde se encontrava o prefeito Celso Daniel, o ataque era efetuado por Bozinho, que também passou a mexer na maçaneta daquela porta, havendo um momento em que a mesma se abre; que Bozinho tira o prefeito de dentro do carro e o puxa em sentido da Blazer; que o interrogando dá a volta pela frente da Pajero, indo para a porta de onde saiu o prefeito e por ali tenta retirar o empresário Sérgio Gomes da Silva, não tendo êxito em tal manobra; que afirma que puxou o referido empresário pelo seu braço direito, utilizando-se de sua mão esquerda; que chega o VW/Santana e para praticamente ao lado da Blazer, e Ivan desce do Santana, falando vamos, vamos, vamos, sendo que o interrogando, Bozinho e Ivan apanham o prefeito e o levam para a Blazer, ficando então John guiando, e no banco traseiro ficam o interrogando, atrás do banco do motorista, o prefeito no meio e Bozinho na outra extremidade; que Ivan embarcou novamente no Santana, e o interrogando se recorda que chegou a cutucar as costas do prefeito Celso Daniel com sua arma.
Bingo, bingo. "que chegou a cutucar as costas do prefeito Celso Daniel com sua arma". Repararam na frase? Foram esses cutucões, com uma arma ainda aquecida pelos disparos efetuados durante a operação de sequestro, que provocaram os ferimentos circulares nas costas de Celso Daniel. Convenhamos que o promotor criminal Roberto Wider Filho deveria ter esse tipo de informação consolidada à sustentação da tese de crime de encomenda para não proporcionar à defesa de Sérgio Gomes da Silva, em eventual julgamento, um contragolpe mortal, entre tantos outros que o excesso de imaginação e de subjetividades certamente provocará.
Porta aberta
Já escrevi sobre a razão de Celso Daniel ter aberto a porta da Pajero após o ataque virulento dos sequestradores. Está também nas provas documentais das investigações policiais, nas palavras de um dos sequestradores, um desses que estão sendo julgados hoje, que o próprio prefeito abriu a porta e, braços erguidos, pedia calma, calma, aos malfeitores. Um cenário real que, ao ser transmitido por mim ainda outro dia a uma das irmãs de Celso Daniel, recebi como resposta o seguinte comentário: "Ah, isso é mesmo possível, porque o Celso agiria de fato dessa forma". Já as deformadas interpretações, que colocam Sérgio Gomes da Silva como mentor intelectual e operacional do sequestro, registram que ele botou a pontapés Celso Daniel para fora do veículo.
Para finalizar, temporariamente, mais um capítulo do Caso Celso Daniel, uma correção necessária. Diferentemente do que citou o portal UOL, Otávio Mercier é a identidade de um investigador de polícia morto e indevidamente relacionado ao pós-assassinato de Celso Daniel. O perito em questão, Carlos Delmonte, suicidou-se por conta da separação da mulher. Aliás, todas as mortes associadas ao Caso Celso Daniel são uma falácia. O politicamente correto e o sensacionalismo ibopeano dão-se as mãos para socializar uma narrativa mambembe entre outros motivos porque o macunaísmo jornalístico dá as cartas e joga de mão, evidentemente quando interesses estranhos convergem para um ponto
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11/07/2022 Caso Celso Daniel: Valério põe PCC e contradiz atuação do MP