Caso Celso Daniel

Promotor insiste, mas tese de crime
de encomenda não resiste às provas

DANIEL LIMA - 10/05/2012

Aproveitando a nova maré do Caso Celso Daniel, agora com cronologia de julgamento de cinco dos acusados do crime, o promotor Roberto Wider Filho concedeu entrevista ao portal UOL. Uma entrevista convincente sobre a participação delituosa do primeiro-amigo de Celso Daniel, o empresário e professor Sérgio Gomes da Silva. Sobretudo convincente para quem não acompanhou as investigações. Para quem não foi a campo. Para quem dá credibilidade às informações de orelhadas, de vício de origem de uma mídia cronicamente compulsiva à politização de um incidente.
 
Vou  me envolver num único contraditório da entrevista do promotor criminal, embora não falte manancial de contradições do profissional de Justiça que, reconheça-se, atuou de forma brilhante para levar ao público e às autoridades do Judiciário a tese de crime de encomenda. Uma tarefa tão ardilosa quanto desgastante. Não bastasse a realidade dos fatos, vivia-a numa Região Metropolitana de São Paulo infestada de sequestradores naquele janeiro de 2002.
 
Basta recorrer aos arquivos dos jornais para observar o nível de periculosidade que dominava o ambiente metropolitano. E jamais se pode esquecer que o assassinato de Celso Daniel deflagrou um marco na atuação policial em São Paulo. A política de Direitos Humanos foi jogada no lixo pelo governador Geraldo Alckmin ao nomear um promotor público de linha dura, Saulo de Castro Abreu, xerife da Secretaria de Segurança Pública.
 
Vou repassar integralmente aos leitores uma das perguntas formuladas pelo portal UOL e, em seguida, a resposta do promotor Roberto Wider. Depois, intervenho com explicações e provas. Já imaginaram os leitores se, como desafiei os promotores que atuaram no caso, eles tivessem aceitado produzir um livro a 10 mãos (as duas minhas e as oito dos demais, três que estiveram na linha de frente durante todo o primeiro período de investigações e Francisco Cembranelli, que chegou depois para atuar num único julgamento dos envolvidos, ano passado) de forma a levar esclarecimentos ao público? Eles não toparam. Sabem que tenho um caminhão de argumentos e de provas para soterrá-los. Democraticamente, é claro. Aos fatos, então:
 
UOL -- O MP investigou algo sobre a morte do perito Otávio Mercier que disse que o Celso Daniel foi torturado antes de ser morto?
 
Wider Filho -- O depoimento do perito foi muito importante para a instrução do processo. Em primeiro lugar, ele fez um laudo, e houve uma dificuldade enorme para obtermos o próprio laudo que ele produziu. Esse laudo só foi juntado ao processo depois que os promotores participaram da investigação e mesmo assim com muita insistência. O laudo menciona que o Celso Daniel sofreu torturas, mas não deixa bem claro a espécie de tortura que ele sofreu. Depois, ouvindo o perito, ele consegue descrever a dinâmica da tortura pelas lesões que o ex-prefeito foi submetido. Ele sofreu queimaduras circulares nas costas que provocaram marcas compatíveis com as produzidas por armas de fogo.
 
Locais bem diferentes
 
A resposta de Roberto Wider Filho envereda por outros detalhes já esclarecidos por especialistas e traduzidos nesta revista digital, por isso não importam agora. O foco são as queimaduras circulares nas costas de Celso Daniel ("que provocaram marcas compatíveis com as produzidas por armas de fogo"). O promotor deslocou essas marcas, não só compatíveis mas especificamente de armas de fogo, do cenário original, do arrebatamento de Celso Daniel, no chamado Três Tombos, para as instalações do cativeiro. A intenção do promotor é impor tecnicamente a tese de tortura para, segundo ele, promotor, obter-se acesso à suposta senha de uma conta secreta do então prefeito. Pura bobagem.
 
Como posso afirmar ser pura bobagem uma declaração enfática do promotor criminal? Simples: basta recorrer ao chamado "Auto de Qualificação e de Interrogatório 183/02" datado de 2 de março de 2002, menos de duas semanas após o assassinato de Celso Daniel. O depoimento no DHPP (Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa) é de Itamar Messias da Silva dos Santos, um dos cinco sequestradores a ser julgados nesta quinta-feira em Itapecerica da Serra. Convém contextualizar aquele depoimento: até então, a fraudulenta hipótese de crime político, industrializada para colocar no mesmo saco de gatos as denúncias de corrupção na Administração Celso Daniel e o sequestro do então prefeito, não havia saltado da cartola de autoridades políticas do governo do Estado. O Caso Celso Daniel, até então, estava exclusiva e
hermeticamente enquadrado como temática de segurança pública, da qual jamais deveria ter saltado, fosse a política algo menos insidioso e deletério.
 
Repassamos alguns trechos do depoimento do sequestrador Itamar Messias da Silva dos Santos:
 
 (...) Que o interrogando passa então a forçar a maçaneta externa da porta do motorista, e esta não abre, batendo com o cano da arma no vidro do auto, ao mesmo tempo em que fica gritando abre, abre, abre, e a porta do motorista não abriu; que na porta dianteira direita da Pajero, ou seja, do lado onde se encontrava o prefeito Celso Daniel, o ataque era efetuado por Bozinho, que também passou a mexer na maçaneta daquela porta, havendo um momento em que a mesma se abre; que Bozinho tira o prefeito de dentro do carro e o puxa em sentido da Blazer; que o interrogando dá a volta pela frente da Pajero, indo para a porta de onde saiu o prefeito e por ali tenta retirar o empresário Sérgio Gomes da Silva, não tendo êxito em tal manobra; que afirma que puxou o referido empresário pelo seu braço direito, utilizando-se de sua mão esquerda; que chega o VW/Santana e para praticamente ao lado da Blazer, e Ivan desce do Santana, falando vamos, vamos, vamos, sendo que o interrogando, Bozinho e Ivan apanham o prefeito e o levam para a Blazer, ficando então John guiando, e no banco traseiro ficam o interrogando, atrás do banco do motorista, o prefeito no meio e Bozinho na outra extremidade; que Ivan embarcou novamente no Santana, e o interrogando se recorda que chegou a cutucar as costas do prefeito Celso Daniel com sua arma.
 
Bingo, bingo. "que chegou a cutucar as costas do prefeito Celso Daniel com sua arma". Repararam na frase? Foram esses cutucões, com uma arma ainda aquecida pelos disparos efetuados durante a operação de sequestro, que provocaram os ferimentos circulares nas costas de Celso Daniel. Convenhamos que o promotor criminal Roberto Wider Filho deveria ter esse tipo de informação consolidada à sustentação da tese de crime de encomenda para não proporcionar à defesa de Sérgio Gomes da Silva, em eventual julgamento, um contragolpe mortal, entre tantos outros que o excesso de imaginação e de subjetividades certamente provocará.
 
Porta aberta
 
Já escrevi sobre a razão de Celso Daniel ter aberto a porta da Pajero após o ataque virulento dos sequestradores. Está também nas provas documentais das investigações policiais, nas palavras de um dos sequestradores, um desses que estão sendo julgados hoje, que o próprio prefeito abriu a porta e, braços erguidos, pedia calma, calma, aos malfeitores. Um cenário real que, ao ser transmitido por mim ainda outro dia a uma das irmãs de Celso Daniel, recebi como resposta o seguinte comentário: "Ah, isso é mesmo possível, porque o Celso agiria de fato dessa forma". Já as deformadas interpretações, que colocam Sérgio Gomes da Silva como mentor intelectual e operacional do sequestro, registram que ele botou a pontapés Celso Daniel para fora do veículo.
 
Para finalizar, temporariamente, mais um capítulo do Caso Celso Daniel, uma correção necessária. Diferentemente do que citou o portal UOL,  Otávio Mercier é a identidade de um investigador de polícia morto e indevidamente relacionado ao pós-assassinato de Celso Daniel. O perito em questão, Carlos Delmonte, suicidou-se por conta da separação da mulher. Aliás, todas as mortes associadas ao Caso Celso Daniel são uma falácia. O politicamente correto e o sensacionalismo ibopeano dão-se as mãos para socializar uma narrativa mambembe entre outros motivos porque o macunaísmo jornalístico dá as cartas e joga de mão, evidentemente quando interesses estranhos convergem para um ponto em comum.
 
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