Mais três acusados de participação no assassinato do então prefeito Celso Daniel foram condenados pela Justiça. Nada mais lógico. As rigorosas investigações da Policia Civil de São Paulo e da Polícia Federal, então sob o governo Fernando Henrique Cardoso, não deixaram margem a dúvidas. Agora, além de dois outros criminosos cujos julgamentos foram adiados, espera-se que, caso seja levado ao Tribunal de Júri, a Justiça prevaleça e Sergio Gomes da Silva seja devidamente inocentado, porque, como se sabe, não tem nada com a história. Essa bobagem de crime político não passa mesmo de bobagem. Uma coisa (supostas propinas na Administração Celso Daniel) é uma coisa, outra coisa (o sequestro naquela noite de 18 de janeiro de 2002) é outra coisa.
É claro que a promotoria faz um jogo de palavras e flerta o tempo todo com a semântica para colocar Sérgio Gomes da Silva no mesmo barco de náufragos dos assassinos já condenados pela Justiça e dos outros dois que ainda o serão. Foi o que fez ontem o promotor Márcio Augusto Friggi após a sentença proferida pelo juiz Antonio Augusto Galvão de França Hristov, de Itapecerica da Serra. Ele interpretou que os jurados encamparam a tese do MP: "Até agora, a Justiça vem chancelando a tese do Ministério Público. Acredito que existam outros envolvidos, que serão identificados e responsabilizados" -- disse ao Estadão. Embora o promotor criminal escalado para acusar três dos sequestradores julgados ontem conduza a sardinha de crime comum para a brasa de crime político, o juiz de Itapecerica da Serra preferiu cautela. Está no Estadão:
Ao proferir a sentença, o juiz Hristow afirmou que não cabia a ele definir se o crime fora cometido por motivos políticos ou não e não entraria nesse mérito. "Seria até antiético da minha parte deliberar a respeito disso. Ao juiz cabe apenas calcular a pena" -- disse.
Como seria o Júri?
Embora ainda haja amplas possibilidades processuais de Sérgio Gomes da Silva não ser levado ao banco dos réus, porque a denúncia do Ministério Público está repleta de imperfeições e irregularidades, segundo fundamentação técnica do advogado Roberto Podval, não custa desconsiderar esse encaminhamento e imaginar o julgamento do primeiro-amigo de Celso Daniel. Quem anda cantarolando vitória por antecipação da tese de crime político subestima o contexto dos julgamentos já efetivados e do que provavelmente ocorreria numa nova rodada.
Para começar, Sérgio Gomes da Silva não teria só um advogado de peso a defendê-lo, caso do prestigiadíssimo Roberto Podval. Uma imensidão de testemunhas, entre as quais delegados da Polícia Civil que atuaram diretamente nas investigações, reforçaria a inocência do acusado. O jogo não seria jogado como tem sido, com o time da Promotoria lançando mão da bola, do apito, da torcida e contando com um adversário desfalcadíssimo. Basta dizer que nos julgamentos de ontem nenhum deles contou com uma única testemunha, por razões distintas mas todas da mesma tessitura histórica: estavam encalacradíssimos pela eficiência de investigações policiais. Só lhes restaram apelar para delírios de supostos métodos coercitivos à confissão do crime.
Mais que tudo isso: a explicitude de culpabilidade dos acusados já levados a júri popular contrasta integralmente com os contornos e os recheios de vítima, e portanto, inocência, de Sérgio Gomes da Silva, conforme amplas investigações policiais que, não custa lembrar, foram produzidas por instâncias politicamente relacionadas aos governos tucanos, de São Paulo e de Brasília.
Perigo do "clamor popular"
Só não aposto numa sentença que manteria Sérgio Gomes da Silva em liberdade definitiva, não a liberdade liminar como a que lhe foi concedida pelo Supremo Tribunal Federal, porque Tribunal de Júri é algo complexo demais. Cada cabeça, uma sentença. O ambiente externo em crimes que despertam para valer ou artificialmente o chamado "clamor popular" costuma contaminar os fatos e as provas a ponto de, senão desvirtuar, embaralhar a cabeça dos jurados. Levar Sérgio Gomes da Silva a julgamento nesta temporada de eleições seria, então, uma camada densa de agravantes na tentativa de execução formal de uma sentença calamitosa.
São tantas as evidências e provas de que Sérgio Gomes da Silva foi tão surpreendido pelos sequestradores como Celso Daniel que não caberia qualquer dúvida sobre o desenlace de eventual julgamento em situação de normalidade ambiental. Foram tantas as trapalhadas da força-tarefa do Ministério Público escalado a dedo para deslocar um crime comum para o âmbito político que a hipótese de demolição completa das estruturas da acusação cabe perfeitamente no enquadramento democrático de um julgamento sem vieses populistas sob controle político-partidários.
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11/07/2022 Caso Celso Daniel: Valério põe PCC e contradiz atuação do MP