Política

Aidan dá troco e espalha revista que
vai muito além do caso Celso Daniel

DANIEL LIMA - 01/06/2012

Já começou a circular na Província do Grande ABC o Expresso do Terror Eleitoral em forma de publicações em quantidade de exemplares muito acima da regularidade que o mercado publicitário convencional possibilita. Numa operação atribuída ao Paço Municipal de Santo André e ao Palácio dos Bandeirantes, o prefeito Aidan Ravin deu o troco no PT por causa das denúncias do caso Semasa. A edição número 32 da revista semanal Free São Paulo, de propriedade de uma empresa de comunicação de Guarulhos, inundou a região nas últimas horas.
 
A tiragem inicial de 100 mil exemplares, que consta do expediente da publicação, está sendo turbinada. Fontes do Paço de Santo André afirmam que uma negociação suplementar garantiria mais 200 mil exemplares a serem distribuídos na região. A Reportagem de Capa, com uma imagem estilizada da morte é enfeitada com a estrela vermelha do PT. O título da matéria -- "Muito além da morte" -- sintetiza as sete páginas de uma mistureba do caso Celso Daniel, nas vertentes criminal e administrativa, com o mensalão. Tudo no mesmo caldeirão interpretativo de condenação ao PT.
 
A Reportagem de Capa da Free São Paulo não é apenas uma colagem do que os principais veículos brasileiros publicaram ao longo dos últimos anos sobre o assassinato do prefeito Celso Daniel, em janeiro de 2002. O texto acrescenta uma denúncia que deverá causar dores de cabeça ao prefeito de São Bernardo, Luiz Marinho.
 
O primeiro-amigo do ex-presidente Lula da Silva é acusado de ter herdado o esquema de arrecadação paralela de recursos financeiros junto a fornecedores do Poder Público que supostamente teria provocado a morte de Celso Daniel. A matéria também correlaciona histórico sucinto do assassinato e suposta liderança regional de Luiz Marinho ao caso do mensalão, prestes a ser julgado pelo STJ (Supremo Tribunal de Justiça).
 
Inundar a Província do Grande ABC com exemplares da Free São Paulo poderia parecer uma ação inútil. Afinal, a publicação é completamente desconhecida na região. Criada no final do ano passado, a Free São Paulo é distribuída a cada semana em todas as estações do Metrô e da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), segundo consta do expediente.

Uma morte novelesca

O tom sensacionalista da reportagem que ataca diretamente o PT na Província do Grande ABC, entretanto, não é um tiro no escuro. A morte de Celso Daniel alimenta a imaginação e também a convicção dos leitores. A massificação pela grande mídia de que o crime é político e que ainda falta enfiar nas grades aquele que o Ministério Público diz ser o mandante, o empresário Sérgio Gomes da Silva, dá conotação novelesca ao assunto. E brasileiro é um grande consumidor de histórias que se desenvolvem em etapas. A possibilidade de que a operação não se esgotará com a edição 32 da Free São Paulo é bastante viável, segundo um publicitário que atua em Guarulhos e que acompanhou as negociações que culminaram na definição da pauta.
 
Por trás da reação dos oposicionistas do PT na Província do Grande ABC está a Administração Aidan Ravin, desgastadíssima nos últimos meses com o escândalo do Semasa, autarquia de água e esgoto de Santo André cujas lambanças administrativas provocaram desdobramentos no Ministério Público, na Polícia Civil e no Legislativo. A constatação de que foi o PT que alimentou a denúncia inicial de um disputadíssimo duto de propinas, publicada pelo Diário do Grande ABC, provocou o planejamento e a execução do contragolpe.
 
O desencadeamento da retaliação da Administração Aidan Ravin foi potencializado pelo fato de a morte de Celso Daniel estar completando 10 anos. Os julgamentos no Tribunal do Júri de Itapecerica da Serra, que já condenaram vários sequestradores, dão foro de verdade à versão do Ministério Público, de crime político. Pouco interessa ao senso comum de interpretação dos fatos que todos os acusados já julgados não contaram sequer com testemunhas de defesa, entre outros motivos porque investigações policiais os colocaram inapelavelmente nas cenas do crime. Uma situação bem diferente da que envolve Sérgio Gomes da Silva, considerado inocente pelas forças policiais (estadual e federal) que investigaram o sequestro seguido de morte.

Ambiente vai esquentar

A expectativa de que o ambiente eleitoral na Província do Grande ABC vai atingir temperaturas altíssimas nos próximos meses não é especulação ou paranóia. Possivelmente o terrorismo dos combatentes eleitorais ficará fora das páginas dos jornais impressos e mesmo dos digitais mais tradicionais, os quais não têm interesse em lubrificar essa máquina de moer reputações porque têm compromissos cruzados com representações políticas e também não pretendem dividir as atenções dos leitores com novos concorrentes.
 
Entretanto, as operações de guerra que tradicionalmente jamais se limitaram e jamais se limitarão a oposicionistas do PT, estendendo-se ao próprio PT, vão ser encardidas. À falta de televisão de massa que insira na sociedade as denúncias de irregularidades reais ou falsificadas, lança-se mão de anabolizantes de circulação dos veículos impressos que contam com raízes na região ou eventualmente, como é o caso da Free São Paulo, que tenham potencial de credibilidade na esteira de produção editorial bem articulada, com diagramação ao melhor estilo das revistas semanais e textos que não divergem em tonalidade ideológica do que as principais semanais brasileiras oferecem aos leitores. Cada vez mais o jornalismo brasileiro sai do muro e se apresenta explicitamente favorável a determinadas agremiações político-partidárias.
 
A Reportagem de Capa da Free São Paulo é convincente a quem acompanhou e acompanha o noticiário sobre o assassinato de Celso Daniel, os supostos desvios administrativos durante a gestão do petista para alimentar caixa de campanha eleitoral e também a quem está interessado no julgamento do mensalão. A inclusão de Luiz Marinho no enredo também não pode ser desqualificada como tática de fragilização do oponente. Liderança regional do PT e já declaradamente candidato ao governo do Estado em 2018, o ex-sindicalista virou alvo de bombardeiros. O governo do petista é observado com lupa pelos oposicionistas.
 
A massificação da distribuição de exemplares da Free São Paulo com a imagem da morte na Reportagem de Capa deverá provocar estragos na campanha eleitoral do PT na Província do Grande ABC. Goste-se ou não da operação desencadeada com nítido sabor de vingança, a realidade dos fatos e a perspectiva de futuro azeitam a engrenagem de que a temporada será mesmo de conflitos. Esta não é a primeira nem será a última vez que Celso Daniel vira instrumento eleitoral. Talvez a diferença principal é que os panfletos mal-ajambrados e por isso mesmo pouco confiáveis deram vez a uma publicação com certo rebuscamento editorial.



Disputa pelo poder

O cenário que coloca os soldados partidários e também eventuais mercenários editoriais em campo aberto envolve uma disputa surda para restringir o PT à administração da minoria dos municípios da região. De preferência, que não passe de São Bernardo e de Diadema. Melhor ainda se Luiz Marinho for desalojado de São Bernardo. A recíproca é verdadeira: o PT quer somar mais e mais elos de uma corrente que seria importantíssima para propagar o sucesso de público e bilheteria numa região que o incubou rumo à presidência da República.
 
A expectativa alimentada até recentemente de que o PT ganharia de goleada, aplicando um então provável 5 a 2 (só São Caetano e Rio Grande da Serra ficariam com os adversários) já parece diluída. A Free São Paulo antipetista da primeira à última página da Reportagem de Capa, seria o primeiro e mais combativo bombardeio que teria Santo André como centro de operações. É mais que provável que o PT dará os respectivos trocos. Quem acredita que eleição tem alguma relação com religião, acertou em cheio: o fundamentalismo move as artilharias. A diferença é que na política o buraco é um pouco abaixo da linha de cintura.


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