Entrevista Indesejada

LivreMercado sempre ficou acima da
expectativa da região, diz jornalista

DA REDAÇÃO - 22/09/2010

Antecipando-se ao limite de 15 dias estabelecido para responder aos leitores de CapitalSocial, o jornalista Daniel Lima, criador deste site, afirma que a revista LivreMercado marcou história na Imprensa do Grande ABC sobretudo porque esteve muito acima da expectativa dos leitores ao longo de duas décadas. A bateria de perguntas integra a seção “Entrevista Indesejada“.


Para Daniel Lima, criador e condutor da área de redação de LivreMercado, após passar por vários veículos de comunicação ao longo de mais de 40 anos de jornalismo, o estágio em que se encontra o Diário do Grande ABC, do qual é um dos maiores críticos, está ajustado à situação geoeconômica e social de uma região provinciana.


Autor de vários livros, todos sobre aspectos sociais, econômicos e culturais do Grande ABC, Daniel Lima reafirma a baixa institucionalidade da região, bem como o esfarelamento do senso crítico. Também faz incursões pelos bastidores da Editora Livre Mercado e do Diário do Grande ABC, empresas que se associaram em março de 1997 para a condução da revista LivreMercado, lançada sete anos antes. Daniel Lima desiludiu-se com o resultado da operação, mas ressalva que isso já faz parte do passado. “Tenho capacidade de reciclagem”.


CapitalSocial – O senhor se sente confortável quando observa que há dois anos, desde que repassou a revista LivreMercado, a publicação simplesmente desapareceu da praça? O senhor não teria sido precipitado ao entregar a um aventureiro uma marca tão cara ao jornalismo do Grande ABC?
Daniel Lima – Cumpri rigorosamente a missão à frente da revista LivreMercado. Foram duas décadas inteiras do melhor jornalismo regional do País. Montei equipes enxutas e comprometidas com o futuro do Grande ABC. Seus integrantes souberam dar conta do recado de regionalidade com compromisso social, como apregoei ao longo dos anos. Chegaria ao ponto de dizer que fiz uma revista melhor do que o Grande ABC merece, ou seja, uma revista muito acima da expectativa de um Grande ABC que, todos sabem, é provinciano, rigorosamente portador de Complexo de Gata Borralheira.


Quem acompanhou a trajetória de LivreMercado e quem consumiu os livros que escrevi sabe bem do que estou falando. Seria hipocrisia imprimir respostas que fogem ao posicionamento que exponho pessoalmente. A própria expressão “LivreMercado”, escolhida por mim pouco depois da queda do Muro de Berlim, foge completamente da maioria das identidades de publicações no País. Aí já se prenunciava reviravolta na cobertura jornalística da região. Uma reviravolta feita no terceiro andar da reflexão, enquanto a informação está no térreo. Uma publicação acima da informação convencional, de quebra de paradigmas, de fuga das galinhas da mesmice grandiloquente mas sem profundidade social.


Alguns tentaram mimetizá-la, mas não passam, infelizmente, de caricaturas. Até hoje poucos sabem o significado real da expressão LivreMercado. Os mais habilitados intelectualmente atribuem valor ideológico nem sempre correto. LivreMercado é empreendedorismo com suporte de um Estado forte, ágil. Também a maioria ignora o que é CapitalSocial. Somos uma sociedade que cultua superficialidades, uma sociedade de coluna social, de exibição de egos exacerbados e modelitos de mau-gosto.


Quanto ao repasse da marca LivreMercado a um aventureiro, lembro que a situação financeira da empresa Editora Livre Mercado não me deixou escapatória. Os mais espertos deram no pé antes, porque dispunham de dados de balanços secretos. Além disso, não conhecia as pegadas do empresário que apareceu para adquirir a marca em troca da dívida. Se soubesse de quem se tratava, teria feito o negócio da mesma forma, porque não sou alquimista. Não transformo estorvos administrativos, financeiras e comerciais em ouro. Tivesse tempo, algum tempo, teria tentado evitar a transferência da marca. Organizaria ou tentaria organizar uma cooperativa. Infelizmente, não estou acostumado nem vou me acostumar com compromissos financeiros acima de minhas posses.


CapitalSocial – Dizem que o senhor vendeu a marca LivreMercado apenas um ano após tornar-se sócio majoritário da Editora Livre Mercado porque não teria sabido administrar a empresa. Há fundamento técnico nessa avaliação?
Daniel Lima – Quando, em março de 1997, decidi pela sociedade com o Diário do Grande ABC, LivreMercado era uma revista sem dívida. Tanto que o negócio só foi feito porque partiu de algo zero quilômetro. E quem cuidava diretamente da administração era este jornalista. Sabia de cor e salteado todos os custos em valores absolutos e relativos. Cuidava da empresa com zelo, embora já se prenunciassem ali, segundo informações que me chegaram mais tarde, alguns desvios.


Fizemos o encontro de águas com o Diário do Grande ABC exatamente para repassar a uma organização maior, mais preparada, uma atividade que não me agrada, que é cuidar da administração e do gerenciamento financeiro, entre outros pontos estratégicos. Minha paixão e minha vocação estão ligadas ao jornalismo, ao qual me dedico completamente em largo tempo diário.


A dívida que se acumulou ao longo de 11 anos de sociedade com o Diário do Grande ABC foi resultado, principalmente, das complicações que marcaram aquela empresa. Tantas complicações que os então acionistas do Diário do Grande ABC com os quais tratamos da negociação com a revista LivreMercado acabaram deixando aquele jornal.


CapitalSocial – Em que foi importante a sociedade do Diário do Grande ABC na Editora Livre Mercado? Quanto de fato o Diário do Grande ABC contribuiu para a consolidação da empresa que editava a publicação?
Daniel Lima – O Diário do Grande ABC foi uma decepcionante companhia societária porque simplesmente não fez absolutamente nada para dar maior estrutura organizacional e elevar as receitas de LivreMercado. Ao longo dos anos não trouxe sequer um anunciante para a publicação. Não é força de expressão não, é pura realidade. Jamais o Diário do Grande ABC contribuiu com um tostão sequer como parceiro de negócio no relacionamento com agências de publicidade. Mais que isso: houve em determinadas situações hostilidades decorrentes da linha editorial menos adocicada de LivreMercado e, com isso, a imposição de obstáculos retaliatórios de setores públicos e privados.


Quero crer que tudo se deve ao rebuliço diretivo que culminou com a venda da empresa para Ronan Maria Pinto, atual presidente daquela companhia, e também, no caso das retaliações, ao inconformismo de contar com a oposição de uma empresa do grupo ao oba-oba irresponsável com o quadro socioeconômico do Grande ABC já em declínio, como cansamos de analisar. Tínhamos fortes divergências editoriais que nos afastavam.


O Diário do Grande ABC, por razões econômicas, via o Grande ABC como um mar de rosas. Já LivreMercado, contrariando todas as razões econômicas, colocava o dedo nas feridas da desindustrialização. O tempo provou quem tinha razão. Daí vieram os livros que lancei, casos de “Meias Verdades”, “República Republiqueta”, “Na Cova dos Leões” e, o primeiro e mais importante de todos, “Complexo de Gata Borralheira”, lançado em abril de 2002.


Nos primeiros tempos da nova composição acionária, é bom lembrar, houve ensaios de integração dos dois veículos, mas logo sobrevieram rescaldos das divergências entre os acionistas do Diário do Grande ABC, principalmente por conta da linha editorial e de concorrência comercial. Quando a situação ficou feia na Rua Catequese, tudo desandou de vez.


CapitalSocial – Qual sua avaliação histórica sobre a atuação comercial da Editora Livre Mercado? Até que ponto a área publicitária tem responsabilidade na contabilidade do negócio e até que ponto deu sustentação ao crescimento e maturidade da linha editorial?
Daniel Lima – A área comercial da Editora Livre Mercado, a despeito de todos os esforços, obedeceu a um padrão de suburbanidade comum no setor de comunicação no Grande ABC. Os rescaldos são tremendamente negativos. Não tenho dúvidas de que a maioria dos agentes de publicidade de LivreMercado desconhecia o produto que fazíamos e, portanto, não contavam com argumentos de venda que os colocassem num nível diferente do de vendedores de quinquilharias. Tenho uma coleção de exemplos que denotam a precariedade técnica do departamento. LivreMercado era uma publicação esquizofrênica, de modernidade editorial e atavismo publicitário.


CapitalSocial – Por que o senhor tornou-se sócio majoritário da Editora LivreMercado se sempre disse que suas atividades na empresa se restringiam à área editorial?
Daniel Lima – Também ganhará espaço no Judiciário, se necessário, o naco de explicações por ter assumido o controle societário da Editora Livre Mercado. Há situações que nos obrigam a colidir com nossos propósitos. Infelizmente não somos uma ilha. Aqueles que nos cercam, principalmente familiares, não podem ser colocados em risco quando se apresentam situações que divergem de nossos propósitos e ideais. Talvez estas linhas se tornem herméticas aos leitores, mas há fatos que nos obrigam a agir como bons jogadores de pôquer que sempre têm uma carta escondida para liquidar o jogo. A diferença é que no jogo da vida metáforas servem como biombo de surpresas. E não existe nada pior que o sentimento de patetice, principalmente quando se pretende protagonizar um feito memorável. Há alguém que ao ler estas linhas compreenderá integralmente o que quero dizer, porque disse o que lhe mandaram dizer e cometeu a bobagem de deixar impressão digital. Mais que impressão digital, vocalização digital.


CapitalSocial – Qual sua avaliação sobre a mídia no Grande ABC, principalmente jornais e revistas?
Daniel Lima – Sou amplamente favorável à diversidade de informação e competição, mesmo que essa diversidade esteja recheada de partidarismo e mercantilismo, o que é comum em todo o mundo, de Nova York a Moscou, de Bangladesh a Diadema. Só lamento a qualidade técnica tão rasante, que contribui muito pouco para a transformação de uma sociedade que construiu mito de engajamento crítico mas não passa de amontoado de pessoas que recebem informações como se participassem de boca livre, ou seja, sem o menor senso analítico. As exceções confirmam a regra.


Somos uma sociedade decadente, uma sociedade que naufragou porque, opondo-se à cultura do apertar de parafuso que doutrinou nossas atitudes na esteira da industrialização, sobreveio a era digital meramente exibicionista ou utilitarista. O movimento sindical, cantado em prosa e verso como símbolo de cidadania, não ultrapassou a arena corporativista em busca de triunfos classistas, principalmente monetários. Nada mais legítimo, por sinal, nada mais respeitável, evidentemente, mas que não tem nada a ver com amadurecimento social no contexto que pretenderam transmitir à sociedade.


Aliás, o próprio presidente Lula da Silva, expressou esse viés do movimento sindical. Somos uma comunidade semelhante ao que se encontra no restante do País, principalmente nas áreas metropolitanas. As pesquisas eleitorais mostram isso porque colocam no mesmo balaio de gatos em termos de avaliação dos candidatos o que pensa a Grande São Paulo e a Grande Belo Horizonte. A tecnologia da informação homogeneíza o que tem de ser homogeneizado.


CapitalSocial – Como o senhor observou a chegada dos jornais Bom Dia e Metro ao Grande ABC?
Daniel Lima – Não são produtos que me levam à leitura mais demorada, até porque não foram concebidos com essa pretensão editorial. Acredito que têm relevância à formação de um público leitor que, mais tarde, se mais exigente, acabará migrando a publicações mais densas. Quanto era criança costumava ler de tudo. Meu berçário de formação intelectual reuniu de gibis de Pato Donald, Zé Carioca, Os Flinstones, entre outros, e também obras literárias como Os Miseráveis, Os que Riem e os Que Choram, Mulheres de Bronze, entre outros, que compunham um pacote do presente de meu pai para minha mãe. Não sei até que ponto a leitura fastfoodiana vai deformar os leitores mais jovens. E os jornais que recorrem a textos curtos e informativos podem ser a versão impressa da Internet para efeitos de construção de um País mais reflexivo.


De qualquer modo, acredito que os dois jornais e outros assemelhados, embora mais modestos, tenham importância na catequização dos leitores. Há uma camada de leitores em potencial que não querem mergulhar demoradamente em textos, mas apenas escaneá-los visualmente. É um público adepto da leitura rápida que também recorre à Internet. Um dia os melhores leitores desse agrupamento vão engrossar as fileiras de publicações mais críticas. Resta saber quanto de significativo esse grupo será para moldar uma sociedade mais dinâmica.


CapitalSocial – O senhor é o único jornalista do Grande ABC que se expõe tanto na avaliação do jornal Diário do Grande ABC quanto na atuação do presidente daquela empresa, Ronan Maria Pinto. Isso não lhe causa problemas? Qual é a raiz dessa contínua manifestação? O senhor tem algum caso mal resolvido com o dono do Diário do Grande ABC?
Daniel Lima – Não transfiro questões pessoais ao campo jornalístico. Pelo contrário: costumo afastar-me de pessoas com as quais patrocino conflitos quando me ponho a escrever sobre a participação delas em instituições sociais, esportivas, culturais e econômicas. Poderia relacionar vários nomes. Aliás, Ronan Maria Pinto é um desses casos. Minha opinião sobre ele no comando do Diário do Grande ABC e do Ramalhão é uma linha de coerência despida de qualquer tipo de interesse. Muito pelo contrário.


Estaria numa situação possivelmente mais confortável do ponto de vista material caso fosse seu aliado acrítico. Já não o fui durante nove meses em que comandei a redação do Diário do Grande ABC, quando ele já era presidente da companhia. Costumo dizer que sou escravo dos fatos. Inclusive, no caso de Ronan Maria Pinto, dos fatos que investiguei a fundo e constatei que, contrariamente à opinião de muita gente e de muita mídia, ele não teve participação alguma no caso Celso Daniel.


É uma pena, entretanto, que os mesmos métodos que a mídia, principalmente a mídia paulistana, utilizou para massacrá-lo em nome de uma ação político-partidária, ele utilize à frente do Diário do Grande ABC, por interesse econômico ou por não contar com especialistas em jornalismo. Quando escrevo, como escrevi outro dia, que ele além de dono é o diretor de Redação do Diário do Grande ABC, não pretendo diminuir o respeito que tenho pela suposta titular do cargo. Trata-se apenas de uma constatação que os leitores têm obrigação de saber, até porque os protagonistas do noticiário, principalmente do noticiário político, conhecem muito bem. Até prova em contrário, suas intervenções na redação são tão desastradas quanto intempestuosas. Haja vista o dobrar de joelhos ao prefeito Luiz Marinho, de São Bernardo, depois de uma perseguição estúpida de 18 meses.


Os leitores do Diário do Grande ABC que pretendem conhecer a administração de Luiz Marinho vão viver o pior dos mundos, porque durante um ano e meio só sobraram porradas e nos últimos meses, depois que ambos se sentarem para almoçar, o que temos é um absoluto deserto de informações. O silêncio, também nesse caso, condena. Quem entender que essas revelações são algo que possa se comparar a algum tipo de dor de cotovelo, mal de que não sofro, que fique com essa impressão.


CapitalSocial — O senhor tem saudade dos tempos em que dirigia a revista LivreMercado? Já conseguiu assimilar a mudança que a cessão da marca representou em sua vida profissional?
Daniel Lima — Tenho imensa capacidade de adaptação às circunstâncias porque mantenho o núcleo duro de minha vida pessoal e profissional em bases fortes, sólidas. E o jornalismo é um dos vértices. Costumo dizer que me entrego intensamente a tudo que faço, mas que também me reciclo com facilidade para deixar para trás o que tem de virar passado.


Posso garantir que os quase dois anos que marcam meu desligamento de LivreMercado foram intensamente produtivos. Saí de uma roda-viva intensa, louca, escravizante. Dificilmente me proporia a repetir a entrega profissional e a confiança pessoal das duas décadas de LivreMercado. Foram anos submetidos a um projeto vitorioso mas tremendamente desgastante e igualmente frustrante, principalmente ao descobrir-me bobo de uma corte de oportunistas.


CapitalSocial – Há informações de que o senhor teria acertado volta à direção de LivreMercado, inclusive anunciando o retorno a alguns ex-companheiros de redação. O que há de verdade?
Daniel Lima – Houve de fato tratativas com o novo proprietário da marca LivreMercado, mas não avançamos por questões conceituais, nada mais que isso. As portas não foram fechadas, mas também não se mantiveram abertas o suficiente. Não faria jamais de eventual retorno à publicação que criei e dirigi durante duas décadas obsessão ou algo parecido. Não tenho por que minimizar a racionalidade quando tratar de qualquer questão que envolva minha vida profissional. Já dei minha cota de contribuição à sociedade regional.


CapitalSocial – O senhor chegou a anunciar recentemente que voltaria a realizar o Prêmio Desempenho, mas não se tem lido mais nada sobre o assunto. Houve recuo?
Daniel Lima – Fizemos espécie de pré-contrato com uma empresa jornalística que edita um jornal diário no Grande ABC, mas por conta de contratempos dessa mesma empresa, que repercutem até agora, a proposta está provisoriamente arquivada. Há muita pressão de gente que não consegue esquecer o Prêmio Desempenho. É natural que assim o seja. Todos querem de volta o que é prova de independência e meritocracia. Não podemos esquecer que vivemos num mundo de cartas marcadas, o que nos remete a valorizar tudo que supera largamente o terreno movediço das maracutaias.


CapitalSocial – O Prêmio Desempenho era de fato inviolável a manipulações? Quem garante que os resultados não tenham sido fabricados por interesse econômico?
Daniel Lima – O quadro de 256 conselheiros editoriais é a melhor prova de invulnerabilidade ética da premiação. Todos esses conselheiros, responsáveis pela definição dos melhores de cada temporada, participaram com atribuição de notas. Mais que isso: receberam individual e coletivamente planilhas de notas atribuídas, a melhor maneira que encontramos para dar transparência ao processo de votação. Sem contar também que chegamos ao exagero de contar com duas auditorias externas para verificação dos insumos originais que definiam os vencedores.


Sempre disse que o Prêmio Desempenho não foi feito para ser comprado ou vendido, mas para ser conquistado. Não faltaram assédios de gente interessadíssima em manipular resultados. Todos caíram do cavalo. As premiações negociadas desapareceram da praça. E quem implantá-las sabe que não terão vida longa. Os 1.718 troféus entregues ao longo de uma década e meia são testemunhos de uma programação anual que mobilizava o Grande ABC. Quem viu viu, quem não viu, talvez jamais verá de novo. Tomara que esteja enganado.


CapitalSocial – Diante das grandes transformações do mundo jornalístico e levando-se em conta a realidade do Grande ABC, o senhor acredita no futuro do Diário do Grande ABC ou lhe estaria reservado o mesmo destino do Jornal do Brasil, que agora está disponível apenas on-line?
Daniel Lima – Não gostaria de ser apocalíptico em relação ao Diário do Grande ABC ou a qualquer veículo com as características editoriais e geoeconômicas do Diário do Grande ABC. Seria uma perda enorme para a região o desparecimento da publicação, por mais que conteste a qualidade e a forma com que é comandada.


O Diário do Grande ABC não pode ser idolatrado a ponto de tolher o espírito crítico dos leitores. Mas também não pode se sentir acima do bem e do mal, como poder violador dos princípios republicamos. O destino do Diário do Grande ABC está atreladíssimo ao que espera o jornalismo diário no restante do Brasil e do mundo. Quem for mais competente como administrador do negócio e mais sensível à importância do produto como bem de consumo da cidadania acabará resistindo. Essa é uma equação que cabe ao Diário do Grande ABC responder, quer com os atuais proprietários, quer com eventuais novos acionistas.


Não fosse o Diário do Grande ABC uma marca mais que cinquentenária, seu destino já teria sido traçado há muito tempo. Se tirarem a logomarca que o identifica e substituí-la por um nome qualquer, será uma verdadeira hecatombe. Os leitores vão se descobrir enganados. A marca, que se desgasta mas é sempre uma marca de valor, segura as pontas de uma debacle que se prolonga indefinidamente tanto por razões endógenas, de direção, como exógenas, de invasão da mídia digital. Tudo combinado com o enfraquecimento do mercado varejista do Grande ABC, que, com os classificados de veículos e de imóveis, embalou a trajetória daquela publicação.


Particularmente acreditei muito em Ronan Maria Pinto que, ao adquirir o Diário do Grande ABC, fez de tudo para me contratar para comandar a redação. Acreditava na retomada da publicação, mas estava enganado. Talvez esteja sendo cruel demais, mas, dadas as condições socioeconômicas do Grande ABC, e também por conta da proximidade com a Capital, o Diário do Grande ABC está do tamanho que potencialmente pode ter. O passado é que se tornou um ponto fora da curva. Em suma, não temos bala para ter um jornal muito diferente do que está aí. Mas poderíamos ter, mesmo com limitações, um jornal menos oblíquo.


CapitalSocial – A série Entrevista Indesejada não lhe provoca, também, novas fontes de retaliação?
Daniel Lima – É claro que sim. Esse é o preço que pago para manter jornalismo comprometido com a sociedade. Reconheço que é desconfortável responder a determinadas questões, principalmente porque vivemos num mundo em que só se levantam as bolas para os respectivos artilheiros do bom-mocismo, mas é preciso senão desmascará-los, pelo menos cutucá-los para que se manifestem e, creiam, derrubem as desconfianças. A oportunidade que se oferece com Entrevista Indesejada pode ser comparada a uma ampla avenida de mão dupla. Quem tem garrafa para vender não deveria se sentir incomodado.


Fiz uma aposta comigo mesmo de que de 10 potenciais entrevistados nesta série, provavelmente uns 80% correriam da raia. Ao contrário do que imaginam esses sonegadores do contraditório, esse índice, se confirmado, ou mesmo se reduzido, provará o sucesso dessa iniciativa. Idiota é quem acredita que, ao me lançar nesse projeto, punha fé em adesão completa dos entrevistados. Conheço o gado do Grande ABC, feito da mesma massa de bajulação de gados de outras paragens. Me coloco à disposição dos leitores, como nesta entrevista, em qualquer circunstância, local e hora. Diferentemente do bordão da Folha de S. Paulo, não tenho rabo preso com muitos leitores. Se tivesse, não teria nadado contra a maré ufanista dos anos 1990. Só faltaram me entregar o título de Persona Non Grata ao Grande ABC. Acabei ganhando a medalha de honra ao mérito do Fórum da Cidadania do Grande ABC, o título de Cidadão Andreense e a Medalha João Ramalho, de São Bernardo, entre outros. Todos os concedentes são malucos de pedra.


CapitalSocial – O senhor não forneceu mais informações das relações com a Best Work, empresa que adquiriu a marca LivreMercado. Isso significa que houve acordo e que, portanto, os leitores não têm mais importância alguma, que eram interessantes enquanto o senhor cobrava o cumprimento do contrato? Mais precisamente: o Conselho Editorial que o senhor sempre cultuou como exemplo de participação numa publicação teria sido desrespeitado por não contar com novos informes?
Daniel Lima – Os pontos divergentes que mantemos com a Best Work daquele cidadão eticamente irresponsável estão entregues ao Judiciário. Exatamente por isso não temos nos manifestado. Atendemos à ponderação de advogados que voluntariamente perfilaram para defender interesses de um jornalista que, por motivos já explicados, teve de se meter numa transferência de marca como um especialista em postergação, já condenado por litigância de má-fé, conforme expusemos em texto que consta do site CapitalSocial.


CapitalSocial – Dizem que sua antiga sócia, Denise Barrote, teria sido contrária à sociedade com o Diário do Grande ABC quando da reconfiguração acionária da Editora Livre Mercado. Há fundamento nessa informação?
Daniel Lima – Em nenhum instante, em situações de seriedade, ela se manifestou nesse sentido. Nem creio que o fizesse, porque foi a maior beneficiária da nova composição acionária. Embora contasse com apenas 20% das ações como eu, seu alinhamento automático com o Diário do Grande ABC, que contava com 60% das ações, lhe proporcionou potencialmente a condição de majoritária para obter todas as vantagens possíveis na área que comandou. Convém lembrar, para que não paire dúvida sobre minha ação corporativa na Editora Livre Mercado, que me mantive o tempo todo na área editorial. Tanto que, até me tornar sócio majoritário em circunstâncias mais que complicadas, jamais assinei sequer um cheque da companhia. Mais que isso: passei anos sem ter acesso a balanços. Quem assinava os cheques eram Denise Barrotte e um representante do Diário do Grande ABC. Tenho um arquivo completo de troca de e-mails que, tranquilamente, poderia ser o núcleo de um livro que contaria sem equívocos a outra história da revista LivreMercado — a história da administração da empresa, já que a história editorial todos conhecem.


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