Caso Celso Daniel

STF começa a derrubar a casa do
MP que criminaliza Sérgio Gomes

DANIEL LIMA - 22/06/2012

Está caindo a casa da versão dos promotores criminais de Santo André que atuaram no caso Celso Daniel. O inocente Sérgio Gomes da Silva, primeiro-amigo do prefeito assassinado em janeiro de 2002, transformado em criminoso pelo MP, deverá ser devidamente alforriado pelo STF (Supremo Tribunal Federal). Demorou, demorou demais, mas o processo deverá ser decidido nas próximas semanas, depois de espera de quase cinco anos. Dois dos integrantes do STF manifestaram-se na sessão de ontem favoravelmente à defesa de Sérgio Gomes, o qual está em liberdade por força de liminar que lhe concedeu habeas corpus.
 
Quem apostou na criminalização e na condenação de um inocente pode se preparar para tirar o cavalinho da chuva. O recurso do advogado Roberto Podval finalmente está encontrando guarida na principal instância judicial do País. O Tribunal do Júri, em Itapecerica da Serra, onde parte dos verdadeiros autores do crime já foi julgado e condenado, provavelmente não terá Sérgio Gomes como foco de uma farsa conduzida pelo poder abusivo do Ministério Público em Santo André. O melhor amigo de Celso Daniel foi retirado da condição de vítima, investigado detidamente pela Polícia Civil e pela Polícia Federal, e se tornou mandante do crime, na versão do MP.
 
Sem entrar em detalhe quanto ao que explico neste texto, o portal Consultor Jurídico noticiou no final da noite de ontem que o STF fixará código de conduta para o MP investigar. O assunto tem tudo a ver com o recurso do escritório do advogado Roberto Podval, cujo texto e a análise publiquei na edição de agosto de 2007 da revista LivreMercado, a qual dirigi, e transposta a esta revista digital.
 
Afirma o portal Consultor Jurídico que o Supremo Tribunal Federal sinalizou que será estabelecido um código de conduta para que o Ministério Público possa conduzir investigações criminais. Informa o site que os ministros começaram a julgar dois processos em que a possibilidade de o MP comandar as investigações é questionada. A definição do tema foi suspensa, mas será retomada na próxima semana, na quarta ou quinta-feira. Um dos processos é o do caso Celso Daniel.
 
Ainda segundo o Consultor Jurídico, no julgamento desta quinta-feira dois ministros votaram no sentido de restringir as hipóteses de investigação penal pelo Ministério Público aos casos em que há membros do próprio MP investigados, autoridades ou agentes policiais e terceiros, desde que a Polícia seja notificada do crime e se omita. Para os ministros Cezar Peluso, relator de um dos casos, e Ricardo Levandowski, a Constituição Federação não conferiu ao MP a atribuição de fazer investigações penais.
 
Acusações ao MP
 
Ainda há mais informações do Consultor Jurídico sobre a sessão de ontem do STF, mas volto ao tempo, à matéria que escrevi para a edição de agosto de 2007 de LivreMercado, sob o título "STF pode arquivar ação contra Sérgio Gomes. Escrevi que o escritório do advogado Roberto Podval, contratado por Sérgio Gomes, apresentara ao STF uma defesa que procurava minimizar a prioridade de argumento de inconstitucionalidade de o Ministério Público proceder a investigações criminais. A peça fazia pesadíssimas acusações de abuso de autoridade aos promotores públicos de Santo André que denunciaram Sérgio Gomes da Silva como mandante do sequestro e assassinato de Celso Daniel.

Sérgio Gomes foi considerado inocente em três investigações policiais, duas da Polícia Civil de São Paulo e uma da Polícia Federal, todas acompanhadas pelos próprios promotores, como determina a Constituição Federal.
 
O advogado Roberto Podval apresentou como estratégia de defesa as investigações autônomas do Ministério Público de Santo André. A defesa de Sérgio Gomes acusou os promotores criminais de desobedecer instrumentos legais de investigação, inclusive determinações da própria Corregedoria Geral do Ministério Público. Atuaram no caso Celso Daniel os promotores Roberto Wider Filho, Amaro José Thomé Filho e José Reinaldo Guimarães Carneiro.
 
Voltando à sessão de ontem do STF, o ministro Cezar Peluso afirmou, sempre  segundo o Consultor Jurídico, que "a Constituição não conferiu ao Ministério Público a função de apuração preliminar de infrações penais, de modo que seria fraudá-las extrair a fórceps essa interpretação. Seria uma fraude escancarada à Constituição". O ministro Ricardo Lewandowski acompanhou Peluso.
 
Defesa prospera
 
Os parágrafos seguintes da matéria do Consultor Jurídico, que retratam a sessão do STF, são lufadas que oxigenam o ambiente que se criou extra-campo, ou seja, extra-crime, no caso Celso Daniel, quando se misturaram supostas propinas na Administração petista e o assassinato após sequestro.
 
Diz o Consultor Jurídico que as discussões durante a sessão revelam que outros ministros contestarão a tese dos colegas. Os ministros Celso de Melo, Gilmar Mendes e Ayres Brito, por exemplo, se mostraram favoráveis à tese de que o MP pode conduzir investigações penais, desde que se fixem regras claras de atuação. Os três e o ministro Joaquim Barbosa, em julgamentos da 2ª Turma do tribunal, já vinham admitindo a investigação do MP.
 
Ainda segundo o Consultor Jurídico, de acordo com o voto de Peluso, mesmo nas hipóteses restritas em que ele admite a investigação, é necessário que o procedimento obedeça às mesmas normas que regem o inquérito policial. Ou seja, o MP tem de publicar formalmente a abertura da investigação e garantir aos investigados o acesso às provas juntadas aos autos. Além disso, o procedimento tem de ser público e submetido ao controle judicial.
 
Nada disso ocorreu na apuração arbitrária do Ministério Público de Santo André, segundo a defesa de Sérgio Gomes. Escrevi em 2007: "Em memorial encaminhado aos 11 membros do Supremo Tribunal Federal na semana seguinte à suspensão do julgamento que deverá ser retomado neste mês, o escritório de Roberto Podval afirma que Sérgio Gomes teve instaurada contra si uma ação penal não só edificada sobre alicerces corroídos de uma investigação criminal levada a cabo por autoridade constitucionalmente incompetente, mas, principalmente, realizada às escuras, em total afronta aos princípios mais comezinhos do Direito Penal e Processual".
 
A peça-chave preparada pelo escritório de Roberto Podval foi outra, não a inconstitucionalidade de investigação criminal do Ministério Público como, equivocadamente, a Imprensa insiste em destacar: "Ao contrário do afirmado pelo ministro Sepúlveda Pertence, no julgamento do plenário do dia 11 de junho último, não estamos tão-somente visando, para usar suas palavras proferidas em plenário, a arguição abstrata de inconstitucionalidade de ato investigatório do Ministério Público. Apoiados em aspectos e fatos objetivos, demonstrados na impetração, evidenciamos ser  a investigação dos promotores intolerável, vez que realizada em desrespeito às regras processuais penais, sendo marcada por abusos e violações aos princípios mais basilares que norteiam a investigação criminal" -- afirma a defesa de Sérgio Gomes naquela matéria que produzi em 2007.
 
Imposição de regras
 
Ainda sobre a sessão de ontem do STF, afirma o Consultor Jurídico que o presidente do Supremo, ministro Ayres Brito, além de Celso de Mello, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa, em decisões da 2a Turma, concordam com a imposição de regras como as propostas por Peluso. Mas discordam em um ponto fundamental: para eles, a Constituição permite que o MP conduza investigações penais e esse poder não está restrito às hipóteses descritas por Peluso. Para Gilmar Mendes, por exemplo, o Ministério Público pode fazer investigações complementares e conduzir apurações de crimes contra a Administração Pública, por exemplo. Todos concordam, contudo, que é necessário fixar uma espécie de código de conduta para que não haja abusos.
 
Diante de tudo isso e do que ainda virá, o cronograma traçado para que se praticasse a barbaridade de levar a Tribunal do Júri uma vítima de sequestradores transformada em mandante do crime deverá sofrer completa reviravolta. É certo que a atuação do Ministério Público será arquivada pelo Supremo Tribunal Federal. Essa é a tendência que se projeta após a sessão de ontem. A politização de um crime comum não poderá mesmo prosperar além do esticamento indecoroso já perpetrado.
 
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