Política

Província tem peculiaridades que
subverteriam conceitos eleitorais

DANIEL LIMA - 12/07/2012

Até porque faltam estudos específicos e confiáveis, não tenho a menor segurança em afirmar que as eleições municipais na Província do Grande ABC são impermeáveis aos efeitos de contaminações externas; ou seja, que o ambiente eleitoral estadual e federal não se expanda por aqui. Na verdade, tenho séria desconfiança de que somos muito mais suscetíveis à interferência de fatores extra-regionais do que outras localidades.


 


Traduzindo: o que ocorre na política estadual e na política federal, principalmente quando da reta de chegada das disputas eleitorais municipais, seria proporcionalmente entronizado com repercussão superior na Província do que na maioria dos demais territórios nacionais.


 


O que vou escrever em seguida, para tentar sustentar essa impressão, é resultado de um mergulho em conhecimentos empíricos, de experiência vivida, de observações. Escrevo porque pintou uma vontade de escrever sobre o que considero um engano dos cientistas políticos que padronizam conceitos e os colocam no mesmo saco sem fundo de generalizações territoriais. Da mesma forma, aliás, que o fazem os economistas quando tratam de desindustrialização, por exemplo.


 


Eles, os economistas, e também os consultores, pegam o País como objeto de análise para esparramar sabedoria teórica. Esquecem as especificidades dos municípios e das regiões. Daí as distorções e os vazios que os oportunistas de sempre pegam como prova de que estavam corretos ao propagarem que não sofremos esvaziamento econômico. Mesmo que as estatísticas cansem de provar. Mesmo que o cotidiano a nos esfregar todas as sequelas sociais nos coloque de sobressalto.


 


Alvorecer diferente


 


O que quero dizer com isso é o seguinte: com as nuances que caracterizam culturalmente a Província do Grande ABC, é muito pouco provável que as regras de conhecimento que valem para tantas áreas geográficas aqui floresçam com o mesmo vigor. Vejam alguns pontos que nos diferenciam de outros municípios e regiões brasileiras e que, portanto, precisam ser instalados num determinado compartimento de avaliação, separadamente do senso comum que valeria como média para o território nacional. Há pelo menos quatro vetores que devem ser cuidadosamente observados, sob risco de analistas nacionais darem com os burros nágua e observadores locais serem induzidos a erros de interpretação:


 


a)   Ausência de TV aberta.


b)   Divisionismo territorial.


c)   Pulverização econômica.


d)   Clivagem ideológica.


 


 


1. A ausência de emissora de TV aberta, sujeitos que somos à dependência de redes nacionais, nos coloca de quatro em matéria de comunicação de massa. A subordinação informativa que nos assola é apenas amenizada pela diversidade de publicações impressas e digitais. A distância já foi muito maior, quando vivíamos única e exclusivamente da imprensa impressa. Querem um exemplo do quanto isso nos torna vítimas do que chamaria de proletariado informativo? O escândalo do Semasa teria outra dimensão e outras consequências se caísse na rede da TV aberta. Ou mesmo de um dos grandes jornais paulistanos. No primeiro caso, a repercussão seria extraordinária junto à população. No segundo, entre os formadores de opinião da metrópole em que estamos enfiados. O Complexo de Gata Borralheira que nos atinge e que, nesse caso, coloca em dúvida para muitos a veracidade de que o Semasa é a casa da mãe Joana, seria fulminado pelo menos quanto à questão abordada. No campo político-eleitoral, sempre haverá um vazio imenso a ser ocupado à cristalização dos candidatos por conta do blecaute televisivo. Com isso, o índice de contaminação pelo noticiário paulistano seguirá imenso. O horário eleitoral da TV aberta, todo centralizado nas eleições paulistanas, de alguma forma infiltra-se partidariamente na região. Um escândalo com determinada agremiação ou candidato terá algum rescaldo regional. Um nome, como o do candidato José Serra, já estava na programação de marketing do então pretenso candidato à Prefeitura de Santo André, Paulinho Serra. Longe de parentesco consanguíneo, o é político, do mesmo PSDB. Paulinho Serra pegaria uma carona nominativa certo de que parte do eleitorado o vincularia ao ex-governador.


 


2. O divisionismo territorial da Província do Grande ABC atinge de tal forma os municípios que sempre existirá um contingente  de eleitores que desconhecerão os candidatos aos quais poderiam destinar votos. Diferentemente, portanto, de outras áreas eminentemente municipalistas, ou seja, sem os tentáculos de conurbação, de mistura de divisas, como aqui. O noticiário sobre os concorrentes municipais da região parece tão confuso aos menos preparados às diferenças municipais e regionais que não são poucos os exemplos de eleitores em dúvida sobre em quem votar, entre outros motivos porque não sabem quem são os candidatos abrangidos pelo título eleitoral.


 


3. Há um universo cada vez maior de eleitores da região que passam quase todo o tempo útil, de trabalho, em Município no qual não está vinculado em termos de residência. Os números de Santo André provavelmente serão recordistas. Basta ver os principais corredores viários no começo da manhã e no final da tarde. Há congestionamentos que denotam o esvaziamento econômico do Município. Mais que qualquer outro. Essa gente simplesmente está perdendo o contato com a cidadania municipal. Desconhece a mecânica da vida associada, da vida comunitária, porque passa todo o tempo fora de seu território. Nos demais municípios da região essa constatação é semelhante. A diferença é que Santo André, principalmente Santo André, passou por esse processo de esvaziamento comunitário na medida em que se desindustrializou barbaramente, sob os olhos de supostas lideranças de diversas instituições que deveriam reagir e não o fizeram. Uma região que sofre tamanha debacle econômica paga um preço muito alto à manutenção de uma institucionalidade corajosa, critica, vocacionada a cobranças. A Província do Grande ABC não está morta como sociedade por obra do improviso. A explicação está na economia. Aliás, tudo geralmente se explica pelas ramificações sociais da Economia.


 


4. A clivagem ideológica que coloca o PT e os partidos de centro-esquerda de um lado e o PSDB e os partidos de centro-direita de outro é tão forte e aparentemente indestrutível quanto aquelas tatuagens que vi no corpo daquele corintiano fundamentalista tratado como objeto de curiosidade pela mídia durante as memoráveis finais da Taça Libertadores. Mais que qualquer outro endereço nacional, a Província do Grande ABC coloca sim em lados opostos os petistas e os demais. Os ingênuos vão tentar afirmar o contrário, mas a vida econômica da região foi tangida pelas disputas acirradas de empreendedores e sindicalistas num período no qual o País passava por um regime militar lascado. Há um passado a ser sempre lembrado pelos mais experientes e assimilado pelos mais jovens, porque excessos foram cometidos e atingiram em cheio principalmente as classes menos diretamente relacionadas com chãos de fábricas. Por mais que o PT tenha sido pragmático desde a primeira eleição de Lula da Silva, quando começou a aproximação com setores ditos conservadores, as marcas de ideais supostamente socialistas em oposição a concepções  capitalistas são indissociáveis.  É verdade que as duas gestões de Lula da Silva em Brasília amenizaram o quadro, que já foi muito mais antagônico, mas daí a acreditar que petistas e tucanos, e seus respectivos séquitos ideológicos, são irmãos siameses ou mesmo adotivos, vai imensa diferença. Grande parcela da população de São Caetano não é antipetista por acaso. Tampouco os demais municípios de classes sociais mais consolidadas são avessos ao partido de Lula porque se dá um fenômeno de ordem divina. É política, derivativo de economia. E estamos conversados.


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