Faço parte do bando de loucos. Do bando de loucos por pesquisas eleitorais. E, com licença, também do outro bando de loucos. Por isso, não resisto a escrever para a primeira turma, porque a segunda não está a precisar de aconselhamentos, solidariedade ou o que seja depois da libertação continental.
A temporada de pesquisas eleitorais vai começar domingo agora com o Diário do Grande ABC. Outros veículos da região devem se posicionar para aumentar a bateria de números e interpretações. Sinal de que todo o cuidado é pouco. Cuidado no sentido de que os números precisam ser meticulosamente observados. Mas, muito mais que os números, olho vivo no que dizem os ensaístas dos números.
Se querem saber minha opinião sobre pesquisas eleitorais, digo de pronto: não resistiria a ficar sem seus resultados, porque minha curiosidade é muito maior que a desconfiança. Mas sempre fico com um pé atrás, porque nem todo instituto de pesquisa é idôneo, e os que parecem nem sempre o são. Há manipulações que passam despercebidas aos olhos dos leigos ou dos ingênuos. O melhor antídoto contra trabalhos encomendados são mais trabalhos encomendados, porque tanto podem se anular quanto se complementar nas imperfeições e desvios, o que abre veredas à verdade.
O que mais me chama a atenção nas pesquisas eleitorais são os malabarismos semânticos utilizados pelos jornais, principalmente pelos jornais, para proteger os candidatos aos quais estão de alguma forma vinculados por razões nem sempre explícitas, ou melhor, quase sempre não explícitas.
Margem de manipulações
Pelo menos um grande cuidado especial deve ser observado quando os olhos dão de cara com as pesquisas eleitorais: a margem de erro é um indicativo de que se pretende ou não manter uma elasticidade interpretativa protetora a eventuais furos.
Geralmente os institutos mais condescendentes definem quatro pontos percentuais para cima ou para baixo de espaço de manobras. É um exagero tão inescrupuloso que só pode mesmo dar campo a outro tipo de margem, a margem da marginalidade do próprio trabalho. Quanto maior a margem de erro, portanto, mais desconfiem, porque a banda larga é um convite a contra-argumentos de apoios disfarçados. A banda larga é um jeitinho de, seja qual for o resultado final, sustentar-se o discurso de eficiência pesquisadora.
Sabem os leitores o que significam quatro pontos percentuais? Significam que um candidato que esteja quatro pontos à frente de outro tanto pode estar oito pontos na dianteira quanto em empate técnico. Entenderam?
Pois é isso mesmo. O céu e o inferno convivem nos numerais. Quem escrever, com base nessa margem de erro, que o candidato à frente na pesquisa está bem adiante do segundo colocado é tão precipitado quanto aquele que escrever que há empate técnico. Nas últimas disputas eleitorais na Província do Grande ABC, em 2008, tivemos casos de manchetes direcionadíssimas a aproximar candidatos distantes entre si por causa do critério da margem de erro. Com tanta margem de erro o melhor mesmo é dispensar a pesquisa.
Uma Gabriela por inteiro
Já escrevi alguns artigos sobre pesquisas eleitorais. E também sobre resultados de pesquisas eleitorais. Conheço o gado da classe política e sei quanto de estrago ou de entusiasmo as pesquisas eleitorais carregam. Piores ou melhores que os resultados em si são as interpretações. Uma manchete cirurgicamente deformadora da essência dos resultados vale muito mais que os próprios números, porque há leitores preguiçosos que se limitam a passar os olhos sobre o que acham o básico -- as manchetes, as sub-manchetes, as primeiras linhas.
Pesquisas eleitorais devem ser observadas com a mesma atenção que se espera de um jurado que acompanha um concurso de beleza feminina. O olhar deve ser abrangente. Esqueça a especificidade do traseiro arredondado e salientíssimo da Gabriela de Valcyr Carrasco, porque o traseiro arredondado e salientíssimo da Gabriela é apenas a manchete do jornal, seguida, no máximo, pela sub-manchete, pela chamada linha fina. Bom jurado acompanha todas as curvas, os aclives e os declives, o côncavo e o convexo, os cabelos, os dedinhos do pé, entre outras minúcias.
Pesquisas eleitorais não podem ser obra de amadores na leitura, porque são especialidade de quem quer mais que retratar o ambiente eleitoral -- quer também, de alguma forma, confirmar alguns pressupostos que remeteriam à definição de vencedores e perdedores.
Por isso e por outras razões quero uma imensidão de pesquisas eleitorais na Província do Grande ABC nos próximos tempos. Prometo que vou devassá-las aqui. Quero me embrenhar nos seus cabelos, nos pares de pernas, nos ombros e na vizinhança física toda. É assim que deve ser consumido esse produto cuja importância vai além do que supõem os ingênuos, embora também aquém do que defendem os marqueteiros que vendem o peixe como poucos. Contam para tanto com a empáfia de candidatos que pensam que entendem do riscado. Sem contar os assessores, muitos dos quais qualificados mas que não raciocinam sem o peso da cristalização de conceitos triunfalistas, voltados aos próprios interesses.
Já que o estupro das pesquisas eleitorais é inevitável, que venha em forma de suruba, ou seja, de múltiplas fontes. Um ótimo exercício ao poder de imaginação e de conclusões dos leitores mais interessados.
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19/11/2024 PESQUISAS ELEITORAIS ALÉM DOS NÚMEROS (24)