Não sei por que cargas dágua o Diário do Grande ABC omitiu uma informação importante na edição de ontem, domingo, quando publicou burocraticamente a primeira pesquisa de intenção de votos nas sete cidades da Província do Grande ABC. Saiu o Ibope, contratado às eleições de 2008, e entrou, segundo descoberta no Tribunal Superior Eleitoral, o Data Popular. Se não foi o Data Popular, foi a analista Lígia Paes Gonçalves, do Data Popular.
Por que haveria o Diário do Grande ABC de omitir a identidade da estatística contratada, bem como a empresa à qual estaria vinculada? Por que não detalhar a metodologia utilizada? Por que tantas outras coisas se no espaço reservado à opinião, no caso o espaço do Editorial, o jornal avoca-se voz da região (no que concordo integralmente, haja vista o provincianismo de suas linhas) e brada por responsabilidade social?
Não vou entrar em detalhes sobre os resultados eleitorais da primeira pesquisa. Deixarei o assunto para a edição desta terça-feira. Pesam nessa decisão algumas considerações que precisam ser feitas para que o conjunto da obra não pareça algo como os alicerces no nono andar e a cobertura no subsolo. Ainda não perdi o juízo de saber aonde colocar determinadas coisas.
O que me chamou a atenção na cobertura do Diário do Grande ABC foi a fragilidade informativa, além de incoerências. Fragilidade informativa que transmite a sensação de que o jornal estaria com o rabo preso com várias candidaturas. Possivelmente não esteja, mas pareceu. Os textos são de simplismo aviltante. A contextualização é rasante. Esforcei-me para tentar penetrar em algumas veredas que os dados poderiam sugerir, mas senti certo temor de ir além da penúria da materialidade fática exposta.
Margens de manobras
Mas antes de dar alguns exemplos, insisto na ausência de informações sobre a empresa contratada pelo Diário do Grande ABC. Por que omitir a marca do Data Popular? Os motivos da substituição do Ibope devem ser financeiros, apenas financeiros, o que respeito muito porque não se pode mesmo ir além dos sapatos. Até porque, mesmo com o Ibope, nas eleições de 2008 (e disso trataremos num outro dia) não faltou malabarismo semântico e interpretativo para torturar os resultados que saltaram das pesquisas. Especialmente para favorecer a candidatura de segundo turno de Aidan Ravin. O médico não ganhou por acaso, como muitos imaginam.
Como leitor, assinante, ex-colaborador e voraz devorador de pesquisa eleitoral, senti-me frustrado com a edição de ontem do Diário do Grande ABC. Nem de longe se compara à de quatro anos antes. E muito menos de oito anos antes, quando ali estive como diretor de Redação e peguei o bonde andando com o Instituto Brasmarket contratado para inventariar os desejos do eleitorado regional.
Pelo menos num ponto a estatística contratada pelo Diário do Grande ABC e que supostamente está a serviço do Data Popular apresentou uma vantagem sobre o Ibope de quatro anos atrás: a margem de erro é de apenas três pontos percentuais, não de seis pontos percentuais. Está certo que no frigir dos ovos de interesses nem sempre éticos (e isso vale para todos os veículos de comunicação) margem de erro de dois, três, quatro, cinco ou seis pontos não faz lá grande diferença quando se pretende dar um nó nos leitores.
O que decide subliminarmente ou escancaradamente a numerologia de pesquisas eleitorais são as interpretações. Não faltam torturadores numéricos (como vamos mostrar nos próximos dias, quando voltarmos no tempo). De qualquer maneira, três pontos são menos que seis pontos. A elasticidade é menos ofensiva e deve, salvo eventual subestimar da criatividade alheia, refrear ambições inconfessáveis.
O que significa elasticidade menos ofensiva? Margem de três pontos percentuais significa uma banda já bastante larga a interpretações e a possíveis comemorações de supostos acertos de resultados de pesquisas. Quem tem 30% está tecnicamente empatado com quem tem apenas 24%. É isso mesmo, porque a contabilidade de margem de erro é mágica: tiram-se três pontos percentuais de quem está à frente (de 30% cai para 27%) e aumentam-se três pontos de quem vem logo abaixo (de 24% para 27%). Coisa de malucos. Ou de malandros juramentados.
O dialeto da margem de erro também comporta elasticidade contrária ao exemplo acima: quem tem 30% dos votos pode esticar para 33% e quem tem 24% pode encolher para 21%. No final, uma diferença de 12 pontos percentuais nas urnas eleitorais será tratada como acerto do instituto. Viram como é fácil apanhar esse frango manquitola no cercadinho do faz-de-conta?
No fundo, no fundo, tudo isso não passa de traquinagem que, quando da apuração dos votos reais, dão a salvaguarda estatística de que o instituto de pesquisa acerta os resultados. Uma maravilha de mandraquismo que a mídia, de maneira geral, avaliza com omissão desavergonhada.
Várias imperfeições
Mesmo com a aridez informativa e interpretativa da pesquisa encomendada pelo Diário do Grande ABC, constatei imperfeições que mancham os resultados e as interpretações decorrentes. Primeiro, a margem de erro é utilizada apenas no processo de interpretação do placar de votos da pesquisa, e mesmo assim longe das nuances de multiplicidade de possibilidades. Segundo, o critério de "regular" na avaliação do mandato de cada prefeito é impreciso, porque não agrega valor tanto à aprovação quanto à reprovação.
Explicando o primeiro ponto, dou um exemplo claro: há situações em que o índice de rejeição coloca alguns candidatos, pelo critério de margem de erro, em situação de empate técnico, mas o Diário do Grande ABC desconsiderou a postura que adotou nos votos válidos, estabelecendo uma hierarquia sem oferecer o contraponto. Trata-se, portanto, de uma margem de erro marota.
Quanto ao segundo ponto, quando o eleitor responde que considera a atuação de determinado prefeito "regular" e, na sequência, qualifica o conceito no interior das possibilidades do questionário, ou seja, positiva, negativa ou indiferente, o que se esperava é que essas avaliações ganhassem corpo em forma de "regular positivo" e de "regular negativo", incorporando ou fragilizando a definição de "aprovação" ou "reprovação" do mandato. Daí a constatação de que os índices de aprovação e reprovação não condizem com a realidade do trabalho dos pesquisadores, pois o Diário ignorou essas nuances. Não é a primeira vez que o fez, nem será a última.
O Data Popular ou quem quer que seja que tenha sido contratado através da profissional de estatística que consta do Tribunal Superior Eleitoral deveria seguir os passos do DataFolha, que captura o desempenho de Executivos por meio de notas de
Também tem um terceiro ponto: o índice de rejeição dos candidatos não conta com dispositivo senão de filtragem, mas de qualificação, de relativização, dos concorrentes. Explico: é muito pouco provável que o eleitor dispense o mesmo grau de rejeição a todos os candidatos que aponta cumulativamente, como está na pesquisa do Diário do Grande ABC. Isso quer dizer que há determinado concorrente mais rejeitado que outro. Quando se colocam todos os rejeitados no mesmo compartimento, homogeniza-se artificialmente a relação do eleitor com os candidatos.
Nesse caso, uma pergunta simples daria fim ou reduziria essa possibilidade de equívoco. Bastaria o entrevistador solicitar ao entrevistado que indicasse, entre os concorrentes, a quem não destinaria seu voto de jeito nenhum. São tantas as distorções explicitadas na pesquisa do Diário no campo da rejeição (e vamos mostrar isso nos próximos textos) que chama a atenção o silêncio dos envolvidos. Ou alguém acredita que o nível qualitativo de rejeição a Aidan Ravin
Quantas entrevistas?
Estava me esquecendo: há um outro ponto na pesquisa do Diário do Grande ABC que me deixou encafifado: teriam sido efetivadas 1.070 entrevistas em cada um dos sete municípios da Província do Grande ABC ou esse total se refere ao conjunto dos municípios da Província do Grande ABC? Se as 1.070 se referiram a cada Município, teremos situações extraordinariamente insensatas, porque os pouco mais de 25 mil eleitores de Rio Grande da Serra teriam tido o mesmo peso numérico (e relativamente muito mais quantitativo) do que os mais de 500 mil eleitores de São Bernardo, por exemplo. Ou teríamos, então, apenas 1.070 entrevistas para todo o eleitorado regional, o que tornariam os resultados insuficientemente robustos em cientificidade para sustentar margem de erro de três pontos percentuais.
Embora um ou outro leitor possa dizer que esteja este jornalista pegando no pé do Diário do Grande ABC, o que faço na verdade é algo como uma ação de ombudsman, função que exerci naquela publicação antes de assumir a direção de Redação em julho de 2004 e na qual permaneci apenas nove meses. Uma brevidade que reforça minha credibilidade profissional, porque o Planejamento Estratégico Editorial que ali deixei, e cuja cópia está disponível nesta revista digital, atacou de forma serena todas as mazelas históricas da publicação. Não sou engenheiro de obras prontas nem um ranzinza inveterado. Está tudo ali, gente!
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