Decidi mudar de rota: embora prometida para hoje, não vou interpretar os números da pesquisa do Diário do Grande ABC sobre a corrida eleitoral na Província do Grande ABC, publicados na edição de domingo. Já escrevi o suficiente sobre aquelas barbeiragens e, por isso mesmo, não seria coerente avaliar o rendimento numérico de cada um dos candidatos aos respectivos paços municipais. Se há deformações de origem, como poderia entrar numa fria de caminhar sobre brasas ou à beira de precipício?
Fundamentalmente, o Diário do Grande ABC desrespeitou todos os leitores quando apresentou o que supostamente é um trabalho jornalístico com os dados de uma pesquisa produzida por uma equipe independente de qualquer instituto especializado e com falhas metodológicas que consagram realejos da sorte, com periquitos que ainda vemos por aí, de vez em quando, bicos afiados, puxando mensagens que resumem o futuro que nos espera.
Sim, estou dizendo que a pesquisa do Diário do Grande ABC é tão segura à interpretação quanto a certeza de que o periquito em questão destravou a nossa vida e basta seguir o enunciado previamente preparado e aleatoriamente conectado a nossos desejos que tudo estaria resolvido.
Não, não e não, mil vezes não, não posso levar a sério os dados de Santo André, por exemplo. Não que duvide que o prefeito Aidan Ravin esteja na liderança, que Carlos Grana é o segundo e que Raimundo Salles é o terceiro. Isso tudo qualquer jovem estudante interessado em política sabe que é o mais provável, por enquanto.
Entretanto, outros dados expostos pela pesquisa, como a rejeição de 53% dos eleitores a Aidan Ravin, colocam em dúvida o próprio saldo de intenções de voto do prefeito, já que, francamente, com aquela montanha de restrições, é impossível que o titular do Paço Municipal consiga a proeza de estar
Composto orgânico temperado
Procuro uma metáfora para tentar tornar mais didática o que chamaria de incompatibilidade entre a liderança de Aidan Ravin na pesquisa de voto estimulado e o índice de rejeição, também fruto de estímulo do pesquisador. Conciliar as duas questões nos níveis apresentados é um desafio insuperável. Imagine o leitor a possibilidade de preparar um cafezinho e, desastradamente, introduzir sequencialmente e em porções excessivas, sal e açúcar no líquido.
Quem acredita que é possível, depois dessa bobagem, tornar o sabor satisfatório, precisa de uma assessoria em paladar, porque no almoço poderá comer algo propositadamente temperado mas cujos insumos produzidos organicamente têm por natureza um destino diferente, encanamento adentro.
Para encurtar a história e até que a estatística contratada pelo Diário do Grande ABC (e que, conforme outro texto que preparei, não tem qualquer ligação com o Data Popular, embora o tivesse num passado recente) me recusarei a desvendar os segredos numéricos da pesquisa de intenção de votos. De vez em quando sou tomado pelo espírito de Indiana Jones, mas reconheço que nesse caso, depois de todos os buracos conceituais que apontei em textos anteriores, não teria o direito de me impor tamanha burrice, ou seja, de correr em direção ao precipício.
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19/11/2024 PESQUISAS ELEITORAIS ALÉM DOS NÚMEROS (24)