Política

Marilyn fora do primeiro debate em
Santo André, mas valeu a disputa

DANIEL LIMA - 08/08/2012

O espírito de Marilyn Monroe não apareceu no primeiro debate entre os candidatos à Prefeitura de Santo André. Nem “Quanto Mais Quente Melhor” nem “O Pecado Mora ao Lado” podem ser adicionados ao conteúdo do evento promovido pela Rádio ABC e o jornal Bom Dia ABCD na Fundação Santo André. Faltou agressividade aos seis candidatos, as incursões não foram incisivas como poderiam, mas o resultado final foi bom porque não se feriu nem levemente a civilidade e tampouco a responsabilidade submergiu à espetacularização. Um bom começo de temporada eleitoral que tem tudo a melhorar. Inclusive com aquecimento responsável das armas do conhecimento técnico e de articulação verbal.


 


Quem ganhou o debate é uma pergunta que não comporta resposta, porque a resposta seria subjetiva demais. Houve oscilações entre os concorrentes, com pontos positivos e negativos durante quase duas horas do encontro dividido em cinco blocos. No final, os três candidatos que lideram as primeiras pesquisas, mais experientes em lidar com o público, acabaram com saldo positivo superior, casos de Aidan Ravin (PTB), Carlos Grana (PT) e Raimundo Salles (PDT). Os outros três, justamente os iniciantes nas artes da política, tiveram atuações discretas, casos de Nilson Bonome (PMDB), Alexandre Flaquer (PRTB) e Marcelo Reina (Psol). Os jornalistas Anderson Afonso e Joaquim Alessi comandaram a mesa de debates sem contratempos. Os candidatos se respeitaram o tempo todo. Mesmo as provocações de Marcelo Reina, a evocar a virgindade ética do Psol em relação às demais agremiações, não foi um recibo assinado por qualquer dos concorrentes. Preferiu-se interpretar as fraseologias como espécie de hilariante museu ideológico que, mostra a história política, desintegra-se na medida em que a agremiação vier a utilizar métodos que a tornem eleitoralmente competitiva. O Psol não passa do PT de ontem.


 


Reflexão à definição


 


A interpretação do valor do debate em Santo André ganha maior potencialidade depois de uma ou duas horas pós-evento, quando uma análise cuidadosa das declarações dos candidatos é colocada em xeque. É aí que a nota supostamente nada além de cinco, numa escala de zero a 10, ganha inflexão. Houve estocadas entre concorrentes ao Paço Municipal que fizeram alguns estragos nem sempre mensuráveis. Possivelmente os concorrentes terão maior dimensão sobre os entrechoques de ideias quando recorrerem à gravação. Aí é possível diagnosticar que estarão mais prontos a revides num segundo encontro. Afinal, eles apenas começaram a se conhecer e, como equipes que se enfrentam depois de confrontos exclusivos em manchetes de jornais, vão se preparar melhor para atacar os pontos frágeis do adversário.


 


Talvez por conta do ambiente amistoso até demais que cercou o debate tenha havido dificuldade de interpretação mais valiosa de determinadas críticas. Se o tom ganhasse alguns decibéis a mais e fosse mais enfático, possivelmente as réplicas e tréplicas teriam sido menos dóceis. É de se esperar que uma segunda rodada, portanto, seja mais emocionante para quem tinha a expectativa de que o encontro alcançaria alguma relação com as lutas-livres, com a diferença de que em vez de argumento da força a disputa reuniria mais força de argumentos.


 


Ataques e contra-ataques


 


Não faltaram estilingadas entre Raimundo Salles, Aidan Ravin e Carlos Grana. O advogado pedetista mirou com precisão um alvo que integra o macromote da campanha rumo ao Paço Municipal. Salles, apoiado por Geraldo Alckmin, avocou ao governador do Estado a sensibilidade administrativa das principais obras de Aidan Ravin, casos do Poupatempo da Saúde e de novas habitações, entre outras. Não deixou de atribuir ao prefeito o ônus de o Poupatempo de Serviços não ter passado do papel, encalacrado burocraticamente numa área supostamente contaminada no Centro da cidade e anteriormente ocupada pela Rhodia Química. Salles prometeu abrir mão do espaço e levar a melhoria ao terminal de Vila Luzita. Aidan Ravin não se deixou encapsular pela ofensiva de Salles. Disse como resposta que não há favor algum do governo do Estado ao aplicar recursos orçamentários em Santo André. Seria contrapartida natural à arrecadação de impostos.


 


Carlos Grana também foi ao ataque, sempre com fair-play. Em resposta a Raimundo Salles em bloco anterior, quando o pedetista criticou o orçamento participativo petista como ferramenta de desvalorização da Câmara de Vereadores na interlocução com a sociedade, e que a autoridade máxima do Município precisa conhecer a fundo todos os bairros para tomar decisões, Grana preferiu dizer que restaurará o modelo lançado por Celso Daniel.


 


A mensagem quase cifrada de Grana para Salles foi clara apenas para quem conhece um pouco mais os bastidores da política: o PT não vai abrir mão do discurso do coletivismo administrativo e sugeriu que Raimundo Salles teria um projeto que contemplaria menos interlocutores, quanto não seria autocrático. Grana não chegou a utilizar termos mais fortes comuns em outros tempos do PT.  É claro que Carlos Grana recorreu à biografia socializante de Celso Daniel como exemplo de gestão pública voltada para a população.


 


Raimundo Salles e Carlos Grana ergueram as armas de enfrentamento antes do confronto sobre a descentralização da apuração de demandas da sociedade, caso do orçamento participativo, e do contraponto da centralização da demanda com base no espraiamento de atendimento nos respectivos bairros. Grana ficou sem resposta, porque a resposta implicaria crítica ao PT de Santo André ante a exposição de Raimundo Salles em defesa do bilhete único no setor de transportes. Salles reiterou a primazia da iniciativa em Santo André e lamentou que Carlos Grana, como deputado estadual, só tenha chegado depois. Grana contrapôs exemplos de municípios dirigidos pelo PT e outras agremiações que implantaram a medida, casos de São Bernardo de Luiz Marinho e Diadema de Mário Reali, além da Capital de Gilberto Kassab, entre outros. Mas não se manifestou sobre a omissão petista em Santo André. Salles lembrou que foram 12 anos seguidos de gestão do PT. 


 


Final em mata-mata


 


Transportado para o campo esportivo, o debate na Fundação Santo André não teve nenhum lance que levasse o público ao delírio, embora uma atenta observação do conteúdo pudesse ter conduzido a isso, casos dos embates intervalados entre Aidan Ravin, Raimundo Salles e Carlos Grana. De fato, eles executaram jogadas de grande talento, mas não as convertem em gols explícitos porque não lhes deram ênfase. Pareciam receosos de contra-ataques. Os gols que fizeram e distribuíram com equilíbrio entre eles mesmos foram comemorados com discrição. Transmitiu-se a sensação de que a disputa se dará como analogia de uma final em sistema de mata-mata. O embate desta quarta-feira teria sido apenas o primeiro tempo do primeiro jogo. Faltariam três tempos, ainda.


 


A platéia se manifestou mais ruidosamente mesmo quando das intervenções do concorrente do Psol, Marcelo Reina. Talvez porque o público entendesse que, justamente numa quadra da política nacional em que a CPI do Cachoeira e o julgamento do Mensalão estão na ordem do dia, defender bandeiras de ética e moralidade na política passa a sensação senão de oportunismo, porque o Psol ainda não se meteu em encrencas semelhantes, no mínimo em ingenuidade. Não é por outra razão que o partidário de Heloisa Helena é um forte concorrente a receber votação de vereador. 


 


Por isso tudo é que o mais importante do debate não seria o detalhamento minucioso das manifestações dos concorrentes. Basta uma lida diária no noticiário dos jornais impressos e digitais para saber o que cada candidato pretende em áreas vitais do desenvolvimento social. O que pode estabelecer o diferencial entre eles, principalmente entre os favoritos, é o equilíbrio discursivo combinado com conteúdo que não se deixe levar pelo oportunismo de criar propostas que não se conciliem com os orçamentos praticamente engessados. Nesse ponto, os seis concorrentes de Santo André merecem elogios. Eles não caíram no facilitarismo do discurso condenado a morrer na praia da escassez de dinheiro para investimentos.


 


Que faltou o espírito de Marilyn Monroe, isso faltou. Mas não será por causa da ausência de novas oportunidades que os espectadores ficarão na saudade. Os próximos encontros deverão convergir a temperaturas escaldantes.


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