Administração Pública

Capitalismo dá mais
tempero ao socialismo

ANDRE MARCEL DE LIMA - 05/03/2002

Quem pensar em Diadema como território operário e politizado, pouco afeito à compreensão da importância empresarial e das nuances da economia de mercado, precisa reavaliar a posição. Diadema continua merecendo a distinção de Município mais socialista do País, conferida por histórica Reportagem de Capa de LIVRE MERCADO publicada sob o titulo Nossa República Socialista, em abril de 1999. A diferença em relação à situação retratada há três anos é que o poder público já não enxerga a cidade exclusivamente sob o prisma social. Há fortes indícios de que o desenvolvimento econômico sustentado, que passa necessariamente pelo reconhecimento, valorização e apoio à livre iniciativa, ingressou definitivamente na agenda dos administradores públicos locais. A temática nunca foi tão discutida e praticada na cidade construída por cinco ciclos consecutivos de governos esquerdistas, a partir de 1983.

“O poder público e as empresas nunca estiveram tão envolvidos como agora. A Prefeitura vem demonstrando forte intenção de se aproximar de empresários, especialmente desde o final do ano passado” — relata Ignácio Martinez Conde Barrasa, diretor-titular do Ciesp (Centro das Indústrias do Estado de São Paulo) de Diadema.

Mais surpreendente do que a preocupação com o desenvolvimento econômico sustentado por parte do Município mais vermelho do País é a constatação de que a tarefa aparentemente contraditória cabe a um ex-sindicalista, que durante muitos anos esteve envolvido de corpo e alma com o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC: o torneiro-ferramenteiro Joel Fonseca Costa, secretário de Desenvolvimento Econômico e Turismo desde outubro de 2001. Joel não apenas engrossou fileiras de sindicalistas em reivindicações por melhores salários e condições de trabalho durante a década de 80, como foi coordenador e secretário do Sindicado dos Metalúrgicos do ABC em anos mais recentes.

O fato de um sindicalista de carteirinha ocupar cargo de secretário de Desenvolvimento Econômico pode parecer paradoxo inaceitável para quem se acostumou a enxergar o mundo como irremediavelmente segregado entre direita e esquerda, capital e trabalho, burguesia e proletariado. Mas as forças que aproximaram Joel Fonseca da Secretaria de Desenvolvimento Econômico foram as mesmas que impulsionaram os trabalhistas ingleses ao comando da Inglaterra após anos de Tatcherismo, entre outros eventos internacionais semelhantes marcados pela convergência de socialistas e capitalistas no contexto da Terceira Via (filosofia econômica que transcende as definições clássicas de direita e esquerda e prega o capitalismo socializado por meio de atuação integrada entre Estado, iniciativa privada e sociedade).

O otimismo do diretor-titular do Ciesp, Ignácio Martinez, em relação às perspectivas de integração entre Poder Público e empresas está baseado em fato concreto: a montagem de um cronograma de reuniões entre diretores do Centro das Indústrias e equipe da Secretaria de Desenvolvimento Econômico para discutir problemas e oportunidades relacionadas ao parque produtivo. As reuniões mensais serão realizadas na sede do Ciesp e a primeira está marcada para a primeira semana de abril. “É a primeira vez na história de Diadema que o Poder Público estabelece cronograma para interlocução sistemática com a principal entidade representativa das indústrias” — saúda Ignácio Martinez, que além do Ciesp é diretor da Autometal, indústria de autopeças instalada no Município desde 1964 e que emprega 780 funcionários.

A constatação de que Diadema despertou para o universo econômico-empresarial depois de muitos anos de dedicação praticamente exclusiva a demandas sociais é evidenciada também por outros trabalhos de Joel Fonseca à frente da Secretaria de Desenvolvimento Econômico. Numa demonstração de que o histórico distanciamento entre Poder Público e agentes produtivos ficou para trás, Joel tem-se dedicado a ir até as empresas para conhecer de perto as necessidades. Mais de 30 foram visitadas nos últimos meses, entre as quais Lipson Cosméticos, Tecelagem Anchieta, Metalúrgica Ática, Prensas Schuler, Valeo Sistemas de Segurança, Davene Cosméticos, Dana/Nakata, Dekavinil Tintas, Inylbra Tapetes e Veludos, SMS Equipamentos de Informática, Arlen Auto-Falante, Trorion Colchões, Papaiz Cadeados e Radial Transportes, além de organizações comerciais como Supermercado Barateiro.

Desacostumados com esse tipo de tratamento, empresários estranham os telefonemas para marcar visitas. “Muitos se mostram surpresos. No Brasil é comum ouvir que o governo sempre atrapalha, mas em Diadema queremos mostrar que o governo municipal ajuda” — promete Joel Fonseca, que em várias visitas tem a companhia do prefeito petista José de Filippi Júnior. A Secretaria de Desenvolvimento Econômico criou até divisão especializada em agilizar demandas mais comuns. É o Serviço de Apoio e Orientação aos Empresários, que encaminha liberação de alvarás e fornece informações sobre lei de uso do solo, entre outras.

Os resultados das visitas são tão variados quanto a diversidade de obstáculos empresariais que podem ser superados com apoio do setor público. Na fabricante de máquinas Krones, por exemplo, Joel Fonseca resolveu um drama sanitário: moradores da comunidade próxima depositavam o lixo doméstico na calçada da empresa, comprometendo a circulação e a higiene. Acionada pelo secretário municipal, a Prefeitura providenciou uma caçamba. Com isso, a empresa beneficiada transformou o calçamento em jardim. “Parece problema simples, mas eles estavam pensando até em mudar a entrada da fábrica porque viviam tendo complicações, especialmente quando recebiam visitas de clientes e fornecedores” — explica Joel Fonseca.

O secretário também puxa da memória o caso de uma fabricante de equipamentos para informática que teve a tranquilidade restabelecida após se transformar em alvo preferencial de assaltantes. “Bastava um veículo da empresa sair carregado de produtos para os bandidos agirem. Os problemas foram resolvidos depois que pedimos para a Polícia Militar prestar um pouco mais de atenção naquela área crítica” — expõe o secretário.

Sem retranca – Não é por acaso que Diadema abandonou a retranca econômica para jogar no campo de ataque do desenvolvimento econômico sustentado. Nesses tempos de desvantagens competitivas das regiões metropolitanas, guerra fiscal entre municípios e competitividade exacerbada por conta da globalização, empresas se transformaram em espécie de clientes dos municípios. Empresas mal atendidas ou negligenciadas tendem a procurar outras regiões da mesma forma que clientes insatisfeitos buscam novas opções de consumo.

O próprio secretário de Diadema reconhece essa dura realidade ao explicar que uma das vantagens do trabalho prospectivo de visitação é antecipar e resolver eventuais insatisfações que poderiam culminar com a transferência de negócios para outros endereços. “Ao conhecer as dificuldades na origem, podemos negociar condições que garantam a permanência na cidade. Quando as informações nos chegam por meio da Imprensa é diferente, pois já não há muito o que fazer” — explica.

A visita de Joel Fonseca à Seal Technology exemplifica a urgência de quem não quer ver empregos e receitas escorrerem por entre os dedos do isolacionismo ou da falta de diálogo. “O pessoal da Secretaria de Desenvolvimento esteve aqui porque ficou preocupado ao saber que a empresa está sendo cortejada por outros municípios” — conta Marilsa Frimaio, que dirige a maior fabricante brasileira de produtos de vedação para esquadrias envidraçadas de alumínio com o marido Gilmar e três filhos. “Foi a primeira vez que recebemos um executivo público em quatro anos de atividades na cidade” — ressalta.

Marilsa Frimaio revela que já recebeu propostas das prefeituras de Cedral, na região de São José do Rio Preto, Boracéia, na região de Baurú, e até de municípios de outros Estados, como a catarinense Florianópolis e Vila Velha, no Espírito Santo. A empresa teria vantagens como terreno gratuito e isenção de impostos municipais como IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano). “A Prefeitura de Boracéia nos oferece até um galpão pronto e a de Cedral acenou com moradia para os funcionários que se mudassem com a empresa” — detalha a empreendedora. A Seal emprega 20 funcionários e tem produção superior a 60 toneladas por mês, 25% dos quais exportados para países sul-americanos.

Marilsa Frimaio conta que as propostas são tentadoras na medida em que possibilitam realizar a custo zero o sonho de instalar a Seal em sede própria. “Aqui pagamos aluguel muito alto de R$ 8 mil por mês por um galpão de 1,5 mil metros quadrados” — reclama a empresária, que também aponta desvantagens relacionadas a despesas com impostos e criminalidade. “Aqui tudo é mais caro e já tivemos dois veículos roubados” — comenta. A decisão de sair ou ficar em Diadema depende de nova reunião com o secretário de Desenvolvimento Econômico. “Ele ficou de voltar para negociar melhores condições de permanência” — conta a empreendedora.

Empresas bem-vindas – O secretário Joel Fonseca também não mede esforços para atrair novos investimentos. Sondado por empresários chineses do setor de embalagem, o ex-dirigente sindical caprichou no atendimento para diferenciar Diadema de duas cidades concorrentes: foi buscar os investidores no hotel e os levou para um tour que incluiu visitas ao Senai, à Fundação Florestan Fernandes e à Central de Trabalho e Renda. “Eles ficaram impressionados com os cursos do Senai e voltaram à China satisfeitos com o que viram” — confia o secretário. “A possibilidade de se decidirem por Diadema é de 70%” — aposta.

A reocupação do galpão deixado há poucos meses pela BYK Química, que se transferiu para o pólo farmo-químico de Jaguariúna, na Região Metropolitana de Campinas, é desafio que dá o tom das preocupações com o desenvolvimento econômico. “A BYK precisava de mais espaço para se expandir, mas as instalações remanescentes podem cair como luva para outras empresas do setor. Temos um acordo com a empresa para tentar reocupar o espaço” — revela Joel Fonseca.

A sondagem dos empreendedores chineses revelou a contrapartida de sensibilidade e flexibilidade para seduzir investidores, mas também expôs uma vulnerabilidade estrutural que a Secretaria de Desenvolvimento Econômico trata de corrigir: falta de material de divulgação da cidade. “Já providenciamos prospecto impresso em português, espanhol e inglês com as características e vantagens de Diadema” — conta Joel Fonseca.

Ações como a criação de serviço para orientação de empresários, visitas do secretário municipal às empresas e o empenho em atrair novos investimentos devem ser compreendidos como iniciativas de caráter tático. A intervenção estratégica de desenvolvimento econômico sustentado é o censo socioeconômico que começou a ser elaborado pelo Observatório de Políticas Públicas Municipais, criado pela Prefeitura com apoio da Coppetec (Fundação Coordenação de Projetos, Pesquisas e Estudos Tecnológicos) da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).

Joel Fonseca explica que o censo econômico vai dissecar as principais cadeias produtivas com levantamento de informações como quantidade e porte de empresas, volume de empregados, nível de aparelhamento tecnológico e até tipos de produtos e serviços gerados e consumidos. Os dados, que também cobrirão setores informais com vistas à formação de cooperativas de trabalho, pretendem balizar políticas de desenvolvimento econômico e subsidiar projetos de emprego e renda.

“Se for detectada a ausência de um produto ou serviço importante no contexto de determinada cadeia produtiva, poderemos atrair para Diadema empresas que se encaixem no conjunto, sem precisar acenar com grandes benefícios fiscais. A existência de complementaridade setorial seria apelo mais do que suficiente” — simplifica Joel Fonseca. Embora não faça referência, Joel Fonseca está se referindo ao conceito de cluster, estudado a fundo pelo economista norte-americano Michael Porter.

O pontapé inicial do censo socioeconômico foi dado em fevereiro último com trabalho de recadastramento das empresas. Joel Fonseca projeta a conclusão do levantamento em julho. A expectativa é tamanha que o secretário e outras lideranças de Diadema pretendem transformar os resultados da varredura estatística em evento histórico — querem promover fórum com participação de lideranças políticas, trabalhadores e empresariado. Joel observa que a apresentação de levantamento consistente, produzido em parceria com a respeitada UFRJ, tem força suficiente para quebrar a resistência dos empresários.

“Diadema tem histórico de participação popular muito grande. O desafio é fazer com que os empresários também participem ativamente na definição dos rumos da cidade” — convida o secretário. “É preciso vencer a resistência gerada pelo fato de que grande parte dos executivos e empresários de Diadema não mora na cidade” — reconhece.

Levantamentos anteriores dão conta de que a economia de Diadema está amplamente lastreada em indústrias de micro e pequeno portes pertencentes a seis cadeias: plástico, cosméticos, autopeças, borracha, papel e papelão. Nos setores plástico e de cosméticos Diadema ostenta posição de maior produtora do Grande ABC. Na cidade estão metade das 360 empresas plásticas de toda a região. “Dados panorâmicos como esses serão destrinchados pelo censo socioeconômico” — planeja Joel Fonseca.

Lideranças de Diadema também enfatizam a necessidade de reverter ou pelo menos amenizar a imagem negativa da cidade. Índices de criminalidade muito acima da média brasileira e episódios de grande repercussão como a execução policial na Favela Naval abalaram a auto-estima de Diadema a ponto de grande parte dos moradores emplacarem veículos em outros municípios. Joel Fonseca não refuta a dura realidade criminal, mas acredita que a divulgação sistematizada de aspectos positivos poderia reverter o quadro.

“Diadema é o maior pólo de cosméticos do País. Não faz sentido que uma cidade especializada em produzir beleza não colha frutos de marketing e seja percebida apenas pelo lado negativo da criminalidade” — observa o secretário municipal. Que completa. “Temos uma matriz produtiva em franca ascensão. E o fato de a preocupação com a beleza ter deixado de ser privilégio das mulheres para ganhar o universo masculino é prova disso” — cita. A realização de uma feira de cosméticos em Diadema — a primeira da cidade — é outro plano da Secretaria de Desenvolvimento Econômico. “Estamos debatendo o assunto com empresários do setor” — comenta o secretário.

Apaziguador – Joel Fonseca foi segundo-secretário do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC em São Bernardo e atuou como coordenador nas seções de Mauá e Diadema, tudo entre 1990 e 1998. O histórico sindical e o cargo na Secretaria de Desenvolvimento Econômico só são incompatíveis para quem não conhece o perfil forjado à frente de um dos maiores sindicatos do País.

“Como coordenador, meu papel sempre foi o de apaziguador. Entrava nas negociações nos momentos críticos, quando a relação da base com as empresas apresentava desgaste. A experiência na coordenadoria me tornou mais sensível às demandas dos trabalhadores e aos impasses e às necessidades das empresas” — avalia o ex-sindicalista, que trabalhou como metalúrgico na Arlen Auto-Falantes, na Continental Parafusos e na Delta, fabricante de peças para a linha branca, antes de se dedicar ao sindicalismo em tempo integral.

A vivência na coordenadoria sindical conferiu a Joel Fonseca visão abrangente das profundas alterações que atingiram o mercado de trabalho e a estrutura microeconômica das cidades mais industrializadas. “Na época de mercado fechado havia emprego para todos e os profissionais com especialização se davam ao luxo de escolher. Sou exemplo disso: recebi em casa cinco telegramas com ofertas de emprego na década de 80. De cinco empresas diferentes. Optei pela Delta porque o ônibus que transportava os funcionários passava na esquina de casa” — relata o secretário e vice-prefeito, que nasceu em Lagarto, no Sergipe, e se mudou da Capital Aracaju para São Paulo aos 25 anos.

“A globalização mudou tudo. Com a entrada precipitada e desastrosa do Brasil no mercado internacional, a indústria foi obrigada a cortar custos e a adotar novas tecnologias. O resultado é que milhares de trabalhadores perderam empregos” — observa o ex-sindicalista. Joel Fonseca lembra que a transformação do ambiente macroeconômico e da atmosfera política nas últimas décadas levou a recapitulações e adaptações tanto por parte das empresas quanto dos trabalhadores. E que, nesse contexto, a convergência de propósitos entre capital e trabalho deu-se de com naturalidade.

“O sindicalismo era mais combativo durante as décadas de 70 e 80 porque no período marcado pela ditadura militar isso era uma necessidade. Era preciso demonstrar força e resolução para furar o bloco da resistência das elites empresariais que não reconheciam a importância e os direitos dos trabalhadores. Hoje os tempos são outros. Vivemos a era da democracia, de abertura econômica, de maior interdependência e convergência de propósitos entre capital e trabalho. A mudança do panorama levou à evolução da postura das empresas e dos trabalhadores, que aprenderam muito uns com os outros” — acredita. “Hoje as empresas reconhecem a importância do chamado capital humano da mesma maneira que os trabalhadores têm consciência de que é preciso ter competitividade para lutar no mercado global” — observa.

Quadro preocupante – O amadurecimento de Joel Fonseca em contato direto com a transição do sindicalismo brasileiro o habilita à Secretaria de Desenvolvimento Econômico com a mesma intensidade com que a inserção brasileira na economia internacional e a pulverização dos investimentos produtivos pelo Estado de São Paulo conduzem Diadema a intervenções além dos projetos sociais. Diadema foi um dos municípios brasileiros que mais sofreram com a reestruturação fabril ditada pela globalização econômica. Some-se às fissuras da abertura econômica os efeitos das desvantagens competitivas das regiões metropolitanas em relação ao Interior do Estado e chega-se a quadro preocupante de 40 mil desempregados, criminalidade nas alturas e queda da arrecadação de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), principal fonte de receita municipal, responsável por 48,21% do orçamento de 2001. De um índice de participação estadual de 1,62% em 1990, Diadema atingiu 1,15% em 2000. Significa que as perdas dos anos 90 anularam os ganhos da década de 80, quando a cidade saltou de 1,21% em 1982 para alcançar 1,62% oito anos depois.

Transferências federais e estaduais como o ICMS totalizam 73,09% da arrecadação municipal. Receitas próprias como IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano), ITBI e ISS (Imposto sobre Serviços), cuja arrecadação cresceu muito além da economia brasileira, representam 26,75% das receitas. Os 0,16% restantes dizem respeito a receitas de capital, obtidas com investimentos financeiros.

Eventuais controvérsias em relação ao emagrecimento industrial de Diadema nos últimos anos estão confinadas à intensidade de deserções e fechamentos de empresas. Não existe unanimidade em relação à quantidade de galpões ociosos na cidade. A quantidade tende a variar ao sabor do nível de independência e interesse de quem analisa. Mas a constatação de que o estoque de metros quadrados vagos está muito acima do ideal é unânime. Até dirigentes públicos se preocuparam em encomendar levantamento, que acusou a existência de 80 galpões vazios.

A necessidade de aumentar receitas próprias para compensar perdas nos repasses de ICMS coloca Diadema num dilema: a cidade interessada em facilitar a vida da iniciativa privada para estabilizar ou ampliar o parque produtivo se vê obrigada a aumentar impostos para manter as finanças equilibradas sob a rédea curta da Lei de Responsabilidade Fiscal. A prefeitura criou até um Comitê de Recuperação de Receitas para gerenciar a criação de novas taxas de iluminação e incêndio, controlar a revisão da planta genérica de valores, entre outras iniciativas que contribuam para aumentar a arrecadação em R$ 36,6 milhões de modo a equalizar receitas e despesas em 2002. Como não é possível abrir mão das receias próprias e nem virar as costas para os empresários, os governantes de Diadema procuram mostrar resultados para amenizar a insatisfação gerada pela cobrança de impostos e novas taxas.

“A única forma de resolver essa equação complicada é evidenciar aos empreendedores que os recursos estão sendo bem aplicados e, mais do que isso, deixar claro que eles são diretamente beneficiados pelas melhorias com as quais contribuem” — destaca o prefeito José de Fillipi Júnior. Ele cita como exemplo o projeto Lugar de Criança, que ampliará em 1,5 mil vagas a capacidade das creches do município a partir de abril, elevando o total para 3,1 mil. “O custo do projeto, de R$ 3,3 milhões, é quase o montante de R$ 4 milhões que será gerado a mais este ano por conta do IPTU progressivo” — compara o prefeito. “A ampliação das vagas nas creches públicas beneficia diretamente as empresas, que não precisam bancar o serviço para os filhos das funcionárias” — raciocina o prefeito socialista.

O piscinão em construção no Bairro Piraporinha, divisa com São Bernardo, é outro exemplo sacado pelo prefeito. A maior parte dos recursos — R$ 6 milhões — vem do governo do Estado, mas a prefeitura desembolsou 1,6 milhão na aquisição do terreno. “Mostramos o que fazemos com os recursos dos contribuintes. Os resultados são os nossos álibis” — enfatiza o prefeito. “E o Governo Federal, que arrecada parcela esmagadora dos impostos no Brasil? O que faz com os recursos da CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira), com o Imposto de Renda, entre muitos outros, além de pagar a rolagem da dívida?” — alfineta.

Sinais claros – Os males sociais decorrentes da flacidez no tônus industrial não são triste privilégio de Diadema. Municípios como São Caetano, São Bernardo e Santo André acusam perdas de ICMS muito mais agudas no mesmo período. Mas os reflexos da desindustrialização são mais visíveis em Diadema devido à delicadeza da situação socioeconômica. De acordo com os últimos dados disponíveis, referentes a levantamento realizado em 1995, Diadema acolhe população predominantemente pobre, com renda per capita de R$ 748,12. Seis em cada 10 moradores se enquadram nas classes D e E, três na C e apenas um na B.

Diadema não tem classe A, pelo fato de os empresários não morarem na cidade. A simples ausência ou escassez de moradores do topo da pirâmide social torna a precariedade socioeconômica mais visível em Diadema do que nos municípios do Grande ABC que perderam mais participação industrial nos últimos anos, porque não há sinais explícitos de riqueza arrematada nos longínquos tempos de vacas gordas para confundir os sentidos dos menos atentos. Outro dado que expressa a fragilidade socioeconômica é que apenas 3% da população tinham curso universitário em 1995. O resultado é que empregos de funções mais complexas e de melhor remuneração são ocupados por profissionais de fora.

O mérito do Município espremido entre São Bernardo e a zona sul de São Paulo está em converter o reconhecimento dos problemas em plataforma para busca de soluções. Diadema ostenta uma das maiores densidades demográficas do País em decorrência do surto migratório motivado pela instalação da indústria automotiva no Grande ABC. Com terras mais baratas que as cidades vizinhas, cuja industrialização e ocupação territorial é mais antiga, Diadema atraiu multidão de imigrantes das regiões mais pobres do País. São 356 mil habitantes no território de 30,7 quilômetros quadrados.

O cenário de pobreza e precariedade forjado pela explosão demográfica foi transformado em laboratório de práticas sociais por governos esquerdistas que instauraram patamar mínimo de dignidade em uma localidade até então completamente desordenada. Mas a gestão de caráter eminentemente social, tão valiosa e indispensável durante o período de construção, tornou-se insuficiente nestes tempos de contenção de despesas públicas e disputas acirradas por investimentos produtivos que são os pilares do desenvolvimento sustentado em qualquer lugar do mundo. A percepção de que a sempre desejada sustentação social depende fundamentalmente da musculatura econômica exercitada pelos agentes produtivos nunca foi tão clara para os governantes da cidade mais socialista do Brasil.



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