Política

Salles ataca memória de Celso
Daniel e favorece os vivos demais

DANIEL LIMA - 13/09/2012

O candidato a prefeito em Santo André, Raimundo Salles, atacou o PT errado durante o lançamento do Plano de Governo na última segunda-feira. O pedetista que saiu do muro da diplomacia, porque sentiu que o situacionista Aidan Ravin e o petista Carlos Grana precisam levar umas boas palmadas, misturou alhos com bugalhos.


 


Em vez de cuidar dos 11 anos de mediocridade administrativa da Prefeitura de Santo André, governada pelo petista João Avamileno e pelo petebista Aidan Ravin, optou, vejam só, por atacar os 10 anos de Celso Daniel.


 


Raimundo Salles desprezou a condição quase canônica a que foi instalado o ex-prefeito após o assassinato e minimizou o período dos vivos de verdade, dos vivos até demais, que vieram depois.


 


Fico a indagar como Raimundo Salles se deixou levar pela radicalização do discurso antipetista sem considerar os pontos centrais que marcaram a carreira de Celso Daniel. A métrica mais apropriada para dimensionar a escorregadela seria confrontar o tom adotado por Raimundo Salles -- de que Celso Daniel não passaria de falso mito -- com algo como os adversários tucanos remontarem as dissonâncias de Mário Covas à frente do Estado mais rico da Federação.


 


Celso Daniel versus Mário Covas


 


Um paralelo entre Celso Daniel e Mário Covas talvez seja suficiente para Raimundo Salles entender o exagerado esticar de uma corda crítica.


 


Para tornar este artigo mais fiel do que naturalmente o são todos aqui produzidos, repasso os principais parágrafos da matéria publicada pelo jornal Bom Dia ABCD, versão impressa, e que consta também da versão digital. Sob o título “Salles critica PT ao citar Celso Daniel”, a reportagem assinada pelo repórter Fábio Salles diz exatamente o seguinte:


 


 Mesmo na iminência da união entre petistas e pedetistas em eventual segundo turno contra o candidato à reeleição de Aidan Ravin (PTB) o postulante ao Paço pelo PDT, Raimundo Salles, não poupou críticas aos mandatos do PT na cidade, durante coletiva de imprensa realizada ontem sobre o lançamento do Plano de Governo, em hotel na região central. Antes da explanação sobre o documento de diretrizes para a gestão 2013-2016, o prefeiturável analisou a conjectura política a partir de fatos ocorridos nas administrações comandadas pelo PT para contextualizar ao cenário atual da cidade. Estrategicamente, Salles atacou a gestão Celso Daniel, ao frisar que o ex-prefeito (morto em 2002) foi responsável por ato negativo histórico no país. “Ele foi o primeiro prefeito a reduzir os salários do funcionalismo público em 6,5%, através de decreto em 1997”, criticou, para em seguida classificar a contratação de ONGs como um “mal” criado pelo petismo. “O Instituto Acqua nunca ninguém tinha ouvido falar e fazia tudo em termos de mão de obra. Isso foi invenção do PT”, complementou Salles. O candidato do PDT também criticou a desapropriação das empresas de ônibus e a concessão por 20 anos, além de ressaltar que nunca houve questionamento do pagamento da dívida da Sabesp. “Ficou oito anos sem pagar e cobrando o contribuinte, ou seja, R$ 1,48 bilhão, sendo que a conta já foi paga. Fazendo a conta por habitante sai R$ 2 mil”.


 


Erro estratégico  


 


Mesmo admitindo-se que Raimundo Salles esteja repleto de razão nas críticas às gestões de Celso Daniel (o que não é integralmente verdade, porque, entre outros pontos, corte de salários do funcionalismo não é necessariamente um desserviço à sociedade) a opção preferencial pelo ex-prefeito é um erro estratégico.


 


A grandiosidade intelectual e planejadora daquele que foi o maior prefeito regional da Província do Grande ABC (entenda-se prefeito regional aquele capaz de buscar alternativas econômicas e sociais além das muralhas municipais, e não necessariamente como gestor local) suplanta largamente os erros cometidos durante o período de 10 anos na Prefeitura. Essa outra metade da moeda de análises faltou a Raimundo Salles.  


 


Mesmo em nível municipal, não se tem registro de Administrador Público da região que tenha se empenhado tanto na interlocução com os diversos ramais da sociedade civil. Goste-se ou não, Celso Daniel foi inclusive um ponto fora da curva petista de exclusivismo aos companheiros, como é o caso de Luiz Marinho, em São Bernardo, e de tantos outros titulares de Executivos da agremiação em diferentes endereços municipais do País.


 


Celso Daniel protagonizou uma Administração muito acima dos antecessores quando a avaliação se prende a ações nem sempre tangíveis. Como fazedor de obras, até porque Santo André era um paraíso de repasses de ICMS, Newton Brandão é praticamente imbatível. Só viu a situação ficar feia na terceira e última gestão de 14 anos de Executivo, entre 1993 e 1996, quando as sequelas da desindustrialização de Santo André, que começou nos anos 1980, e também do custo da máquina pública, de crescimento vegetativo insidioso, mostravam as garras do estrangulamento orçamentário.


 


Problemas após morte 


 


Raimundo Salles mirou o PT errado quando se dirigiu a Celso Daniel no Plano de Governo. Foi a partir do assassinato que paralisou o País em janeiro de 2002, quando João Avamileno assumiu a Prefeitura, e também desde a posse de Aidan Ravin, que Santo André caiu no marasmo técnico, no descalabro organizacional e se especializou em esparrelas de desvios administrativos. A Cidade Pirelli, o Residencial Ventura, o Semasa e tantos outros escândalos exprimem bem essa derrocada. Sem contar a ineficiência econômica acentuada a cada temporada.


 


Bater em Celso Daniel de memória idolatrada pela população, porque a morte o torna acima de qualquer pecado durante o período eleitoral, como a tantos outros políticos que se foram em circunstâncias menos traumáticas, é estupidez do candidato Raimundo Salles.


 


Vejam se algum petista cai na besteira de ir ao campo midiático para citar nominalmente o ex-governador Mário Covas por muitos descuidos e irregularidades administrativas dos tucanos durante os sete anos em que comandou São Paulo. O caso Alstom, que consiste em série de denúncias de propina da empresa francesa a vários políticos brasileiros do PSDB durante a gestão Covas, é um exemplo.


 


No livro “A privataria tucana”, o jornalista Amaury Ribeiro Jr. escreve a respeito da privatização da Ferrovia Paulista (Fepasa) durante o governo Mário Covas, quando foram demitidos 10 mil funcionários e o Estado assumiu a responsabilidade pelos 50 mil aposentados da ferrovia. “Ou seja, o então governador tucano, além de prejudicar a vida de 10 mil trabalhadores num momento de altas taxas de desemprego, jogou o ônus do pagamento dos benefícios de 50 mil aposentados e pensionistas nas costas do Estado paulista, mais exatamente, quando quem deveria assumir essa responsabilidade era a empresa compradora da Fepasa” – escreveu o jornalista.


 


Erros e transformações 


 


Não é preciso, portanto, promover um levantamento minucioso para encontrar chagas na gestão Covas, porque, goste-se ou não, tropeços gerenciais de administradores públicos são uma constante em todas as esferas. O que mais os diferencia é a capacidade de promover transformações estruturais e conceituais.


 


A menção de Raimundo Salles à invasão de ONGs malversadoras de dinheiro público tem equivalência, por exemplo, em outras administrações, à liberalidade com que empresas de prestação de serviços manipulam o orçamento do Estado.


 


Quem não sabe, por exemplo, que o já condenado judicialmente Sérgio De Nadai, envolvido na Máfia da Merenda Escolar, teve escancaradas as portas do governo paulista a partir de Mário Covas. Até então, obtivera apenas um ínfimo naco de marmita aos presidiários durante o final do governo Luiz Antônio Fleury.


 


Alguém precisa dar um recado urgente a Raimundo Salles, de fundamentação objetiva e politicamente correta, porque é isso que ajuda a ganhar eleições: deixe um ilustre (como todo humano) mas vulnerável morto na tranquilidade da memória preservada dos embates eleitorais e dirija-se aos vivos, porque são os vivos, vivos até demais, os verdadeiros adversários atrás do balcão de votos, casos do PTB e do PT.


 


Não há nada completamente equivocado em recorrer ao passado, mesmo que ao passado de alguém que já se foi, mesmo que esse alguém seja Celso Daniel, para tentar explicar as razões de Santo André estar onde está. Entretanto, se um candidato resolve correr o risco de mexer com quem já não tem defesa direta, está errado ética e eleitoralmente ao omitir a grandiosidade de obras físicas e intelectuais daquele mesmo período. Meias verdades que sacrificam quem já foi sacrificado é uma espécie de marketing às avessas, que tende a aumentar a resistência à opção mais interessante na disputa eleitoral desta temporada.


 


Leiam também:


 


Mataram o maior administrador público da história do Grande ABC


 


Celso Daniel sai de cena como maior gerenciador


Leia mais matérias desta seção: Política

Total de 863 matérias | Página 1

17/09/2024 PESQUISAS ELEITORAIS ALÉM DOS NÚMEROS (9)
16/09/2024 Três versões de um debate esclarecedor
14/09/2024 GILVAN SOFRE COM DUREZA DO DEBATE
13/09/2024 Voto Vulnerável é maior risco de Gilvan Júnior
12/09/2024 PESQUISAS ELEITORAIS ALÉM DOS NÚMEROS (8)
10/09/2024 Gênios da Lamparina querem subprefeituras
10/09/2024 PESQUISAS ELEITORAIS ALÉM DOS NÚMEROS (7)
06/09/2024 Largada eleitoral para valer vai começar agora
06/09/2024 PESQUISAS ELEITORAIS ALÉM DOS NÚMEROS (6)
04/09/2024 É a Economia, Marcelo, Luiz Fernando e Alex!
04/09/2024 PESQUISAS ELEITORAIS ALÉM DOS NÚMEROS (5)
02/09/2024 QUAL É O PREÇO DE FORA BOLSONARO?
02/09/2024 PESQUISAS ELEITORAIS ALÉM DOS NÚMEROS (4)
30/08/2024 Marcelo Lima responde ao UOL como prefeito
30/08/2024 PESQUISAS ELEITORAIS ALÉM DOS NÚMEROS (3)
28/08/2024 PESQUISAS ELEITORAIS ALÉM DOS NÚMEROS (2)
27/08/2024 Luiz preocupado com Luiz indicado por Luiz
26/08/2024 PESQUISAS ELEITORAIS ALÉM DOS NÚMEROS (1)
20/08/2024 Seis armas de Zacarias que tiram sono do Paço