O dia a dia cada vez mais intenso dos profissionais que atuam no setor de produção é a explicação do conselheiro de CapitalSocial, engenheiro Fabiano Machado d’Avila, à flacidez da massa critica na Província do Grande ABC. Para esse engenheiro de uma montadora sediada em São Bernardo e residente em Santo André, sobra pouco tempo ao exercício permanente de cidadania. São em média 14 horas de trabalho por dia na vida de Fabiano. “O tempo que sobra é dedicado à família, a convivência social, ao lazer e por vezes ao envolvimento comunitário” – afirma.
Esta é a segunda Entrevista Especial com integrante do Conselhão Regional de CapitalSocial, instância desta publicação digital voltada a formadores de opinião da região. Fabiano comenta vários aspectos sobre viver na Província do Grande ABC. Inclusive futebol, como antigo torcedor do Esporte Clube Santo André, agremiação convertida em Saged, empresa que privatizou o chamado Ramalhão. “Santo André está virando uma imensa cidade dormitório sem controle. Vários e vários terrenos industriais de empresas expulsas estão virando passivos ambientais por baixo das torres”, afirma esse leitor voraz desta revista digital.
Leia em seguida a Entrevista Especial com Fabiano d’Avila:
Considerando-se sua atividade -- e o tempo médio diário que despende profissionalmente -- e transportando essa realidade aos executivos e trabalhadores que atuam em empresas da região, o senhor acredita que é possível participar de forma relativamente forte nas questões mais candentes da sociedade? Estariam condenados os trabalhadores, principalmente do setor industrial, a participar apenas tangencialmente da comunidade à qual pertencem? Essa premissa, fortemente real no passado, vale para estes dias também, pelo menos na média dos trabalhadores e executivos industriais?
Fabiano Machado d’Avila – A atividade que exerço na indústria automobilística toma em média 14 horas diárias, e não raro também os fins de semana. A competitividade profissional exige atualizações ou especializações acadêmicas que devem ser feitas em períodos extratrabalho. A competitividade industrial nos força a ter muito mais soluções melhores e eficientes, utilizando menor quantidade de recursos humanos do que num passado recente, e isso consome energia, dedicação, tempo e paciência. O tempo que sobra é dedicado à família, à convivência social, ao lazer e por vezes ao envolvimento comunitário. Embora eu saiba que deveríamos contagiar a classe política com a energia competitiva, eficiente e ética que predominam na indústria automobilística, confesso ter apenas observado o enfraquecimento de questões regionais através do CapitalSocial. Nosso envolvimento deveria ser maior, pois somos massa crítica formadora de opinião e teríamos quase que a obrigação de contribuir com as questões políticas da nossa região, mas despendemos muita energia para o nosso dia a dia. É necessário aprender a dosá-la.
O senhor é declaradamente um torcedor ativo do Esporte Clube Santo André, uma paixão cultivada a partir dos exemplos paternos. Como vê a situação do clube atualmente?
Fabiano Machado d’Avila – Sou um palmeirense que também torce pelo Santo André. Isso começou na infância, final dos anos 70, começo dos anos 80, quando meu saudoso pai me levava ao Bruno Daniel. Percebi que o Santo André começou a ganhar contornos de time competitivo quando conquistou seu primeiro acesso em 81. Teve um grande momento em 84 no Campeonato Brasileiro da época, fazendo frente a grandes times. E como invariavelmente ocorre com times que não são grandes, viveu um período de ostracismo e oscilação nos anos 90. Campeão da Copa do Brasil em 2004, deu sinais que estava caminhando para se firmar como time médio, estável, até a final do Campeonato Paulista de 2009. Não fosse Neymar e Ganso, seríamos campeões. E nos últimos três anos foi um festival de descensos. Só teve direito a um para quedas no último ano, escapando da série D no tapetão, por assim dizer.
Parece-me óbvio que o Saged não foi a solução para o Santo André. E o poder público só fez agravar a situação, dando um terrível golpe de desprezo pelo esporte, desmoronando o então desrespeitado Estádio Bruno José Daniel. Derrubado, o estádio perdeu prioridade da Prefeitura. O Santo André é hoje um time sem cara, sem casa, que não pode sequer ser assistido, nem de graça por nenhum torcedor. Lamentável.
O senhor acredita na sobrevivência competitiva de equipes que, como o Santo André, vivem na penumbra midiática, principalmente da televisão aberta, levando-se em conta que o produto se tornou uma atração movida à audiência e que os grandes clubes de massa têm a preferência das empresas de comunicação porque oferecem o retorno em forma de audiência?
Fabiano Machado d’Avila -- A chance que o Santo André tem -- assim como outros times do ABC -- de permanecer na mídia é de atingir e manter-se pelo menos na Série A do Paulista e na Série B do Brasileiro. No mínimo. Também não podemos esquecer que os times do ABC são, na maioria das vezes, o segundo time dos moradores da região. Se não forem competitivos, caem no esquecimento mesmo. À sombra da capital paulista, a mídia local não tem a audiência necessária para manter torcedores informados sobre o Ramalhão.
Como observa o que chamaríamos de fenômeno do São Bernardo, capaz de levar uma massa de torcedores aos jogos no Primeiro de Maio? Estaríamos ante um fenômeno circunstancial, fruto de uma ação de marketing vitoriosa, ou teremos possibilidades de acompanhar um enraizamento popular inédito em regiões metropolitanas?
Fabiano Machado d’Avila – Creio que é a mesma euforia que vi nos torcedores do Santo André nos anos 80. O Santo André colocava de 15 a 20 mil pessoas no Brunão, e até no Palestra Itália em jogos decisivos. Na época, a forte presença da Rádio e do jornal Diário do Grande ABC na região, com Rolando Marques, Jurandir Martins, Sidney Lima, Daniel Lima, Donizeti Raddi, Edélcio Candido e tantos outros, colocava o Santo André em evidência; porém não houve continuidade, nem do Santo André, nem dos meios de comunicação. E a não continuidade gera desinteresse, primeiro do público, depois da mídia. Ora, o Santo André disputou nada menos que a Taça Libertadores da América em 2005, o Bruno Daniel ganhou o mais belo gramado de sua história, e mesmo assim apenas cinco ou seis mil pessoas foram assistir. Tem que ter constância.
Em linhas gerais e sem que necessariamente desça a detalhes sobre especificidades nominativas, como o senhor vê os administradores públicos da Província do Grande ABC? Eles, na média, estão à altura dos desafios que se nos apresentam?
Fabiano Machado d’Avila – Vejo que cada Município tem alguns problemas específicos, e na visão de seus prefeitos é melhor que eles se isolem em suas próprias cidades, para cada qual tentar curar suas próprias feridas por eles mesmos. Não percebem a força que teriam em ações estratégicas regionais. A ideia de uma Câmara e uma Agência intermunicipal é uma ideia tão boa e óbvia que causa estranheza o desinteresse demonstrado pelos prefeitos. Isso só me leva a crer que os interesses partidários de cada chefe do Executivo, mais a autopromoção ou ainda vaidade, são preponderantes. Portanto, não dá para afirmar que esses administradores estejam preparados, não ainda. O ABC precisa manter-se competitivo, já não é tão próspero como já foi e visões estratégicas passam longe dos Paços Municipais.
Seguindo o mesmo conceito, como qualifica a institucionalidade da Província observando-se atentamente as entidades de classe de trabalhadores, empresariais, sociais e culturais? Enquetes já realizadas com integrantes do Conselhão Regional desta revista digital foram fundamentalmente críticas, desaprovando esses segmentos. O senhor também tem esse ponto de vista?
Fabiano Machado d’Avila – Sim. O Brasil é um país desigual. Infelizmente o custo da indústria na Região Metropolitana de São Paulo é mais caro do que no resto do País. Embora tenhamos uma vasta riqueza de capital social e intelectual, as entidades de classe precisam perceber que temos que nos manter competitivos aqui no ABC, caso contrário o êxodo automobilístico ocorrerá.
Se o senhor tivesse a possibilidade de fazer um único desejo para ver a Província do Grande ABC em novo patamar socioeconômico, qual seria esse pedido?
Fabiano Machado d’Avila – Primeiro é preciso reconhecer a vocação industrial do ABC e valorizar isso. Expulsamos várias indústrias, e ainda achamos isso certo. Temos que valorizar e priorizar a permanência e a atração de indústrias para o ABC, e não transformá-las em imensos terrenos para a desenfreada corrida imobiliária.
E se o pedido fosse formulado tendo Santo André como alvo?
Fabiano Machado d’Avila – Santo André está virando uma imensa cidade dormitório sem controle. Vários e vários terrenos industriais de empresas expulsas estão virando condomínios com valores fora da realidade. Sem falar de passivos ambientais por baixo das torres. E sem a infraestrutura necessária. Só como exemplo, a energia elétrica da região onde moro em Santo André é interrompida duas ou três vezes ao mês, com direito a explosão de transformadores sobrecarregados. O “Torrão Andreense” como canta seu hino, já não é mais o “Gigantesco Viveiro Industrial”. Antes de saber quem queremos ser no futuro, é preciso saber quem somos. Esse é o meu pedido.
Que homem público da região o senhor entende que deveria servir de exemplo à atual e às futuras gerações de gestores públicos?
Fabiano Machado d’Avila – Na minha opinião, o triprefeito Newton Brandão foi visionário no seu tempo, e Celso Daniel muito antes que todo mundo viu o valor do pensamento regional.
Com que espírito de consumidor de informação o senhor se apresenta como leitor, ouvinte e telespectador? Acredita piamente na mídia, tem restrições, é muito cauteloso ou estabelece juízos de valor de acordo com cada uma das opções que escolhe?
Fabiano Machado d’Avila – Recomenda-se sempre ter pelo menos duas opiniões sobre um tema. Porém, confesso que não consigo ler Veja, Carta Capital, Folha, Estadão, Diário Regional, Diário do Grande ABC, etc. Então, opto por escolher informação de quem vai a fundo no assunto, mergulha no universo de informações e faz um extrato qualitativo, como é o caso do CapitalSocial. Não que concorde com todas as opiniões do site. Acreditar piamente na mídia? Não recomendo. A melhor forma de qualificar sua opinião é desconfiando da outra.
A dependência da Província do Grande ABC do que chamamos de doença holandesa, ou seja, do setor automotivo, também lhe é motivo de preocupação?
Fabiano Machado d’Avila -- Não consigo imaginar o ABC sem montadoras automobilísticas. Nem sem as empresas fornecedoras que cercam esse negócio. Somos o ABC que somos em muito por causa delas. Sinceramente, se fossem embora, não sei o que seria capaz de substituí-las. Somos dependentes sim, não há mal nisso, mas há o risco também.
O que mudou de verdade no dia a dia das fábricas da Província desde que passamos a conviver com a estabilidade econômica implementada pelo Plano Real e, simetricamente, com o amadurecimento sindical?
Fabiano Machado d’Avila – Quando ocorreu a estabilidade econômica o Brasil entrou para o mundo. Nesse mesmo período, as empresas começaram a ter estratégias globais e precisaram mudar seu jeito de agir. Crises financeiras mundiais começaram a ser sentidas aqui, seja em forma de tsunami ou marolinha. As empresas aqui instaladas na época tiveram de correr para se adequar aos novos tempos, e ainda correm para manterem-se competitivas. Ao mesmo tempo, os sindicatos amadureceram; porém nos últimos 10 anos têm sido menos críticos em relação a cobranças ao governo federal, perdendo parte de suas características fundamentais.
As negociações entre sindicatos e patrões de fato parecem ter evoluído, mas não podem representar entrave para a sobrevivência das automobilísticas na nossa região.
O senhor também já sentiu o peso do Complexo de Gata Borralheira, que consiste, resumidamente, na sujeição acrítica da Província do Grande ABC à vizinha Capital ou, contrariamente, no triunfalismo sem freios frente à mesma Capital?
Fabiano Machado d’Avila -- Nossa posição geográfica é incômoda. Estamos ao lado da quinta maior cidade do mundo. Se o ABC, assim como as regiões de Osasco e Guarulhos, não estivesse à sombra da capital, poderia ter uma identidade própria mais personificada, (Detroit em relação à Nova York, por exemplo) o que significa uma independência cultural e social benéficas. A solução é tentar conviver com essa situação de forma inteligente e serena. Não dá para competir com a Capital, mas também é possível tirar proveito da situação.
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10/05/2024 Todas as respostas de Carlos Ferreira