Política

Campanha eleitoral cansa com a
repetição de manhas e artimanhas

DANIEL LIMA - 19/09/2012

Detesto a prática político-partidária e suas nuances, mas adoro o noticiário político. É impossível lidar com gente sem conhecer os políticos, porque eles, os políticos, são réplicas, às vezes caricaturais, da sociedade, embora a sociedade sinta horror à comparação -- algo que a psicanálise explica ou tenta explicar.


 


Acompanho atentamente o que acontece na política regional, estadual e nacional (e também com alguma assiduidade na macropolítica internacional) porque me sinto mais confortável em tentar entender e decifrar compadrios e eventuais arranca-rabos que envolvem pessoas e instituições.


 


Como política e economia estão em tudo que fazemos e pensamos, é impossível não ter essa dobradinha como companheira de leitura e de audiência diárias. Se tivesse de escolher, se não houvesse saída, se fosse posto na parede para ter de optar entre uma e outra como fonte de informações, preferiria a economia, é claro. Até porque, tudo o que acontece na política deságua na economia.


 


Só é preciso entender as entrelinhas. Um exemplo: a presidente Dilma Rousseff faz das tripas coração para segurar o governo federal nas manchetes, principalmente com medidas que impeçam queda mais pronunciada do PIB (Produto Interno Bruto) neste ano. Não há coincidência em relação ao noticiário político, centralizado no mensalão. É pura consequência, para minimizar os estragos eleitorais.


 


Escrevo tudo isso para dizer que já não estou suportando acompanhar o noticiário político dos jornais. Mas que também não ouso negligenciar uma só notícia, ou, preferencialmente, artigo bem elaborado. As manhas e artimanhas das campanhas eleitorais que estão aí, nos jornais e também nos programas de TV (estou sem radio em meu carro, mas mesmo se o tivesse instalado não optaria pela versão em áudio do que vejo na TV, porque há coisas melhores para fazer nos engarrafamentos) são velhas conhecidas de guerra.


 


Os marqueteiros não mudam mesmo o script. São fórmulas surradas que fazem de vilões heróis e de heróis vilões, quando, de fato, todos não passam de agentes públicos ou pré-públicos interessadíssimos em gozar as delícias do poder. Nada mais justo, diria, porque ninguém é de ferro. O que lamento é que a maioria, não a totalidade, não tem a menor preocupação com responsabilidade social. Por isso, entre outros pontos, as chamadas lideranças sociais, econômicas e sindicais repetem velhas cantilenas e operações. São oportunistas, em larga escala; fazem-se de mártires. Ou são, também, muitos deles, ingênuos ao sugerirem mudanças sem o indispensável entranhamento político e econômico. 


 


Ausência do prefeito


 


Exausto que estou de campanha eleitoral, nem me dei ao trabalho de acompanhar o debate entre os prefeituráveis de Santo André, promovido pelo Diário do Grande ABC. Tenho dúvidas se vou acessar o endereço eletrônico do jornal para buscar detalhes que naturalmente escaparam à matéria publicada na edição de ontem, terça-feira. Talvez não o faça. A reportagem em questão deve ter traduzido aquele encontro. Tudo pareceu monótono. Sem o prefeito Aidan Ravin, líder das pesquisas e, incrível, o favorito à vitória, perdeu-se a graça e, mais que isso, a carga de idiossincrasias.  


 


Devo confessar surpresa ante o desempenho de Aidan Ravin. Não, não se trata dos números das pesquisas já publicadas, mas da coragem de deixar os adversários a ver navios no encontro no Diário do Grande ABC. Aliás, deixou o jornal perplexo, porque a tradição diz que, mais que respeitar, teme-se o Diário do Grande ABC. Há controvérsias, é claro. Luiz Tortorello passou o tempo todo às turras com o Diário e nem por isso deixou de reeleger-se com votação estrondosa. Mas isso é outra história, que valeria série de artigos sobre o possível poder destrutivo ou consagrador do Diário do Grande ABC. Algo exagerado, tanto num ponto quanto no outro. Jornal nenhum é mídia de massa e somente mídias de massa têm o poder de poder influenciar fortemente o eleitorado.


 


Fico a imaginar a estupefação do candidato petista Carlos Grana ante a decisão de Aidan Ravin de ausentar-se do debate em Santo André se seu chefe político, Luiz Marinho, candidato à reeleição em São Bernardo, adotou a mesma postura, ou seja, não aceita expor ideias com qualquer concorrente.


 


A assessoria de Luiz Marinho provavelmente é tão brilhante quanto à de Carlos Grana. Como se sabe, o candidato petista em Santo André mandou acrescentar a sigla “PT” nas cartelas de pesquisas eleitorais e, se não me engano, também nas urnas eletrônicas. Em pleno inferno astral do partido por conta do julgamento (condenatório, como se sabe) do mensalão, um marqueteiro de meia tigela adota “Grana do PT” na cédula. Não é mesmo uma barbaridade? No caso de Luiz Marinho, só quero ver qual será o seu comportamento  nas próximas disputas eleitorais, provavelmente para governador, quando lhe forem sonegados debates. 


 


Fórmula surradíssima 


 


Prefiro não estabelecer juízo de valor sobre a importância de debates na argumentação analítica da ausência de Aidan Ravin e no planejamento de campanha de Luiz Marinho. Pensando bem, entendo que falta aos conselhos políticos dos candidatos um entendimento prévio sobre os critérios que demarcariam a quantidade desses eventos. Concordo com os candidatos, principalmente com aqueles que estão exercendo a Administração e são naturalmente alvos prioritários dos adversários, que há excesso de eventos do gênero. Contra essa sanha supostamente democrática, mas que não passa de instrumental de marketing dos proponentes, nada melhor que definir um calendário de encontros. Dessa forma, seria possível evitar estresse.


 


Produzi um único evento que poderia ser chamado de debate durante os anos em que comandei a melhor publicação regional do País, a revista LivreMercado. Foi em 2008, no Centro Empresarial Pereira Barreto. Como em minha casa de ferreiro não tem espeto de pau, regionalizamos as temáticas. Compareceram todos os candidatos a prefeito dos sete municípios da Província do Grande ABC. Eles foram divididos em algumas etapas. Tematizamos os encontros, levando-se em conta os maiores problemas da região. Esmiuçamos alguns desses temas em cada rodada realizada.


 


Retiramos dos debates o municipalismo explícito que leva ao combate nem sempre produtivo e ao sectarismo geográfico numa área que tem de ser estruturada como região. Por exemplo: Desenvolvimento Econômico foi colocado à mesa a diferentes candidatos a prefeitos dos municípios da região, não a um grupo específico de candidatos de um determinado Município.


 


Aquela fórmula pode não ser perfeita, até porque não é completa. Poderia ser complementada sim com debates municipalistas e temáticos, para evitar dispersão e jogo de cena. Já imaginaram os candidatos à Prefeitura de Santo André discutindo tão e unicamente a questão da desindustrialização, os de São Bernardo deitando e rolando sobre mobilidade urbana, os de São Caetano sobre a verticalização imobiliária, os de Mauá sobre a dependência excessiva do Polo Petroquímico? Garanto que os resultados seriam mais substanciosos, porque obrigaria os concorrentes a se prepararem, o que os induziriam a colocar cada questão no foco de eventual Administração. Ou proporcionaria aos leitores o despertar a novas demandas reivindicatórias e participativas.  


 


Corrigindo percursos 


 


Dessa forma, a quantidade de debates não seria sinônimo de vulnerabilidade exagerada à repetitividade, à baixa qualidade da informação e de um festival de projetos que não passariam pelo crivo orçamentário.


 


O que quero dizer por fim é que desde 2008 sinalizei que o modelo dos debates eleitorais estava esgotado, embora isso não signifique que seja dispensável. O coroamento dos debates temáticos seria um debate final, aí sim multitemático, mas seguindo uma linha de relacionamento sistêmico e conceitual dos encontros preparatórios, como poderiam ser sintetizados os confrontos anteriores.


 


O que proponho é que já passou da hora de acabar com manhas e artimanhas dos debates eleitorais e instalá-los numa categoria acima de picuinhas e comprometidos com a racionalidade de tempo. Essa é a melhor maneira de julgar com menos risco de equivoco a ausência de Aidan Ravin e de Luiz Marinho. Mas, visto sob o ângulo de práticas democráticas em relação à sociedade, tanto um quanto outro acaba por queimar parte do prestígio junto à comunidade. Mesmo com essa mesma sociedade entendendo que os debates são um saco de gatos temáticos entrecortados de malandragens semânticas, de golpes baixos, de rabos-de-arraia -- entre uma variedade de armas mais que consagradas no mercado de votos.


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