Li, reli, anotei, analisei e agora desabafo: um elefante passou por Santo André, outro elefante passou por Diadema e ninguém se deu conta. Embora relativize os resultados do instituto que o Diário do Grande ABC diz ter criado e também desconfie da metodologia porque nem mesmo o profissional responsável pelo trabalho é identificado pelo jornal, o que saltou das pesquisas eleitorais divulgadas na última quarta-feira foi um estrondo. Mais abaixo, também fico com um pé atrás com os resultados de pesquisas anunciadas ontem pelo jornal ABCD Maior, de vertente assumidamente esquerdista e que circula na região em letras impressas e digitais.
Sobre as pesquisas do Diário do Grande ABC, a menos de três semanas da disputa eleitoral (as entrevistas foram realizadas, segundo o jornal, a partir do dia 21), nada menos de 47,5% dos eleitores de Santo André e de Diadema não sabiam em quem votar, votariam em branco ou nulo para prefeito. Esses resultados permeiam o critério de voto espontâneo, aquele em que o entrevistador chega para o eleitor e faz a clássica pergunta: em quem pretende votar para prefeito na próxima eleição?
Apenas nesses dois municípios da Província do Grande ABC deram-se esses apagões. Sabem lá o que é praticamente metade do eleitorado às escuras, sem ter o que responder? E só reagir ante a exibição de um cartão esférico com os nomes de todos os candidatos? E mesmo assim praticamente um terço do eleitorado (27,1%) insistir em dizer que não saberia em quem votar, ou votaria em branco ou nulo, no caso de Santo André e de algo um pouco menos escandaloso que isso, em Diadema?
Afinal, o que se passa?
O que se passa com Santo André e com Diadema? A certeza no caso de Santo André é que se trata de um Município em hibernação institucional, vocacionado à vagabundagem geral e irrestrita quando o interesse da sociedade está em jogo. Tudo isso está sendo amplamente exacerbado pelos números ou a pesquisa do Diário do Grande ABC desandou de vez? Acho que a pesquisa, nesse caso, está certa.
Já quanto a Diadema, os resultados são de assustar, porque se há algo de que aqueles moradores podem se orgulhar é do engajamento político-ideológico, cevado ao longo de mais de duas décadas pelo Partido dos Trabalhadores. Será que estaremos vivendo em Diadema algo como a fadiga de material do petismo ou os eleitores estão tão desconfiados que preferiram se omitir ante um intruso pesquisador? Diadema estaria numa fase de desencanto político?
Quando se contrapõem os números de Santo André e de Diadema aos dos demais da região, sempre no quesito de voto espontâneo, votos nulos e votos em branco, segundo a disposição dos entrevistados, a diferença é expressiva: São Bernardo chegou a 35,3% (26% abaixo da dupla congelada), São Caetano a 24,8% (quase a metade), Mauá a 36%, Ribeirão Pires a 34,8% e Rio Grande da Serra a 25%.
Talvez tenha sido esse o ponto mais intrigante da pesquisa do Diário, mas há outros que merecem análises. Mas vale a pena insistir na apatia que o trabalho dos entrevistadores detectou. A Província do Grande ABC vive mesmo um blecaute de cidadania porque, pode-se falar o que bem entenderem de política, até porque nada provavelmente será exagerado, mas um contingente tão elevado de eleitores à parte do processo eleitoral, mesmo os percentuais mais baixos, é de lascar. Voto espontâneo é voto cristalizado. Voto estimulado sempre está sujeito à chuva e à tempestade.
Plantio generoso
Quero dizer com isso que, se a pesquisa do Diário do Grande ABC não pisou no tomate metodológico e aplicativo, teremos nesta última semana de ações operacionais um período de extraordinário plantio e portentosa colheita. Os eventuais fluxos e contrafluxos dos números, que apareceriam nas urnas não podem ser tão descartados assim, não é verdade?
Tudo bem que o sistema de voto estimulado, mesmo sem o grau de fidelidade do voto espontâneo, reúne embocadura à confirmação das manifestações dos eleitores, mas especialistas garantem que fatores que fujam à normalidade podem modificar muita coisa. Entenda-se por fatores que fujam à normalidade a sensibilidade mais aflorada dos eleitores indecisos à assimilação de táticas dos candidatos em busca de confirmações ou reviravoltas.
Há muitas verdades e muitas bobagens que passam longe da mídia mas chegam aos eleitores em forma de panfletos, publicações apócrifas e outros balangandãs eleitorais. Ainda não apareceu quem seja capaz de medir o impacto de tudo isso, sobretudo em áreas inóspitas à apuração de tendências, como parece o caso da Província nesta temporada. Quem garantiria que em se plantando informações verdadeiras ou falsas numa parte considerável de eleitorado indeciso ou desiludido não seria possível fazer uma boa colheita?
Aliás, é por essas e outras que as noites e as madrugadas não têm apenas os galos a cantar. Nesse período preparam-se ataques que invadirão as ruas nos dias seguintes. Verdades inconvenientes, mesmo que exageradas, mesmo que anabolizadas por interesses específicos, chegam aos eleitores. Os jornais, principalmente os jornais, não sabem e não divulgam quase nada do que se passa nos bastidores. Mas os eleitores sabem o que se passa nos bastidores.
Margens milagrosas
Os institutos de pesquisa, independentemente da seriedade no trato dessa bola de antecipação de resultados, socorrem-se com a esperteza de sempre da chamada margem de erro. Um milagre em matéria de elasticidade, ou seja, de preservação dos interesses em jogo, porque três pontos percentuais para cima e para baixo significam na prática empate técnico, porque quem tem 30% contra 24% pode ter 27% contra 27%, ou também uma diferença de 12 pontos percentuais, porque quem tem 30% pode muito bem ter 33% e quem tem 24% pode na verdade ter apenas 21%.
Estendi-me tanto nesse assunto que já não tenho mais tempo para escrever sobre outros aspectos da pesquisa do Diário do Grande ABC. Aliás, uma pesquisa que, ao ser publicada, já estava desatualizada. Alguns números, caso de Santo André, estavam mais que derretidos porque saíram das planilhas dos coordenadores do trabalho e saltaram para as páginas do jornal com defasagem de mais de semana. Mesmo numa Província sob as trevas de meios de comunicação de massa, tanto tempo assim é condicionante de respeito à interpretação dos dados com a certeza de que já estariam defasados em algum grau. Ou seja, o rango já estava praticamente frio e a publicação apenas o requentou sem avisar o distinto público consumidor.
Pesquisas do ABCD Maior
Já tinha finalizado este texto na noite de domingo em meu escritório residencial quando consulto o site do jornal ABCD Maior e me deparo com duas manchetes. A primeira: "Santo André terá segundo turno entre Aidan e Carlos Grana". A segunda: "Pesquisa aponta vitória de Paulo Pinheiros em S. Caetano". Não vou reproduzir os principais parágrafos porque seria alongar demais o noticiário. Prendo-me aos resultados das duas pesquisas e, principalmente a margem de erro.
Em Santo André, segundo o jornal, que coloca o resultado como empate técnico, Aidan Ravin vence Carlos Grana por 35,06% a 30,48%. Num hipotético segundo turno, um empate técnico de 44% a 43% para Aidan Ravin. Não apareceu a votação de Raimundo Salles, exceto na pesquisa espontânea, com 5,5% dos votos, ante 26,09% de Aidan Ravin e 19,32% de Carlos Grana. O Instituto Opinião assina a pesquisa juntamente com o ABCD Major. Foram entrevistados 502 eleitores. Em São Caetano, com 400 entrevistas, a vantagem de Paulo Pinheiro seria de 46,75% a 33,50% frente a Regina Maura Zetone.
Tanto num caso quanto no outro, se for levado a ferro e fogo o conceito de margem de erro para cima e para baixo, está tudo devidamente protegido em caso de alguma surpresa, que consistiria na vitória de Aidan Ravin no primeiro turno e na virada de Regina Maura Zetone.
Simples, simples, porque Aidan Ravin pode ter 39,10% e Carlos Grana apenas 26,44%, ou seja, urna diferença de 12,66 pontos percentuais. O ABCD Maior preferiu a outra versão da margem de erro para decretar que há empate técnico entre os dois principais concorrentes em Santo André: retirou 4,4 pontos percentuais de Aidan Ravin (que cairia para 30,66%) e adicionou 4,4 pontos percentuais aos números de Carlos Grana (que subiria para 34,88%). Já em São Caetano, com margem de erro 4,9 pontos percentuais, Paulo Pinheiro cairia para 41,85% e Regina Maura subiria para 38,40%, praticamente empatada ou, em última instância, a uma diferença muito menor do que se apresentam nas manchetes.
E por essas (pesquisas do Instituto Opinião) e por aquelas (pesquisas do Instituto DGABC) que fico mesmo com os dois pés atrás quando me lanço em busca de resultados junto ao eleitorado. Embora cientificamente haja embasamento à cautela contida na margem de erro, a tropicalização do conceito nos obriga a extremos cuidados.
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19/11/2024 PESQUISAS ELEITORAIS ALÉM DOS NÚMEROS (24)