Política

Teria o mensalão impedido Luiz
Marinho de superar William Dib?

DANIEL LIMA - 10/10/2012

Talvez sim, talvez não, mas que atrapalhou, atrapalhou. Vou explicar: não fosse o julgamento do mensalão, que atinge sim e fortemente o PT, Luiz Marinho teria possibilidades razoavelmente fortes de rivalizar os números conquistados pelo candidato à reeleição à Prefeitura de São Bernardo, William Dib, em 2004. Como houve a pedra no caminho, o petista acabou 10 pontos percentuais abaixo do recorde do agora tucano. Dib chegou a 76,35% dos votos, ante 65,79% de Luiz Marinho. O petista queria chegar lá, mas não chegou. Ganhou principalmente na periferia, como a maioria dos votos petistas nas metrópoles. Nos redutos de maior escolaridade e renda, o PT perdeu feio.


 


Regionalizo o debate sobre a influência do mensalão nas eleições desta temporada mas vou dar um voo um pouco mais amplo. Li na Folha de S. Paulo de segunda-feira, em página inteira, uma entrevista com o professor de filosofia da Unicamp e pesquisador do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), Marcos Nobre. Sob o título “Peso do mensalão nesta eleição foi próximo de zero”, estão impressos parágrafos e parágrafos que colocam o acadêmico na contramão da realidade. Insistentemente na contramão da realidade.


 


Errou a Folha de S. Paulo, porque aquele título deveria ter inserido entre aspas, ou seja, atribuindo ao entrevistado a conclusão de estrago zero. Até porque, e isso se descobre ao ler a entrevista, a Folha de S. Paulo, baseada em pesquisa do Datafolha, chegou à conclusão diferente, já que 19% dos eleitores mudaram de voto por conta do julgamento. Ou a Folha aspeava o título ou deveria adotar mensagem diferente. Algo como “Especialista rejeita pesquisa que revela estragos do mensalão”.


 


Chega às raias da teimosia a persistência com que Marcos Nobre procura sustentar a tese de que o mensalão não provocou novas e possivelmente mais fundamentadas rachaduras no casco de credibilidade do PT nestas eleições. Acompanhem alguns trechos, de perguntas e respostas da entrevista à Folha de São Paulo:


 


Folha: Num ato em apoio à Haddad, a socióloga Victória Benevides disse que o julgamento do mensalão atrapalhou o petista. Ao mesmo tempo, o Datafolha mostrou que 81% dos eleitores de SP não mudaram seu voto por causa do julgamento. Qual foi o peso do mensalão nesta eleição?


 


Marcos Nobre: Bem próximo de zero. Quando a campanha do Serra falou do mensalão, (...) estava apelando ao eleitorado antipetista, ou seja, tentando manter a sua base.  A função do mensalão foi a de lembrar ao eleitorado antipetista razões para sê-lo.


 


Folha: Só pregação para convertidos?


 


Marcos Nobre: Sim, as pessoas não orientam o seu voto pelo mensalão. Não estamos conseguindo dar conta de analisar o processo judicial (do mensalão) com todas as implicações que tem porque estamos em eleição municipal. Uma coisa atrapalha o entendimento da outra, mas não influi na outra. As eleições estão obscurecendo o debate necessário sobre o papel do STF. A coincidência foi péssima para a democracia brasileira.


 


Folha: A mesma pesquisa mostra que, no grupo dos 19% que mudaram de voto por causa do mensalão, Haddad foi o mais prejudicado. É mesmo possível dizer que o julgamento não influenciou a eleição?


 


Marcos Nobre: A influência é residual, não vai mudar o resultado da eleição. É claro que pode mudar 1%, 2% dos votos.


 


Negação do óbvio


 


Observaram os leitores que o especialista Marcos Nobre resiste às pesquisas? Que bate o pé. Talvez lhe falte mais contato com o povo. Desprezar os efeitos do noticiário, principalmente do Jornal Nacional, é pura discriminação. Ou outra coisa mais grave. É malhar em ferro frio. Por isso está certo o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, que ocupou os jornais nesta terça-feira para dizer com todas as letras que o mensalão teve reflexos no desempenho do partido nas urnas no último domingo. “É evidente que em São Paulo isso teve seu peso, mas é difícil quantificar”, disse Gilberto Carvalho.


 


Os comentários do ex-presidente Lula da Silva, em direção às conclusões do acadêmico entrevistado pela Folha de S. Paulo, são mais que naturais. Seria demais esperar do ex-chefe da Nação algo em sentido contrário aos interesses eleitorais do PT neste segundo turno. Já imaginaram Lula da Silva admitindo que o mensalão é um estorvo na reta de chegada que se avizinha? O quanto os adversários poderiam explorar ainda mais o tema, pinçando e editando as declarações?


 


O que mais deveria chamar agora a atenção dos especialistas são as eventuais recargas de potencialidades destrutivas do mensalão nos segundos turnos previstos para 50 dos 85 municípios brasileiros que têm de seguir a legislação caso não resolvam pendências em primeiros turnos. Como vai se virar o PT para safar-se dos ataques tucanos na Capital paulista, centro gravitacional dessa nova etapa? Até que ponto haveria o aprofundamento de perdas em sintonia com as condenações da cúpula política do PT, principalmente do ex-ministro José Dirceu? Teria o filão de fissuras eleitorais do PT atingido o máximo da potencialidade ou há mesmo, segundo se suspeita, mais um tantinho a vazamentos?


 


E os votos desperdiçados?


 


E na Província do Grande ABC, onde três petistas (Carlos Grana em Santo André, Donisete Braga em Mauá e Mário Reali em Diadema) disputam o segundo turno, depois de chegarem à frente ao final do primeiro turno? Até que ponto o elevadíssimo índice de votos desperdiçados (nulos, brancos e abstenções) contribuiu para o sucesso deles? Com a redução superior a 50% de votos desperdiçados no segundo turno (essa previsão se baseia no passado) teremos nas urnas uma leva de eleitores pressupostamente mais críticos e, portanto, menos acessíveis aos candidatos petistas, como se deu no segundo turno de 2008 em Santo André, beneficiando Aidan Ravin ante o petista Vanderlei Siraque, que, por pouco, não fechou o primeiro turno? Ou teria aquela eleição não passado de um ponto fora da curva na história de engajamento petista na reta de chegada? 


 


O que se espera é que as pesquisas eleitorais que vem por aí se dediquem a rastrear as tendências embutidas em novas nuanças do contexto eleitoral a reboque do julgamento do mensalão. Principalmente a partir da mais que cantada caçapa de degola de José Dirceu, José Genoíno e Delúbio Soares.


 


Sob a perspectiva petista, o mensalão já teria chegado ao ápice das complicações, com possibilidade de reversão em algum grau substancioso, levando-se em conta que brasileiro tem memória curta. Já os adversários acreditam que uma nova enxurrada de discurso pautado pela moral e pela ética na vida pública incrementaria alguns pontos adicionais de restrição ao PT, principalmente nas proximidades da área de influência dos condenados, no caso o Estado de São Paulo.


 


O melhor mesmo é esperar. E deixar que Marcos Nobre siga com sua cantilena de intocabilidade petista só defensável quando verbalizada por petistas de carteirinha que preferem esvaziar a artilharia adversária.


 


De virgem à cafetina


 


Uma das razões da existência de jornalismo é o pressuposto de que reuniria gente qualificada para, em situação como a que se apresenta, mediar as avaliações que se opõem num jogo democrático de tentativa de conquistar o inconsciente dos eleitores e dos leitores. Quando o jornalismo abre mão do processo metabólico que controvérsias pautadas por interesses antagônicos sistematicamente embaralham, o que sobra não passa de Torre de Babel.


 


O mensalão é um elemento-chave nas disputas eleitorais desta temporada, da mesma forma e com intensidade possivelmente menor que o foi anteriormente, a partir das denúncias de Roberto Jefferson. Nem mesmo o crescimento em números absolutos e em números relativos dos votos petistas nestas eleições em todo o Brasil serve de contra-argumento respeitável, porque é uma meia-verdade.


 


A verdade inteira está na comparação com o crescimento absoluto e relativo pré-mensalão, muito mais incisivo, período no qual o partido ainda não ocupava o cargo máximo da República. A desaceleração do eleitorado petista, mesmo num período de fertilidade econômica que agora dá sinais de afrouxamento, é um processo que ainda não terminou. O PT é muito menor nestes tempos do que seria não tivesse sido pego em flagrante contradição. De autointitulada única virgem da zona, descobriu-se que agia com a desenvoltura de cafetina da zona.


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