Administração Pública

Salles precisa conciliar visibilidade
com representatividade cultural

DANIEL LIMA - 10/01/2013

Não seria um único artigo, um artigo como o que escrevi há dois dias, sobre os acordes iniciais do advogado Raimundo Salles à frente da Secretaria de Cultura, Esporte e Turismo da Prefeitura de Santo André, que esgotaria o repertório da área. Serão provavelmente muitas as vezes em que voltarei ao assunto, porque a demanda dos leitores é grande. Raimundo Salles é polêmico por natureza, o que nem sempre é interessante para quem é político -- ao contrário do que muitos imaginam, portanto.


 


Conto uma rápida historinha antes de prosseguir sobre alguns dos desdobramentos daquele artigo junto à classe de produtores de arte de Santo André. Uma historinha que diz muito sobre a construção de um edifício de complicações chamado “polêmica”. E que envolve diretamente este jornalista. Antes de qualquer coisa, digo e repito que detesto o verbete “polêmico”, porque abarca infinidade de situações nem sempre contextualizadas à etimologia do termo. Basta botar para fora o pescoço de uma conceituação que fuja ao senso comum, na maioria dos casos acomodatício quando não negligente com o exercitar minimamente rebuscado do cérebro, para que venha a sentença pretensamente definitiva, quando não carregadíssima de preconceito: “ele é polêmico”. Polêmico uma vírgula.


 


Numa noite de festa, de festa que marcou o lançamento de um livro de Raimundo Salles no Conjunto Nacional, em São Paulo, e uma das poucas ocasiões nos últimos anos em que decidi sair de casa à noite para ver gente, ouvi de um frequentador assíduo de colunas sociais, rodeado de convidados, uma carga de elogios que seria saborosa, não fosse a complementação: “Se você fosse político, teria os caminhos todos abertos”. Por questão de educação não lhe dirigi imediatamente a resposta, mas mentalmente lhe encaminhei uma frase que resume a essência do jornalismo que pratico: “Se fosse politico não seria jornalista”.


 


Misturando as bolas


 


O que tem a ver aquele episódio com a nomeação de Raimundo Salles à Secretaria de Cultura, Esporte e Turismo de Santo André? Que Raimundo Salles é um dos poucos políticos que agem muitas vezes como jornalista. Até prova em contrário – e os casos de jornalistas que se lançaram na política e agem como políticos não servem para misturar as bolas, porque essa é uma viagem sem volta, ou seja, quem deixou se levar pelas águas partidárias não tem mais como retornar com legitimidade ao jornalismo independente – Raimundo Salles só tem a perder quando lhe apõem a qualificação de polemista, etimologicamente mais próximo da realidade prática do que quando se trata do trabalho deste jornalista.


 


Sabe-se que a classe artística de Santo André, em larga escala, não engoliu sua nomeação à Secretaria, por tratar-se de um estranho no ninho, de um corpo estranho eivado de contaminação político-partidária. Há mais que um fundo de verdade em tudo isso, há de fato uma verdade inquestionável na observação. Então, o que fazer? Os responsáveis pela indicação de Raimundo Salles à Secretaria em questão são os próprios representantes da classe artística e de intelectuais, principalmente. Fossem mais unidos, não tivessem uns e outros rabos presos como o Poder Público a ponto de calarem-se, recrutassem propostas à aplicação de políticas voltadas à recuperação de uma atividade praticamente marginalizada, fossem, portanto, mais ativos e prospectivos, Raimundo Salles não teria virado secretário.


 


Ainda prevalece entre os produtores e executores de espetáculos artísticos em Santo André – e também na maioria dos municípios brasileiros – uma esfarelada interpretação do que seja política partidária. Contrapõe-se aos grupos engajados núcleos de puristas que entendem que a arte que dominam não deve misturar-se jamais com pressões e contrapressões típicas de regimes democráticos. Omitem-se até que o calo lhes aperte a dignidade ferida.


 


Falta comunicação


 


A queixa que gente artística de Santo André direciona neste início de mandato a Raimundo Salles, depois de ter pressionado o prefeito Carlos Grana para impedir a nomeação completamente fora do esquadro de compatibilidade funcional, é que o ex-secretário de Comunicação de São Bernardo é um péssimo comunicador. Resumidamente, além de não ser propriamente do ramo, no sentido artístico da expressão, Raimundo Salles também não tem jogo de cintura, não tem fair-play, não tem sensibilidade, não tem maleabilidade, para entrosar-se com o time de artistas. Prefere o marketing de resultados a conferir espaços para um planejamento mais denso, agudo e resolutivo sobre as questões programáticas que tanto afligem a categoria.


 


Não sei se estou conseguindo me fazer entender, mas o que a classe artística de Santo André quer, no fundo, no fundo, é que Raimundo Salles jogue menos para a plateia e mais para as coxias. Até porque, sem as coxias, a plateia acabará sofrendo novas consequências.


 


Conhecendo Raimundo Salles como conheço e sabendo como sei que é uma força da natureza politica que precisa de lapidação permanente, porque não resiste à mesmice à qual se submete a maioria que se satisfaz com o atingimento de determinado estágio de metas, provavelmente este novo artigo vai leva-lo à meditação, à reflexão e quem sabe a algumas iniciativas para não desperdiçar a aproximação com representações artísticas. Aliás, é o mínimo que se espera, caso pretenda romper para valer essa duplicidade de ação conflitante que envolve tanto um esforço inesgotável para fazer-se permanentemente político como a vocação à estridência própria do jornalismo.


 


Caso Raimundo Salles não compreenda que é impossível servir a dois senhores, à política partidária e ao jornalismo disfarçado de impetuosidade de atuação pública, acabará por aprofundar obstáculos que ao longo dos anos o levaram a consumir mais e mais energia física e intelectual para obter resultados políticos de baixa produtividade, embora produtivos.


 


Como não tenho compromisso inflexível com o elogio e muito menos com a crítica, submetendo-me tanto a um quanto à outra conforme o andar da carruagem sempre e sempre coerentemente preparada, não poderia deixar de registrar estas novas linhas sobre a performance inicial de Raimundo Salles.


 


Abrindo espaços


 


Se o secretário não entender que há uma crosta de restrições a impor-lhe senão a domesticação de ações, que seria contraproducente, mas pelo menos o compartilhamento sincero de proposições e ações, tudo indica que se consolidará sim como o secretário mais produtivo da Administração Grana, porque o combustível de iniciativas permanentes não lhe faltará; entretanto, o custo-benefício da empreitada será muito mais desgastante caso insista em sustentar arestas que somente são compulsórias para quem exercita jornalismo. Tais arestas serão possivelmente eliminadas quando a abrangência de interlocutores se estabelecer como mantra de quem sabe que a gestão pública impõe condicionalidades que a prática jornalística necessariamente descarta.


 


Raimundo Salles precisaria, portanto, perder a mania de ser um politico com espírito jornalístico, de polêmica no sentido exato do termo e também em todos os sentidos imprecisos do termo, e assumir-se exclusivamente à função pública. E função pública recomenda, quando não exige, disponibilidade permanente para ouvir interlocutores que possam contribuir com ideias, propostas e ações. É isso que a classe artística afirma esperar de Raimundo Salles.


 


Talvez a mesma situação se dê nos demais endereços dos municípios da Província do Grande ABC, e não exclusivamente entre a classe artística. A vocação dos executivos públicos da região em manter-se distantes das bases especializadas é assombrosa. Nada que surpreenda, porque o distanciamento é inspirado nos próprios prefeitos, a maioria avessa a entrevistas coletivas que permitam questionamentos longe das barreiras impostas pelas respectivas assessorias de imprensa. O mais comum é que se ergam barricadas impeditivas à curiosidade informativa daqueles que supostamente não comunguem com as verdades absolutas dos homens públicos, por mais bobagens que cometam. 


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