Contrariando (como cansamos de apontar) muitos cientistas políticos impregnados de partidarismos e ideologismos, o rombo na marca PT por conta do mensalão, medido pelo Ibope e publicado no último domingo no Estadão, não só existe como é de proporções inquietantes.
Proporções tão inquietantes, aliás, que o partido fundado sob a premissa de revolucionar os costumes políticos no País, caiu na gandaia. Tanto que as coalizões partidárias na Província do Grande ABC -- e em todo o território nacional, no mais apurado estilo peemedebista de ser -- estão aí para comprovar.
Empedernidos inimigos petistas, como o empresário e grande proprietário de áreas urbanas, Duílio Pisaneschi, protegidíssimo durante muitos anos pela direção de centro-direita do Diário do Grande ABC, período no qual foi eleito duas vezes deputado federal, caiu na farra, apoiou Carlos Grana e hoje é íntimo dos vermelhinhos que antes abominava. E é tratado com todo o desvelo pelos petistas. A exposição de apoio ao petista em cavaletes publicitários durante a campanha eleitoral rende-lhe juros e correção monetária.
Não resta ao PT senão chafurdar entre aqueles que considerava abomináveis ao projeto de reestruturação econômica e social do País. Se contar tão somente com o eleitorado que se lhe mantém fiel após a borrasca do mensalão, não terá muito futuro. Até porque, o futuro petista está guturalmente condicionado à trajetória do ex-presidente Lula da Silva.
A pesquisa do Ibope que detectou o quadro partidário sob o título “Apartidários são maioria no País pela primeira vez desde a redemocratização” pode ser analisada sob vários aspectos. Preferi a vereda do mensalão porque cansei de ler bobagens de gente letrada e sofisticada, embora pouco objetiva e sensível, que ocupa espaços na mídia, principalmente da Capital. São os mensageiros de histórias preconcebidas, sejam quais forem as ressalvas de bom senso.
Excessos bilaterais
Os analistas do mensalão se dividiram em dois grupos. O primeiro, daqueles que asseguravam que nada abalaria a força do agrupamento liderado por Lula da Silva. O segundo, daqueles que, em radical manobra opositora, previram o fim do mundo para Lula e seus seguidores. Preferi o caminho do meio, de avarias profundas que, entretanto, não destruiriam o PT, mas tampouco o colocaria numa redoma por conta de impunidades.
A contundência avaliativa de que o PT seria aniquilado só vale mesmo se tiver relação com a destruição de pressupostos de moralidade e ética, que já foram para a cucuia há muito tempo. Muito antes de emergir o mensalão, o PT já praticava o jogo convencional de conquistar maiorias nos legislativos municipais e estaduais replicando o modelo de aproximação sedutora dos partidos que tanto combatia quando emergiu para a política nacional. Celso Daniel formou a maioria do Legislativo em Santo André, em 1997, muito além da capacidade intelectual e das projeções de mudanças de quem enxergava a Província como um todo. O pulo do gato, depois transformado em mata-burros petistas, foi a descoberta óbvia de que poderia adotar conceitos de economia de escala para alcançar objetivos muito mais amplos e poderosos.
Mas vamos ao que de fato interessa: em março de 2010, segundo o Ibope, no auge do governo Lula da Silva, o PT contava com 41% do eleitorado brasileiro. Em dezembro do ano passado, na ressaca das disputas eleitorais, o eleitorado petista foi rebaixado a 24%. De longe ainda é o mais popular dos partidos políticos brasileiros (o PMDB conta com 6% e o PSDB com 5%), mas a liderança não o torna suficientemente autônomo. Muito pelo contrário. Como bem revelam, repetimos, as composições partidárias na região. As mesmas composições partidárias que exigem flexibilidade na condução do Executivo e do Legislativo. Ou seja, o emaranhado de conveniências que fere fundo qualquer programa de governo lastreado em doutrinas incensadas ao longo dos tempos.
Uma perda significativa
Perder como perdeu 41% do eleitorado em menos de três anos, principalmente na reta de chegada da apuração e das punições do mensalão, o maior julgamento da história, não é pouca coisa. É muita coisa. Tanto que não se compreendem, sinceramente, os devaneios dos chamados cientistas políticos avessos à lógica eleitoral de que seria um caso para estudos paranormais se o PT ficasse imune das repercussões que atingiram a marca. Não fosse a própria força de resistência do partido, fundamentada no imbricamento organizacional em várias instâncias e territórios, os números seriam ainda mais desagradáveis.
Que produto (e partido político é um produto negociado na bolsa de apostas eleitorais a cada campeonato de votos) teria resistido a desgaste semelhante depois do bombardeio em cadeia nacional de rádio, televisão, jornais, internet e o escambau? O PT é resiliente sim, mas agora num patamar de preferência nacional que o situa em posição incômoda quando se contrapõe aos números a quase generalizada hostilidade dos demais eleitores.
Classe média opositora
A margem de manobra de sedução petista, principalmente em áreas metropolitanas, ante leitores que preferem outras siglas e mesmo junto à maioria que não pratica o exercício de perfilar-se politicamente, é bastante estreita. Quanto maior o nível educacional e a renda, menos o PT -- outrora queridinho da classe média tradicional -- mais oposição encontra.
A matéria do Estadão que trata da preferência nacional dos eleitores brasileiros deveria ser esmiuçada nas redações de jornais. O distanciamento do eleitorado (e do leitorado) é tão expressivo do mundo político que o domínio proporcional das pautas pelas figurinhas carimbadas de sempre da política nacional, da política estadual e da política regional, é um tiro no pé da audiência. Não à toa os veículos impressos sofrem para tentar dar conta da avalanche transformadora da Internet. A pauta jornalística exageradamente voltada à cobertura política, por motivos que vão muito além de suposto interesse dos leitores, é um chute nos fundilhos da demanda reprimida por informação geral de qualidade.
Nada menos que 56% do eleitorado nacional ouvido pelo Ibope, conforme o Estadão, não tem preferência partidária alguma. Ou seja: apenas 44% dos eleitores brasileiros praticam o jogo político no sentido provável de espectadores um pouco mais antenados. Resta saber quantos, de fato, exercitam conhecimento permanente das atividades de seus representantes políticos.
Quando se estabelece confronto em relação a 1988, marco da redemocratização do País, os estragos são impressionantes. Àquela época, 65% dos eleitores revelavam preferência por alguma agremiação. Ou seja: a cada 100 eleitorais que vibraram com a retomada democrática, nada menos que 35 desistiram de torcer por suas equipes. Mas a melhor temporada de engajamento político foi mesmo em 2007, sempre segundo o Ibope, quando 66% dos brasileiros declararam preferência por alguma agremiação, contra 33% que optaram por ficar em cima do muro. Naquela temporada, a crise do mensalão não ganhara a dimensão estimulada pelo julgamento no ano passado, e o País vivia em lua de mel na economia. Lula da Silva estava bombando na presidência.
O PT na Província
Tenho curiosidade em saber qual seria o patamar de votos do PT na Província do Grande ABC. Por onde trafegaria o eleitorado vermelhinho na média regional? Estaria entre os 27% dos entrevistados no Nordeste, os 26% no Sudeste, os 22% no Sul ou os 11% no Norte/Centro Oeste?
Acho que não cometerei bobagem em colocar a agremiação um pouco acima dos 27% da preferência dos nordestinos. Alcançaria provavelmente 33% na região, resultado direto da histórica relação trabalhista, fundamentada no espraiamento da força sindical. É claro que não chegaria a 10% em São Caetano, onde ganhou as eleições do ano passado com o cavalo de Troia peemedebista Paulo Pinheiro. Mas passaria de 40% em Diadema, estaria próximo disso em São Bernardo, registraria cerca de 30% em Santo André, pouco mais de 35% em Mauá e não mais que 25% em Ribeirão Pires e em Rio Grande da Serra. Chutes, chutes, chutes? Verdade. Mas chutes de quem observa a regionalidade há muito tempo sem se deixar prender por dogmatismos.
O PT antigo, aquele das fórmulas mágicas de superação dos problemas econômicos, políticos e comportamentais da sociedade como um todo, jamais sensibilizou a classe média da Província do Grande ABC com o mesmo poder de sedução com que se aproximou da classe média das metrópoles mais importantes, a qual enxergou no então sindicalista Lula da Silva e em tantos seguidores a salvação da lavoura.
Por força das estridências dos embates trabalhistas na região, a classe média tradicional da região sempre foi e continua sendo avessa ao petismo. Com razões de sobra, de um lado, e preconceitos idiotas, de outra. É claro que devagar, devagarzinho, representantes econômicos dessa classe média tradicional bandeiam despudoradamente em direção ao petismo prevaricador destes tempos, embora o detestasse no período de suposta pureza d´alma. Essa migração, entretanto, manifesta-se apenas entre uma parte daqueles mais engajados politicamente, com olhares agudos nas questões econômicas.
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19/11/2024 PESQUISAS ELEITORAIS ALÉM DOS NÚMEROS (24)