Uma pena que um político que despontou com força de renovação tenha caído no marasmo a ponto de tornar-se estafeta do governador do Estado na distribuição de migalhas de emendas parlamentares, como tantos outros legisladores. Orlando Morando tem, por exemplo, milhões de motivos para colocar o trecho sul do Rodoanel como ponto político no currículo. Fosse um político que levasse mais a sério a possibilidade de um dia virar prefeito em São Bernardo, sonho que divide com o também deputado estadual Alex Manente, o Rodoanel Sul não teria sido apenas um trajeto viário que passou por sua vida como instrumento eleitoral.
Então presidente da Comissão de Transportes e Comunicações do Legislativo Paulista, Morando poderia ter ido além, muito além, dos benefícios obtidos ao promover andanças e palestras como missionário daquela obra, como, aliás, retratei numa Reportagem de Capa da revista LivreMercado em 2008.
Duvido que exista jornalista que não tenha se arrependido de escrever algumas reportagens ao longo da carreira. Já aconteceu comigo. Disse “matérias”, não “artigos”, “análises”, que são instrumentais diferentes, porque autorais. Sobre o missionário do Rodoanel, com Orlando Morando de protagonista, não me arrependo não, embora pudesse me arrepender. De fato o deputado esmerou-se em cuidar daquele trajeto porque sabia que, à parte eventual interesse coletivo, o marketing lhe seria bastante favorável.
O que se passou nos anos seguintes, isto sim, é que me causa arrependimento. E estou procurando reparar agora. Trata-se da completa omissão do deputado estadual. Os exageros econômicos e de qualidade de vida traçados pelo deputado não se confirmaram. Alias, principalmente sobre os efeitos econômicos, fomos a primeira voz a se levantar na região para alertar sobre os riscos do Rodoanel Sul porque poderia em vez de contribuir para a atratividade de novos empreendimentos industriais, provocar mais esvaziamento. Tudo porque no coquetel de fatores de levam os investidores a definirem localidades, a tangencialidade e as limitações de acesso ao traçado são obstáculos quase intransponíveis a positividades. E, contrariamente, evoca novas deserções ao baratear a logística rumo ao Porto de Santos.
Muito mais grave que isso, entretanto, foi a retirada do Rodoanel Sul da agenda de Orlando Morando. Hão de dizer os simplórios de sempre que não haveria mais nada a fazer depois da inauguração da obra. Qual nada! Há muito a fazer. Que tal um completo diagnóstico sobre o fluxo de veículos de passeio e de caminhões naquele traçado, definindo-se estatisticamente em que proporção e para onde se dirigem os veículos que optam pelos endereços da região? Sobretudo os caminhões, a que servem quando ingressam no território regional? Quais tipos de empresas atendem? Qual seria a demanda reprimida? Como atender aos interessados?
Milhões de razões
Não vou me estender para detalhar pelo menos 10 pontos que poderiam ser organizados para definir até onde o Rodoanel Sul de fato é uma obra com impacto regional. Os primeiros dados estatísticos (PIB e Valor Adicionado) que abrangem um ou dois anos pós- implantação da obra descredenciam os ufanistas. Continuamos a perder a corrida de desenvolvimento econômico para vizinhos de outros territórios. Mas tudo isso poderia ser aprofundado se Orlando Morando, com milhões de razões para satisfazer-se com o que já fez no Rodoanel, se lançasse numa empreitada carregada de comprometimento econômico e social.
Vou mais longe ao sugerir uma perspectiva desafiadora ao empenho seletivo de Orlando Morando. Trata-se do seguinte: já que a Província do Grande ABC foi incapaz e incompetente para organizar-se, preparar-se, planejar-se para receber o traçado do Rodoanel Sul, que tal, mesmo tardiamente, mas não inutilmente, o deputado Orlando Morando montar um grupo de especialistas para detectar quais são, ainda, os pontos positivos e negativos dos espaços disponíveis ou possivelmente a serem disponibilizados para atrair empreendimentos produtivos que gerem empregos e tributos?
Seria uma enorme surpresa se, depois de lavar a alma com milhões de motivos para fazer do Rodoanel Sul um espetáculo de mobilidade pessoal, Orlando Morando, desse à obra, incensada como a melhor esquina do Brasil, algo que não fosse a indiferença de quem provavelmente se sente mais que satisfeito por ter extraído o máximo do empreendimento.
Ônus subestimado?
É possível até que Orlando Morando subestime os ônus que o vácuo político pós-inauguração do Rodoanel Sul poderá provocar em sua carreira, embora não lhe falte justa ambição de seguir em frente na expectativa de jogar-se de corpo e alma numa campanha sucessória para tentar recuperar o tempo perdido, depois da derrota para o petista Luiz Marinho em 2008 na disputa pela Prefeitura de São Bernardo.
Talvez Orlando Morando faça pouco caso do efeito bumerangue que o Rodoanel Sul poderia provocar em seus sonhos, desdenhando que o pau promocional que bate em Chico é o mesmo pau de contrariedades que bate em Francisco. Possivelmente Orlando Morando compreenda mais essa metáfora do que a maioria dos leitores.
O chamado por mim missionário do Rodoanel talvez tenha se convencido de que possua aura de beatificação a imunizá-lo dos percalços dos milhões de motivos para preocupar-se com aquela obra. Um excesso de otimismo que não combina com as digitais pretéritas. O Rodoanel Sul é um divisor de águas na carreira de Orlando Morando porque o embalou na campanha para a reeleição a deputado e estreitou as relações com a cúpula dos tucanos paulistas, colocando-se como um dos coordenadores da campanha do ex-governador José Serra à Prefeitura de São Paulo.
Resta saber se, no futuro, todo o patrimônio político que detém, entre outros motivos porque é determinadíssimo, não vai se evaporar porque supostamente teria se convencido de que o Rodoanel Sul já teria lhe dado tudo o que esperava e merecia, sem contraindicações.
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