Administração Pública

Paço de São Bernardo na Kennedy,
uma bobagem que completa 12 anos

DANIEL LIMA - 15/02/2013

A profusão, a irresponsabilidade, a loucura e algo assemelhado de promessas de administradores públicos na Província do Grande ABC só se consolidam como doença infecciosa que o tempo não consegue domar quando observadas com o respaldo de retrospectiva séria. Entre as grandes bobagens vendidas aos consumidores de informação e que permaneceriam escondidinhas das páginas de jornais que mal cuidam do dia a dia de hoje, quanto mais no dia a dia de ontem, está a anunciadíssima transferência do Paço Municipal de São Bernardo para a Avenida Kennedy.


 


Mais que isso: a Avenida Kennedy seria um complexo invejável de serviços públicos, com o espalhar de atividades sob controle municipal. Doze anos depois, construiu-se naquela área o Fórum de Justiça, uma extensão da pobre Universidade Federal do Grande ABC, um ginásio de esportes e o que seria o chamariz de tudo isso, a sede do governo municipal, segue onde está faz muito tempo, nas proximidades do Shopping Metrópole. Num local, segundo disse o então prefeito Maurício Soares, em janeiro de 2001, absolutamente sob-risco de incêndio, desconfortável para os servidores públicos e administrativamente condenado por não fornecer complementaridade funcional entre as várias secretarias, a ponto de provocar a fragmentação física e operacional de várias pastas.


 


Na verdade, o então prefeito Maurício Soares não surpreendeu a ninguém quando no segundo dia do novo mandato, em 2 de janeiro de 2001, reuniu o secretariado e a Imprensa para, entre as iniciativas que alinhavou para mais quatro anos de governo, retirar o Paço Municipal da Praça Tancredo Neves. Disse Mauricio Soares, à época, que em caso de incêndio os forros e as divisórias serviriam de combustível adicional ao risco de segurança que envolvia o excesso de servidores públicos. Sem contar, alertou o então prefeito, que o prédio estava sujeito demais à intempérie: “Quando chove, todos os andares apresentam goteiras”, disse o prefeito.


 


Plano mirabolante


 


O plano de Maurício Soares também direcionava a valorização imobiliária em São Bernardo. Ninguém é de ferro na Administração Pública a ponto de opor-se às demandas mais que compensatórias dos mercadores sempre à espreita. O projeto fundamentava-se em parcerias com a iniciativa privada de forma que “a administração não gastará um centavo do erário municipal”. Mais, disse o prefeito: “O Município oferece em contrapartida aos interessados todas as contas da Administração por um período legal de cinco anos prorrogáveis por mais dois anos. O prazo de sete anos é renovável por mais cinco, dependendo da próxima administração”, afirmou o então prefeito.


 


Quem acha que Maurício Soares disse apenas isso à Imprensa que se lambia de entusiasmo com o anúncio, porque sempre é assim quando se alardeiam novidades na praça, está redondamente enganado. Eis o que declarou em seguida: “Mais de uma dezena de bancos (estão) interessados”. E completou dizendo que a Administração contava com mais de R$ 100 milhões de movimentação financeira por dia. “Oferecemos a Administração de todas as contas, seguros, aplicações financeiras, enfim, tudo o que o Município movimenta”, disse.


 


Sabe-se que as contas, todas as contas, da Prefeitura de São Bernardo foram repassadas a instituição financeira, mas o tal Paço Municipal não saiu do lugar inseguro, segundo a versão do prefeito de então. Já naquela época se falava muito do acerto de contas da Administração Municipal com o setor previdenciário. O passivo acabou contornado mais tarde com o repasse de parte da área inicialmente destinada ao entorno do Paço Municipal na Avenida Kennedy.


 


O terreno da Villares, metalúrgica com sede entre a Avenida Kennedy e a Avenida Senador Vergueiro, acabou arrematado em circunstâncias delituosas apontadas aqui nesta revista digital. O processo licitatório se deu mais adiante, em julho de 2008. Mas outras áreas foram levadas à negociação pública mais que cabeludas. Caso do grandioso terreno da Tecelagem Tognato, sob a zona de influência direta da Avenida Kennedy. Ali se ergue um dos maiores micos imobiliários da praça regional, o Domo, com alguns milhares de apartamentos e salas comerciais inteiramente desocupados.


 


A necropsia do novo Paço Municipal de Maurício Soares é apenas uma das muitas caveiras de triunfalismo enterradas na aridez do solo regional mas que, enquanto se apresentava como prova da pujança econômica, se convertia em combustível de emulações grandiloquentes. Nada muito diferente do que se vê nestes dias com o desfilar de promessas a ocupar acriticamente páginas e páginas de jornais. O Aeroportozão prometido pelo prefeito Luiz Marinho, com apoio de gente graduada, foi a maior de todas as barbaridades dos últimos tempos. Desconfia-se que se inspirou no novo Paço Municipal de Maurício Solares.


 


Um novo Centro


 


A manchete do Diário do Grande ABC de 4 de março de 2001 (portanto, dois meses após a reunião do secretariado de Maurício Soares) não deixava dúvidas sobre as intenções do prefeito: “Av. Kenedy vai ser novo Centro”. Tudo a reboque do Paço Municipal que, repetimos, jamais chegou ali.


 


A centralidade da Avenida Kennedy não seria uma obra qualquer. Incorporava-se à decisão de cunho também urbanístico a extensão da Avenida São Paulo, no Bairro Jordanópolis, até aquele que seria o novo endereço do Paço Municipal de São Bernardo. “O papel da Avenida São Paulo será servir de acesso ao novo Paço, como alternativa viária para a região, absorvendo o aumento no tráfego de veículos em virtude da mudança”, disse Maurício Soares ao mesmo Diário do Grande ABC.


 


O então secretário de Obras, Otávio Manente, pai do atual deputado estadual Alex Manente e homem forte de Maurício Soares, previa que para evitar o caos viário da área, o trecho entre o novo Paço Municipal e a Via Anchieta deveria estar pronto antes da conclusão das obras do centro administrativo. “Dessa forma, vamos garantir uma válvula de escape para a região”.


 


Otávio Manente foi mais longe. Disse que os benefícios da Avenida São Paulo estendida à Avenida Kennedy não estariam restritos a uma determinada região, mas atingiriam todo o Município, o que seria uma ligação entre a zona Leste e Oeste da cidade. “Aliviará também o impacto que existe atualmente em alguns trevos viários de São Bernardo e será mais uma nova rota de acesso do Município a outras áreas do Grande ABC” – afirmou o então secretário, morto há pouco mais de dois anos.


 


Foram muitas as matérias publicadas sobre um novo Paço Municipal em São Bernardo, até que o assunto caísse no esquecimento geral. Aliás, nada diferente de tantos outros projetos que, de forma aleatória, procuraremos trazer a estas páginas digitais na medida em que, agora ilhado por pastas preciosas de meu arquivo de papel, terei mais facilidades de rastrear.  Antes, no sótão residencial, exigia uma logística tortuosa composta de muitos degraus e uma escadinha maliciosamente traiçoeira a quem já sente os efeitos do tempo.


 


Flores e espinhos


 


Tenho cá comigo que se delineiam com evidências duas maneiras de entender a Província do Grande ABC do passado, do presente e do futuro. Em termos sociológicos no sentido mais extenso do conceito, as abordagens de Ademir Médici no Diário do Grande ABC são sempre oportunas. E muito mais detalhadas nos livros que pacientemente produz. Nada a surpreender quem passou tanto tempo na fila para ver seu time campeão em 1977 e hoje, certamente, está a rir sozinho.


 


A segunda opção, que completa a primeira, é mergulhar nesta revista digital. Ademir trata do passado social para que se entenda o presente da Província. Já este jornalista trata do futuro tendo por base as decepções do passado e a letargia do presente.


 


É claro que Ademir Médici é muito mais bem-aventurado do que este jornalista, porque cuida de tudo com um texto saborosamente saudosista, reprodutor dos bons tempos que não voltam mais, deixando sempre um gostinho de saudade nas páginas. Já este jornalista enfia sem anestesia a agulha do inconformismo num tecido socioeconômico incapaz de gerar adrenalina no amanhã. Ossos do ofício, o que fazer? Ele é jurado de passarela de moçoilas. Chamaram-me para um encontro de bruxas.


 


Ademir Médici é o melhor e mais habilidoso entregador de flores do jornalismo regional, um profissional com quem trabalhei e admiro profundamente. Já este jornalista é portador quase sistemático das notícias mais duramente necessárias à compreensão desse mesmo habitat. Há uma linha divisória mais que nítida a aparentemente nos desunir mas, se observada bem de perto, bem de pertinho, somos metades complementares da mesma laranja. A diferença é que a metade comprometida pelo tempo ficou comigo.


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