Administração Pública

Marco Zero: mais revelações e mais
mentiras de Milton Bigucci ao MP

DANIEL LIMA - 11/03/2013

O autônomo Darci da Silva, morador em São Bernardo, acompanhou atentamente o leilão do terreno de 15,9 mil metros que a MBigucci arrematou irregularmente em 10 de julho de 2008 e onde se pretende construir sob a impunidade da Administração Luiz Marinho o empreendimento Marco Zero -- conjunto de apartamentos, salas comerciais e áreas de serviços na nobre esquina da Avenida Kennedy e da Avenida Senador Vergueiro. Darci da Silva prestou testemunho na 6ª Vara Cível Central de São Paulo no caso que envolve o corretor de imóveis José Azevedo Moreira e a Even Construtora, parceira da MBigucci e da Braido Construtora no fraudulento negócio imobiliário.


 


CapitalSocial reproduz os trechos principais do breve testemunho de Darci da Silva, que integra o processo judicial vencido apenas em parte por José Azevedo Moreira. Vencido em parte porque a Justiça paulistana reconheceu que houve irregularidade durante o leilão, a ponto de considerar a demanda do corretor de imóveis respaldada pelo Direito, mas não lhe respondeu de forma esperada quanto ao valor da indenização, muito abaixo do pretendido. Atribuiu-se a José Moreira a função de consultor e não de corretor imobiliário. Daí, o recurso impetrado. As declarações de Darci da Silva:


 


 No dia do leilão estive presente e notei que a ré (Even) não ofereceu nenhum lance. Apesar disso, presenciei o representante da ré dizer a membro da mesa licitante “nós não demos lance, mas fizemos parte do negócio”. Também o vi cumprimentar os licitantes vencedores. Às reperguntas da advogada do autor, respondeu: “Recordo-me de que o leiloeiro teria advertido as partes de que não era possível constituir no dia do certame nenhum consórcio”.


 


O último parágrafo da reprodução do testemunho de Darci da Silva é mais importante do que parece. E CapitalSocial vai explicá-lo neste quarto macrocapítulo que aprofunda provas já desnecessárias sobre a tramoia perpetrada por MBigucci, Even e Braido no arremate da área pública subavaliada naquele leilão. 


 


A MBigucci, através da Big Top 2, uma SPE (Sociedade de Propósito Específico) criada 40 dias antes do evento com capital social de R$ 1 mil, arrematou a área por R$ 14 milhões. O valor de mercado, segundo especialistas ouvidos por CapitalSocial, ultrapassava a R$ 30 milhões. O mercado imobiliário regional, e nacional como um todo, vivia momentos de esplendor. Ao contrário, portanto, do que informaram os arrematantes oficiais e ocultos ao Ministério Público Estadual de São Bernardo, núcleo do Gaeco (Grupo de Atuação Especial contra o Crime Organizado), comandado pela promotora Mylene Comploier.  Já expusemos essa contradição no terceiro macrocapítulo.


 


Negando o inegável


 


Afinal, o que apresentou Milton Bigucci em sua defesa escrita ao Gaeco de São Bernardo sobre a participação oculta da Even e da Braido no leilão público? É claro que negou, embora os depósitos bancários daquelas empresas na conta específica da Prefeitura de São Bernardo do arremate da área, em oposição aos termos do edital de licitação, dissolvam suas alegações.


 


A MBigucci dividiu boa parte da responsabilidade de pagamento do terreno arrematado com a Even e a Braido, o que contrariava frontalmente os termos do edital, os quais determinavam que caberia apenas ao arrematante o resgaste do lance vencedor. Tanto a Prefeitura de São Bernardo como o Ministério Público já poderiam ter anulado ou determinado a anulação daquele evento. Os pagamentos fora dos termos do edital são uma confissão tácita da tramoia, que consistiu em associação ilegítima durante o leilão. 


 


Mas, o que disse Milton Bigucci ao Ministério Público de São Bernardo sobre a operação oculta das duas empresas parceiras durante o leilão?  Os trechos que se seguem foram retirados da documentação encaminhada pelo MP ao Judiciário de São Bernardo como um dos pontos que justificaram o pedido de arquivamento do processo. A decisão do MP contraria todas as provas disponibilizadas por CapitalSocial com base em decisão de processo já julgado em São Paulo. As declarações de Milton Bigucci que o MP aceitou como verdadeiras:


 


 A Big Top 2 participou sozinha do leilão. Não havia como comprar parte da área. Ou comprava o imóvel inteiro sozinha ou não comprova nada, não havia outra opção. E assim foi feito. Se houvesse interesse da Big Top 2 em se associar com a Braido e Even no dia do leilão, por que então a mesma não o fez? Bastaria ter assinado a ata em conjunto, e nada mais, já que esta associação era permitida nos termos do Edital do Leilão. Inclusive vários outros interessados participaram do leilão de forma associada. A resposta é simples e clara: a Big Top 2 não se associou no dia do leilão porque naquele momento não tinha esta intenção, e só passou a ter a intenção em data posterior, quando o terreno arrematado já lhe pertencia. Frisa-se que tal intenção posterior ao leilão não era em fazer sociedade no terreno, e sim em diluir cotas da empresa Big Top 2, única dona do imóvel arrematado. Se a Big Top 2 só possui o terreno arrematado como ativo é algo que já não mais interessa a terceiros, tendo em vista que os negócios da Big Top 2 são particulares e, portanto, só interessam a ela e àqueles que desejarem fazer negócios com ela. Ninguém mais.


 


Método de convencimento


 


As declarações do empresário Milton Bigucci, comandante da MBigucci e representante da Big Top 2 durante o leilão, é uma mistura de meias verdades, mentiras inteiras e total arrogância. Nada que surpreenda quem conhece os métodos de convencimento do empresário. O que se lamenta é que o Ministério Público de São Bernardo tenha aceitado as afirmações como verdades absolutas. CapitalSocial sempre se colocou à disposição do MP para esclarecimentos e apresentação de provas.


 


Vamos então aos pontos concretos que desmascaram as declarações de Milton Bigucci.


 


A afirmativa de que bastaria às representações da MBigucci (Big Top 2) da Braido e da Even assinarem a ata do leilão para que o consórcio das três empresas se configurasse legalmente, utilizando como exemplos outras empresas que se associaram, é uma falácia. Uma leitura atenta do Edital do Leilão desqualifica as declarações e as remetem ao descaramento e irresponsabilidade ante um organismo ministerial. Eis o que diz o edital sobre procedimentos licitatórios e julgamento, no item “b”, relativo à pessoa jurídica, sobre a obrigatoriedade de apresentação de documentos especificados para fins de aptidão:


 


 Cópia autenticada da Inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica do Ministério da Fazenda (CNPJ/MP); Cópia autenticada do Instrumento de constituição da (s) pessoa (s) jurídica (s); Cópias autenticadas da Carteira de Identidade (RG) e do Cadastro Nacional da Pessoa Física do Ministério da Fazenda (CPF/MF) dos sócios, diretores ou gerentes que representem a(s) participante(s), ou do Procurador (es) constituído(s), se o caso. B1) -- Em se tratando de representante constituído através de procuração, esta deverá se dar por Instrumento Público com poderes para realização de todos os atos a serem praticados no leilão e destes decorrentes, notadamente para: oferta de lance, desistência ou interposição de recursos/impugnações, assinatura da Ata de Arrematação, pagamento e assinatura de escritura de venda e compra; B2) – É facultada a reunião de pessoas jurídicas para fins de participação neste leilão, devendo-se, para tanto, comprovar-se tal fato mediante expressa declaração das partes, através de instrumento particular com firmas reconhecidas, no qual deverá ser apontado aquele que fará os lances verbais em nome das envolvidas. Esse instrumento não afasta o necessário atendimento à alínea “b”. O atendimento a alínea “b1” se fará necessário, caso qualquer dos envolvidos tenha que se fazer representar por procuração. 2.1.1.1. – A faculdade conferida pelas alíneas (...) poderá abranger a hipótese de reunião entre pessoas físicas e jurídicas, devendo tal fato ser comprovado mediante expressa declaração das partes, através de instrumento particular com firmas reconhecidas, no qual deverá ser apontado aquele que fará os lances verbais em nome dos envolvidos, sem prejuízo do necessário atendimento (...) dada a especificidade de cada pessoa (física/jurídica).


 


Simplificando o processo


 


Como se observa, o empresário Milton Bigucci simplificou a seu modo, sempre em benefício próprio, o processo burocrático do leilão do imóvel arrematado pelo conglomerado que comanda com o objetivo explícito de tornar autêntica uma encenação. O MP aceitou passivamente as declarações de Milton Bigucci, que colidem frontalmente com os termos do edital do leilão. A formalização do consórcio que arrematou irregularmente o terreno onde se pretende construir o Marco Zero teria de obedecer a um ritual administrativo, como o fizeram as demais empresas que se associaram. Um dos pontos que constam da ata do leilão e que seria impossível atender para o enquadramento na legalidade da disputa é o reconhecimento de firmas das empresas que se consorciariam. Ao que consta, o leilão foi realizado na sede da Secretaria de Finanças da Prefeitura de São Bernardo, não em cartório de registros.


 


Houvesse a facilidade apregoada por Milton Bigucci, e tendo sido o leilão manipulado por ele e por representantes da Even e da Braido, a operação teria se desenvolvido com um arcabouço indestrutível sob o ponto de vista legal. Ou seja: Bigucci, Even e Braido teriam sim dado um drible da vaca nos cofres públicos, como o fizeram, adquirindo um bem público por menos da metade do valor do mercado. Nada poderia ser contraposto como denúncias porque teriam seguido rito processual inabalável.


 


O consorciamento automático durante o leilão, sugerido por Milton Bigucci para tentar fortalecer o esfarrapado argumento de que não houve ilegalidades, não era apenas um passo burocrático a mais, mas uma caminhada que passaria obrigatoriamente por alguma unidade de cartório de registros. Como o fizeram previamente as empresas que decidiram participar coletivamente do leilão.


 


Se o pau da barraca da mentira de Milton Bigucci na defesa apresentada ao Ministério Público sobre os detalhes burocráticos do leilão é solenemente chutado pelos fatos, o que dizer então das declarações que remetem à inconsistente informação de que a sociedade com a Even e a Braido não foi objeto de desejo para comprar o terreno arrematado?


 


O problema do empresário Milton Bigucci é que provavelmente tem dupla dificuldade à compreensão dos fatos que viveu como protagonista, porque não admite que tenha falhado e que a máscara tenha caído. Milton Bigucci viveria, portanto, no País de Alice.  Ele esqueceu o que assinou e subestima a capacidade de terceiros interpretarem nuances à luz da realidade e das provas. O Ministério Público aceitou aquelas declarações de Milton Bigucci porque não dispunha (apesar de todo o empenho em contrário de CapitalSocial) de documentação que remetia o pronunciamento do empresário ao banco dos réus.


 


Documento incriminador


 


Como parte da operação Marco Zero, denominação que naquele julho de 2008 provavelmente ainda não constava do portfólio de marketing da MBigucci, a empresa de Milton Bigucci, a Braido e a Even assinaram um documento preciosamente revelador em 15 de julho daquele ano. Ou seja, três dias úteis após o arremate irregular e vinculadíssimo aos acertos de bastidores que determinaram a aquisição do terreno de forma delituosa.


 


Chamado de “Carta de Intenções”, o documento ganha a forma de confissão tácita do delito e desmoraliza a argumentação de Milton Bigucci ao MP, principalmente no trecho em que afirma que a associação firmada entre as partes se referia a cotas de capital social da Big Top 2, empresa que oficialmente representou a MBigucci no leilão.


 


Alguns dos principais trechos do “Carta de Intenções” são mais que esclarecedores:


 


 Considerando que, em 10 de julho de 2008, a Big Top 2, Incorporadora Ltda. (SPE) adquiriu por meio de leilão um terreno de 15.898,00 metros quadrados, parte da área maior da matrícula No 13.933, no Primeiro Registro de Imóveis da Cidade de São Bernardo do Campo; Considerando que o valor total do terreno é de R$ 14 milhões, o qual deverá ser pago em oito parcelas; Considerando que a Construbig é titular da SPE; Considerando que as partes desejam desenvolver, em conjunto, um empreendimento no terreno (o empreendimento); Considerando que cada uma das partes deterá participação de um terço no empreendimento; e considerando que para o desenvolvimento do empreendimento as partes celebrarão, entre outros, um contrato de parceria que constará, entre outros, os termos e condições relacionadas ao desenvolvimento do empreendimento, a remuneração das partes, a forma de associação, bem como as atividades de responsabilidade de cada uma delas (a “Documentação Definitiva” e a “Parceria”), respectivamente, resolvem as partes celebrar esta presenta Carta de Intenções (a “Carta de Intenções”) que regerá pelas seguintes cláusulas e condições: Observado o disposto na Cláusula 2, por meio desta Carta de Intenções, se comprometem a pagar, de maneira não solidária, o valor equivalente a um terço do preço total do terreno, seja através de compra de participação da SPE, seja através de aporte em consórcio ou SCP a serem criados. A Construbig, neste ano, reconhece o depósito realizado nesta data pela Even a seu favor, na conta corrente (...) no valor de R$ 233.333.34 (o “Sinal”). A Construbig reconhece ainda que esse valor é equivalente a um terço do sinal de 5% do preço total do terreno pago por ela naquela data; a Construbig, neste ato, reconhece o depósito realizado nesta data pela Braido a seu favor, na conta corrente (...) no valor de R$ 233.333.14 (o “Sinal”). A Construbig reconhece ainda que esse valor é equivalente a um terço do sinal de 5% do preço total do terreno pago por ela naquela data.


 


Como é possível dispor desse documento por demais esclarecedor e tipificador das manipulações que cercaram o leilão do terreno em que se pretende construir o Marco Zero? Ora, a prova integra o processo já julgado em São Paulo e que tem o corretor de imóveis José Azevedo Moreira como pleiteante da comissão de 6% a que tem direito por ter produzido série de ações de campo e também técnicas para subsidiar a participação da Even Construtora no leilão. Essa “Carta de Intenções” foi juntada ao processo do corretor de imóveis pela Even Construtora, na patética tentativa de defender-se.


 


Vinculação automática


 


Assinado três dias úteis depois entre as partes que fraudaram o leilão promovido pela Prefeitura de São Bernardo, o documento é um choque no conjunto de bobagens que Milton Bigucci apresentou como defesa ao Ministério Público. A empresa “Construbig”, citada na “Carta de Intenções”, é a holding do conglomerado comandado por Milton Bigucci, também presidente da Associação dos Construtores do Grande ABC.


 


Os termos da “Carta de Intenções” também não deixam dúvida sobre o relacionamento direto e compulsório entre os valores depositados pela Braido e pela Even na conta corrente da Construbig imediatamente após o fraudulento leilão. Os mais de R$ 200 mil de participação de cada empresa parceira referem-se, como diz o documento, a um terço do sinal de R$ 700 mil do valor do terreno arrematado. A desfaçatez da defesa de Milton Bigucci no Ministério Público ao negar o vínculo dos recursos àquela área é estonteante. Quem o subestimar como autor de ficção provavelmente quebrará a cara. Veja:


 


 “Tanto a Even como a Braido nunca compraram o imóvel, nem em data posterior ao leilão. As duas empresas pretendiam adquirir cotas sociais da Big Top 2. Os sócios da Big Top 2 aceitaram essa condição requerida pela Even e Braido, da realização da análise jurídica, contábil, previdenciária, trabalhista, dentro outras, o que foi denominada de “Due Diligence”. No entanto, a Big Top 2 colocou uma condição para aceitar o negócio, já que a mesma havia comprado sozinha o imóvel e havia desembolsado o investimento. A Big Top 2 entendeu que se as outras duas empresas quisessem realmente adquirir parte das suas cotas sociais, as mesmas deveriam demonstrar financeiramente que estavam aptas a adquirir as cotas e propôs que as mesmas realizassem adiantamentos contra a sociedade, os adiantamentos de terceiros, cujos valores seriam devolvidos pela Big Top 2 na hipótese de alguma das empresas, após a análise da Due Diligence, não desejasse seguir adiante no negócio.


 


Quem quiser mais firulas fantasiosas de Milton Bigucci basta continuar a acompanhar suas declarações ao Ministério Público de São Bernardo, que as tomou como verdadeiras a ponto de remeter a denúncia a arquivamento.


 


 Com a Carta de Intenção assinada, a Even e a Braido começaram a realizar os seus adiantamentos na empresa Big Top 2. As parcelas do imóvel arrematado pela Big Top 2 foram quitadas normalmente pela própria Big Top 2. Frisa-se que tais adiantamentos à empresa e pagamentos à municipalidade foram totalmente contabilizados na forma da lei.


 


Omitindo informações


 


É claro que Milton Bigucci não informou ao Ministério Público sobre o trâmite burocrático do pagamento das parcelas do terreno arrematado. Os depósitos das parcelas da Braido e da Even não foram efetivados na conta corrente da empresa de Milton Bigucci, mas direta e indevidamente na conta corrente especificada pela Prefeitura no edital do leilão. Apenas o valor correspondente a dois terços do sinal de R$ 700 mil do arremate formal de Milton Bigucci durante o leilão foram depositado na conta corrente da Construbig (a holding dos Bigucci), correspondentes às participações da Braido e da Even. Seria demais esperar que a fraude do arremate fosse coroada na sede da Secretaria de Finanças de São Bernardo com o pagamento dos R$ 700 mil de forma explicitamente compartilhada pelas três empresas.


 


Quando se espera que a defesa apresentada por Milton Bigucci já atingiu o mais alto patamar de imprevidência e descalabro, o parágrafo ou o tópico seguinte é sempre uma ameaça a reformulação da expectativa. Alguns novos trechos são imperdíveis:


 


 Se o intuito destas empresas fosse agir em conluio para fraudar a licitação, não teriam participado do certame nem tampouco disputado entre si, efetuando lances para a aquisição do imóvel, haja vista que este fato acarretou o aumento do preço do imóvel. Não há que se falar em fraude. Havia outros presentes no leilão. Se alguém se sentiu prejudicado, porque não pagaram mais, não ofertaram maior lance? Foram vários os lances dados pelos presentes. Nunca nenhum participante entrou com qualquer protesto ou impugnação do leilão.


 


É claro que Milton Bigucci sofisma. Se fosse verdadeira a premissa de que empresas que não pretendem fraudar licitações não participariam de licitações, as licitações não seriam o que são, ou seja, um laboratório privilegiado à sofisticação da malandragem. A literatura de delitos do gênero é imensa. E sempre a reunir várias empresas em conluio. Afinal, é preciso dar representatividade, e suposta transparência ao planejamento e à execução das manobras para parecer tudo legal numa ilegalidade despudorada.


 


Muitos dos fraudadores de leilões obtêm sucesso e jamais são questionados porque não há denunciantes à vista entre outras razões porque supostos concorrentes não passam mesmo de parceiros. Outros, como é o caso envolvendo Milton Bigucci e seus sócios ocultos, ou não tão ocultos assim, deixam rastros demais e acabam surpreendidos com um movimento estranho ao roteiro imaginado. No caso, foi a ação do corretor José Azevedo Moreira, inconformado por ter sido passado para trás pela Even Construtora.


 


Fora dos lances


 


Milton Bigucci também distorce a realidade dos fatos quando afirma que a Even Construtora participou do leilão com lances. No processo judicial do corretor José Azevedo Moreira, um executivo da Even, ouvido em juízo, afirmou que a empresa não efetivou nenhum lance. Emerson Inácio de Souza, o executivo, ocupava o cargo de analista de terrenos. “Não ingressamos no leilão apenas porque os lances ultrapassaram nossa capacidade financeira” – disse ao Judiciário paulistano.


 


Quem pretender resgatar um breve histórico dos supostos lances que determinaram a suposta corrida pela aquisição do terreno vai perder tempo. Não há registros. Quem acompanhou o leilão, como o autônomo Darci da Silva e o corretor José Azevedo Moreira, não têm dúvidas sobre os entendimentos prévios entre os representantes da MBigucci, da Braido e da Even.


 


Não faltaram criatividade e caradurismo a Milton Bigucci nas explicações ao Ministério Público de São Bernardo para tentar explicar o regime de SPE (Sociedade de Propósito Específico) da Big Top 2, empresa dos tentáculos da MBigucci escolhida para dar cobertura à operação fraudulenta. Vejam o que o empresário escreveu:


 


 Apenas a título de esclarecimento, as incorporadoras brasileiras usualmente constituem as chamadas SPEs (Sociedade de Propósito Específico) que nada mais são do que empresas que são constituídas na forma da lei com objetivo específico de realizar um empreendimento imobiliário e, ao término deste, estas SPEs geralmente são encerradas. Tal prática é praxe no mercado imobiliário brasileiro e inclusive é algo exigido por alguns bancos como condição para aprovação do financiamento do recebimento do valor mutuado à incorporadora, e ainda, segregando o fluxo de caixa de cada empreendimento de forma a não prejudicar os adquirentes em caso de falta de recurso em outros empreendimentos. Tal prática começou a ser adotada no Brasil após o evento Encol, em que milhares de famílias perderam seus imóveis com a falência da Construtora Encol, uma das maiores do Brasil na época. É prática muito comum e legal.  Na prática, as incorporadoras precisam constituir as empresas antes da aquisição de algum imóvel, para que seja possível na data da compra poder assinar os instrumentos aquisitivos. Não se pode deixar para constituir as empresas após a compra do imóvel, pois há um trâmite burocrático para abertura de empresas, registro na Junta de comércio, criação de CNPS, entre outros. Diante disso, as incorporadoras constituem várias empresas e as deixam “à espera” da oportunidade de aquisição de um terreno. No mercado imobiliário, são as conhecidas empresas de “prateleira”, que são aquelas que ficam na “prateleira”, aguardando a compra de algum terreno. Como essas empresas são de “prateleira”, e na data de sua constituição elas não possuem nenhum ativo, as mesmas são constituídas com capital social de baixo valor, geralmente entre R$ 1 mil e R$ 10 mil. Não há nada de ilegal em constituir uma empresa com capital social de R$ 1 mil, como o quer fazer crer o denunciante, que provavelmente também nada conhece de contabilidade.


 


Diversionismo puro


 


Ao discorrer sobre as bases legais de constituição das SPEs, Sociedade de Propósito Específico, Milton Bigucci foi bem assessorado por especialistas, mas o objetivo junto ao Ministério Público era produzir uma variante técnica sem importância para refutar o irrefutável – o arremate do leilão da área onde se pretende construir o Marco Zero está encharcado de irregularidades e não seria a descrição formal do funcionamento legal de uma SPE que neutralizaria os fatos.


 


A suposta participação posterior, de forma formal, da Braido Construtora no capital social da Big Top 2, depois de incluir-se na compra do terreno conforme especifica a "Carta de Intenções” assinada pelas três empresas que se associaram clandestinamente na operação de arremate, é muito mal explicada por Milton Bigucci ao Ministério Público. CapitalSocial tratará do desmascaramento num próximo capítulo. O empresário chega a ser patético na busca de uma defesa insustentável quando, entre outras barbeiragens, afirma que tanto a Braido quanto a Even não constavam da lista de empresas inscritas à participar daquela suposta disputa.


 


Alega o empresário Milton Bigucci que os pagamentos efetuados conforme os termos da “Carta de Intenções” foram da Even Construtora e Incorporadora e não da Butterfly Even Empreendimentos Imobiliários, empresa que se inscrevera ao leilão, e também os pagamentos da Braido Comercial e Administradora não incluíam a empresa Sabbahi, com quem se inscrevera no leilão. Em resumo, Milton Bigucci procura desvincular os pagamentos de parcelas do terreno da Even e da Braido. Utiliza-se para tanto do subterfúgio de identificações empresariais diferentes, as quais distanciariam as inscrições ao leilão e os valores efetivamente pactuados em documento, como mundos à parte.


 


Pura bobagem. Trata-se exclusivamente de tentativa de enganar o Ministério Público. Consta da lista de presentes no leilão fraudulento que integrantes societários ou autorizados da Braido e da Even representavam legalmente as respectivas empresas. Ou seja, a Even Construtora estava legalmente constituída como representante da subsidiária Butterfly e a Braido do consórcio Braido-Sabbahi, firmado legalmente no dia anterior ao processo licitatório. Medida que, repita-se, a Big Top 2 de Milton Bigucci, a Even e a Braido não tiveram o cuidado de formalizar, conforme especificava e exigia o edital do leilão.


 


A argumentação de Milton Bigucci é, portanto, gelatinosa. Tanto que a ação indenizatória movida pelo corretor José Moreira na Justiça de São Paulo tem como ré a Even Construtora e Incorporadora, não a Butterfly, subsidiária que participou do leilão. Da mesma forma, as parcelas relativas aos pagamentos da Big Top 2 do arremate da área à Prefeitura de São Bernardo foram depositadas por Milton Bigucci, controlador da Construbig, holding do Grupo MBigucci.


 


Ataques desesperadores


 


Milton Bigucci é contumaz mentiroso. Ataca este jornalista na defesa apresentada ao Ministério Público. Sofisma, manipula informações, falsifica fatos, distorce, descontextualiza. E se coloca num pedestal de pureza que faria Deus corar de vergonha. Vejam esses parágrafos:


 


 O denunciante nunca foi e não é associado da Acigabc (Associação dos Construtores). Não representa a Prefeitura de São Bernardo que promoveu a venda do imóvel. Nem tampouco estava presente quando da realização do leilão do imóvel. Como pode dizer que houve fraude ou farsa? Ele ouviu falar. Quem é Daniel Lima para agir? Quem teria legitimidade para agir nunca o fez, por considerar que tudo foi feito na legalidade. Nunca houve nada de irregular. Nem os participantes do leilão público realizado há mais de quatro anos, nem a municipalidade, nem associados da Acigabc, ninguém. Tudo foi feito conforme previsto no edital, inclusive em jornais de grande circulação como O Estado de São Paulo e Diário do Grande ABC (O denunciante absurdamente alega que não foi divulgado). Não houve impugnação de quem quer que seja.


 


Esse feixe de abuso à inteligência alheia não resiste ao mais superficial contraditório. Não ser associado da entidade que preside ditatorialmente e não estar presente no leilão têm tanta importância como dizer que este jornalista não integra a comissão técnica do Corinthians e por isso não estaria habilitado a discorrer sobre o rendimento da equipe nos campos de futebol e que os fieis a Deus são um bando de idiotas porque não conviveram fisicamente com o Poderoso. Não se pode acreditar em Deus só por ouvir falar?


 


No caso de Milton Bigucci, a situação é ainda pior porque este jornalista não só ouviu falar como foi a campo para desmascarar aquela operação fraudulenta. Sempre com provas irrefutáveis, inclusive as originárias do próprio fraudador, incauto e despreparado nas tentativas de tapar o sol com a peneira, ou de seus parceiros de negócio privilegiado. Caso da “Carta de Intenções”, que tipifica sem resquício de dúvida o objetivo do próprio instrumento legal assinado por Milton Bigucci e seus parceiros, ou seja -- garantir a divisão equitativa do terreno arrematado exclusivamente em nome da empresa subsidiária do Grupo MBigucci.


 


Sobre a legitimidade deste jornalista para cobrar de instâncias legais a anulação do leilão, provavelmente o empresário Milton Bigucci desconhece completamente o significado da atividade jornalística como ferramenta de intermediação de informação entre instituições e sociedade. Ou desconhece os direitos individuais e coletivos reservados na Constituição Federal. No fundo, no fundo, Milton Bigucci é um praticante irrecuperável de um viés mandonista que não aceita a democracia da informação. Já recorreu ao Judiciário contra este jornalista na tentativa de, suprema expressão dos déspotas, retirar tudo que se refere às suas atividades empresariais e institucionais das páginas desta revista digital. Milton Bigucci detesta qualquer coisa que lembre contraditório. Fugiu de todas as entrevistas propostas por CapitalSocial porque é amante do monólogo autobajulatório.


 


Transparência zero


 


Também se excede em mandraquismo argumentativo o empresário Milton Bigucci quando se refere à transparência do leilão da área que pertencia à Prefeitura de São Bernardo. Ao se referir ao Diário do Grande ABC e ao O Estado de São Paulo, Milton Bigucci omite que as publicações se limitaram aos minúsculos anúncios do Edital do Leilão, sempre deslocados a rodapés de baixíssima visibilidade dos leitores, nos cadernos de classificados.


 


Nenhuma publicação deu uma notícia sequer sobre a realização do leilão nos dias que antecederam à disputa ou mesmo depois. Mais que isso: à frente da Associação dos Construtores, entidade da qual lança mão para potencializar os negócios do conglomerado de empresas que dirige, não foi emitido um comunicado sequer sobre aquela disputa. Não convinha a Milton Bigucci dar ao evento caráter concorrencial, porque o plano de arrematar a área na bacia das almas do valor do metro quadrado acabaria por ruir.


 


O grupo de interessados seletivamente organizado nos bastidores para dar ares de seriedade à disputa cumpriu rigorosamente a lição de casa. O equívoco de Milton Bigucci e de seus parceiros de negócios imobiliários mais que vantajosos foi terem subestimado a parte que cabia ao corretor de imóveis contratado pela Even. José Azevedo Moreira foi acionado bem antes da divulgação do edital para reunir o máximo de informações, dados e planilhas a permitir a participação da empresa paulistana em condições de vitória. O problema do corretor é que esqueceu que entre ele e a Even existia um empresário local muito bem alinhado à Administração Pública, porque representava e representa uma associação de classe mequetrefe mas com certo viço em instâncias despreparadas à avaliação de quem é quem na sociedade regional.


 


A melhor alternativa para o fechamento do negócio foi a pior solução para os cofres públicos: uma associação fraudulenta que não teve cuidados básicos com a mancha de óleo de irregularidades deixada a cada movimento durante e após o leilão.


 


Novos capítulos da série


 


 A série especial sobre o Marco Zero da Vergonha ainda terá os seguintes capítulos:


 


 Como a Even tinha conhecimento prévio do leilão.


 


 Como se inventou a farsa de que o terreno estaria sendo depreciado por conta de suposta e fantasiosa contaminação ambiental.


 


 A enigmática omissão do Procurador-Geral do Município.


 


 Por que a Construtora Braido se afastou do negócio depois de participar ativamente como sócia oculta?


 


 Por que a Even Construtora se afastou do negócio depois de encomendar estudos técnicos executados em período anterior à publicação do edital do leilão e, após a suposta disputa, negociar o material com as duas empresas que participaram da tramoia?


 


Leiam também:


 


Luiz Marinho e MP têm provas de sobra para anular leilão farsesco


 


Testemunha-bomba está pronta para confirmar fraude da MBigucci ao MP


 


Marco Zero: fraudadores zombam do MP com estelionato informativo


 


Marco Zero: qualquer semelhança com Lance Armstrong é realidade


Leia mais matérias desta seção: Administração Pública

Total de 813 matérias | Página 1

15/10/2024 SÃO BERNARDO DÁ UMA SURRA EM SANTO ANDRÉ
30/09/2024 Quem é o melhor entre prefeitos reeleitos? (5)
27/09/2024 Quem é o melhor entre prefeitos reeleitos? (4)
26/09/2024 Quem é o melhor entre prefeitos reeleitos? (3)
25/09/2024 Quem é o melhor entre prefeitos reeleitos? (2)
24/09/2024 Quem é o melhor entre prefeitos reeleitos? (1)
19/09/2024 Indicadores implacáveis de uma Santo André real
05/09/2024 Por que estamos tão mal no Ranking de Eficiência?
03/09/2024 São Caetano lidera em Gestão Social
27/08/2024 São Bernardo lidera em Gestão Fiscal na região
26/08/2024 Santo André ainda pior no Ranking Econômico
23/08/2024 Propaganda não segura fracasso de Santo André
22/08/2024 Santo André apanha de novo em competitividade
06/05/2024 Só viaduto é pouco na Avenida dos Estados
30/04/2024 Paulinho Serra, bom de voto e ruim de governo (14)
24/04/2024 Paulinho Serra segue com efeitos especiais
22/04/2024 Paulinho Serra, bom de voto e ruim de governo (13)
10/04/2024 Caso André do Viva: MP requer mais três prisões
08/04/2024 Marketing do atraso na festa de Santo André