Administração Pública

Marco Zero: Bigucci se apresenta
ao MP como vítima até de parceiros

DANIEL LIMA - 19/03/2013

O empresário Milton Bigucci promoveu um verdadeiro festival de mentiras, dissimulações e contradições na defesa apresentada ao Ministério Público de São Bernardo para tentar desqualificar as denúncias de CapitalSocial sobre a compra irregular em leilão da área de 15,9 mil metros quadrados onde pretende construir o empreendimento Marco Zero, localizado entre a Avenida Kennedy e a Avenida Senador Vergueiro. Milton Bigucci se colocou como vítima deste jornalista e até mesmo dos parceiros comerciais com os quais dividiu a compra da área. O MP aceitou a versão onírica do dono da MBigucci. Este é o quinto macrocapítulo de CapitalSocial sobre o escândalo ainda impune.


 


Não há limites para Milton Bigucci invadir o terreno da fantasia a fim de escapar das investigações do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) comandado pela promotora criminal Mylene Comploier, em São Bernardo. Por isso mesmo CapitalSocial esclarece todos os pontos do envolvimento de Milton Bigucci, da Even Construtora e da Braido Construtora na ardilosa compra de um terreno público que, segundo especialistas, valeria no mínimo o dobro dos R$ 14 milhões pagos pela MBigucci e seus parceiros ocultos – ou quase ocultos. A área está avaliada hoje em pelo menos R$ 70 milhões.


 


Na defesa apresentada ao MP Milton Bigucci alega que a Even Construtora afastou-se da sociedade em novembro de 2008, ou seja, quatro meses após o leilão fraudulento. A razão seria os termos da chamada Due Diligence, conforme determinava o contrato de participação societária. O procedimento concluiu que o agravamento da crise internacional e uma análise detalhada do estudo de fundações naquele terreno remetiam à desistência. Veja o que disse Milton Bigucci sobre o terreno:


 


 Estudos apontaram que o solo não era muito consistente e, portanto, seria necessário um altíssimo investimento na concretagem de fundações dos edifícios que ali seriam construídos, encarecendo demais o empreendimento e, portanto, fazendo com que o valor do terreno fosse depreciado, se comparado a outro terreno similar mas sem esse agravante”.


 


A declaração de Milton Bigucci é um escárnio que desrespeita a apuração do escândalo. Uma leitura atenta de um importante documento assinado por representantes da MBigucci, da Braido e da Even, em 10 de novembro de 2008, derruba a versão apresentada por Milton Bigucci ao MP em 26 de setembro de 2012. Como se observa, o empresário tem dificuldade em lidar com datas, de forma a que medidas reparadoras do delito tenham sustentação lógica. 


 


A cláusula 2.3 do documento apresenta o seguinte texto:


 


 A Braido e a Construbig poderão utilizar o laudo ambiental, o levantamento topográfico e a sondagem que as partes realizaram sobre o terreno, cabendo à Even lhes entregar tais documentos nesta data, sem ônus ou despesas adicionais para quaisquer das partes. Tais documentos serão cedidos nesta data gratuitamente para a Construbig e Braido, uma vez que o custo dos mesmos foi arcado pela Even; porém é parte integrante do acerto comercial entre as partes, previsto nas Cláusulas 3.1 e 3.2 abaixo.


 


Vejam o que diz a Cláusula 3.1 citado no contrato:


 


 A Construbig se obriga, neste ato, a reembolsar a Even da importância de R$ 954.327,33, correspondente ao acerto das partes para ressarcimento dos valores do sinal e das parcelas do saldo remanescente pagos à Construbig e/ou pago diretamente pela Even à Prefeitura Municipal de São Bernardo do Campo, bem como reembolso dos serviços de topografia, sondagem e laudo ambiental custeado pela Even (“Reembolso a Cargo Construbig”). Realizado o reembolso acima, a Construbig passará a ser detentora de 50% das quotas da SPE “Big Top2 Incorporadora Ltda” cuja alteração de contrato social será oportunamente firmada entre Construbig e Braido.


 


Vejam o que diz a Cláusula 3.2 citada no contrato:


 


 A Braido se obriga, neste ato, a reembolsar a Even da importância de R$ 954.327,33 correspondente ao acerto das partes para ressarcimento dos valores do sinal e das parcelas do saldo remanescente pagos à Construbig e/ou pago diretamente pela Even à Prefeitura Municipal de São Bernardo do Campo, bem como reembolso dos serviços de topografia, sondagem e laudo ambiental custeado pela Even (“Reembolso a Cargo da Braido”). Realizado o reembolso acima, a Braido passará a ser detentora de 50% das quotas da SPE “Big Top 2” Incorporadora Ltda.”, cuja alteração de contrato social será oportunamente firmada entre Construbig e Braido.


 


Terreno sem problemas


 


Traduzindo, as cláusulas contratuais não deixam dúvidas sobre dois novos pontos do escândalo do Marco Zero. Primeiro, a Even se afastou da sociedade formalizada no “Contrato de Intenções” assinado três dias úteis após o leilão, como desdobramento do acerto de bastidores durante a suposta competição realizada na Secretaria de Finanças de São Bernardo; Segundo, as condições técnicas do terreno arrematado não contemplavam qualquer anormalidade.


 


Os laudos e estudos cedidos pela Even às sócias remanescentes, MBigucci (representada pela Big Top 2, por sua vez subsidiária da Construbig) e Braido sustentavam a integridade daquele terreno. Tanto que não foi feita uma menção sequer sobre possíveis impropriedades. E não foi feito porque de fato não existiam. Mais tarde, desavisadamente, Milton Bigucci utilizou-se dessa versão para procurar desenquadrar o negócio imobiliário da esfera criminal.


 


O corretor de imóveis José Moreira, como consultor da Even, participou ativamente dos estudos e dos projetos àquele espaço.  A retirada oficial da Even do negócio foi a fórmula encontrada pelas três empresas arrematantes do terreno para afastar qualquer risco de prejuízos por conta da mobilização do corretor. Afinal, a partir do resultado do leilão, José Moreira começou a reunir provas que consubstanciariam a demanda judicial em busca de indenização pela corretagem. José Moreira reivindicou à Justiça paulistana nada menos que R$ 840 mil de pagamento da comissão de 6% sobre o valor do arremate.


 


José Moreira ganhou a causa em primeira instância, na Capital, mas recorreu, porque os valores foram fixados abaixo dos 6% convencionados no mercado imobiliário. Ou seja: a Justiça de São Paulo reconheceu não só a atuação de José Moreira como, principalmente, a materialidade da participação da Even como uma das arrematantes do terreno, em conluio com a Big Top 2, empresa da MBigucci, e a Braido.


 


O documento assinado por Milton Bigucci e parceiros da Even e da Braido sobre o destino dos trabalhos técnicos do terreno arrematado não deixam dúvidas quanto à participação efetiva da Braido no capital social da Big Top 2 em novembro de 2008, embora já lhe fosse aberta a porta na “Carta de Intenções” assinada em 15 de julho do mesmo ano.


 


Uma leitura atenta da defesa apresentada em 26 de dezembro do ano passado pelo empresário Milton Bigucci ao Ministério Público Estadual, em São Bernardo, ressalta ainda mais o que poderia ser rotulado de deboche na apuração do caso. Milton Bigucci subestima o documento assinado em julho e também em novembro de 2008, sobre os quais não faz qualquer referência detalhada ao MP. Como se explicaria tamanho desrespeito? Simples: Milton Bigucci desconhecia os meandros das investigações de CapitalSocial sobre a ação movida pelo corretor José Moreira na Justiça paulistana. Para ele, o arremate do terreno público já era página virada. A ação do corretor de imóveis contra a Even logo após aquele leilão aparentemente não era de conhecimento de Milton Bigucci, embora o envolvesse até a medula.


 


Agora, os trechos da defesa de Milton Bigucci ao MP:


 


 Somente em 04 de maio de 2010, portando dois anos depois da data do leilão, é que a Braido passou a integrar o quadro societário da Big Top 2 com 50% das cotas e a Construbig passou a deter 50%, tendo o Sr. Milton Bigucci se retirado da sociedade. Frisa-se porque oportuno que a Braido somente entrou na sociedade dois anos depois da arrematação do imóvel pela Big Top 2, quando o imóvel inclusive já estava quitado pela Big Top 2, com escritura lavrada e registrada no Cartório de Registro de Imóveis; ou seja, a Braido jamais se associou a Milton Bigucci no dia do leilão, como quer fazer crer de forma irresponsável o denunciante. Somente nesta data é que o capital social da Big Top 2 foi aumentado de R$ 1 mil para R$ 20 milhões, sem que isso configure qualquer tipo de crime. Foi exatamente isso, à luz da legislação. O capital subiu para R$ 20 milhões, pois nesta ocasião os sócios precisavam integralizar o capital que haviam adiantado, ou seja, a Construbig através de seus AFAC´s efetuados e a Braido através de adiantamento de terceiros, totalmente revestido de lisura, tentando o denunciante tentar levar irresponsavelmente o público ou a promotoria a erro.


 


Omitindo informações


 


Como se percebe, a defesa de Milton Bigucci no Ministério Público é o corolário de sandices informativas e documentais, bem como uma constante preocupação em desclassificar a denúncia de CapitalSocial. 


 


A efetivação legal da sociedade entre a Big Top 2 de Milton Bigucci e a Braido na aquisição do terreno arrematado irregularmente juntamente com a Even só se deu dois anos depois do evento na sede da Secretaria da Fazenda de São Bernardo mas não tem o condão de anular a realidade dos fatos, descrita no documento assinado em novembro de 2008 entre representantes das três empresas e também anteriormente, em 15 de julho do mesmo ano. Mais que isso, agrava os fatos.


 


Considerando-se apenas o segundo documento, assinado quatro meses após o leilão, assegurava-se, com o afastamento da Even, metade do terreno (e das cotas societárias) à Braido Construtora e metade à Big Top 2, da MBigucci.


 


Trata-se de uma conta muito simples de fazer: como cada uma das três empresas detinha um terço do terreno arrematado (e das correspondentes participações em cotas da sociedade) e como a Even decidiu se afastar oficial mas não necessariamente de fato por conta da demanda ameaçadora do corretor de imóveis, não por qualquer outro motivo, a divisão pela metade passou à automaticidade matemática.


 


Há mais enrolação, imprecisão e deboche na defesa de Milton Bigucci ao Ministério Público em setembro do ano passado:


 


 Vale lembrar ainda que esta empresa, a Braido, que adquiriu cotas da Big Top 2 dois anos depois da arrematação do imóvel, adquiriu os 50% das cotas sozinha e não em conjunto com a empresa Sabbahi Construtora e Incorporadora, conforme ela havia participado do leilão, nos termos da ata e recibo. Se houvesse qualquer intenção de associação, a empresa Sabbahi também deveria figurar como sócia da Big Top 2, mas não foi isso que ocorreu, o que corrobora como os fatos aqui narrados. A Braido (apesar de ter ingressado na sociedade, ainda estava muito preocupada com a questão da depreciação do terreno da Big Top 2 por conta dos custos exorbitantes para execução da fundação e com a chegada de nova crise financeira internacional, desta vez na zona do Euro mas com altos reflexos no Brasil), na data de 23 de maio de 2012 decidiu se retirar da sociedade, ocasião em que os sócios da Big Top 2 passaram a ser a Construbig e uma outra empresa denominada Privilege Intermediação de Negócios, cujos sócios são o Sr. Milton Bigucci, sua esposa e a empresa MBigucci também do Sr. Milton Bigucci e esposa, ou seja, as cotas da Big Top 2 passaram a ser detidas novamente por empresas do mesmo grupo do Sr. Milton Bigucci, da mesma forma que as detinha na data do leilão. (...). Apesar de ser um imóvel aparentemente cobiçado pelos participantes do leilão (houve disputa), como se pode observar ninguém quis permanecer como sócio da empresa arrematante, a Big Top 2, que arrematou o imóvel por valor acima do mínimo devido aos altos custos que estão atrelados ao imóvel.


 


Participação comprovada


 


As meias verdades e as mentiras inteiras de Milton Bigucci repassadas ao Ministério Público são estonteantes. O desmascaramento da legitimidade de participação da Braido no capital social da Big Top 2 -- a empresa da Mbigucci que oficialmente arrematou a área pública -- está mais que provado pelo documento assinada em novembro de 2008 e também pelo documento assinado anteriormente, em 15 de julho do mesmo ano. 


 


Milton Bigucci refere-se à sociedade apenas a partir da atualização do contrato social, que concede à Braido 50% de participação nas ações dois anos após o leilão. E quando se refere ao fato de que a Braido que adquiriu parte na sociedade não tem nada a ver com a Braido que participou do leilão do terreno, porque dividia consórcio com outra empresa, é um truque que não se sustenta. Oficialmente, conforme a ata daquele evento, foi a Braido que representou os interesses das duas empresas associadas. A ausência da Sabbahi Construtora no contrato da Big Top 2, a arrematante oficial do terreno, não confere imunidade a acordos paralelos ou ocultos para salvaguardar interesses dos vencedores oficiais e clandestinos do leilão. É muito provável que tente ser uma frustrada cortina de fumaça.


 


Também o afastamento da Braido da sociedade formalizada com a Big Top 2, em maio do ano passado, passa longe das explicações de Milton Bigucci. Não havia mais rescaldos da crise macroeconômica que chegou meses depois do leilão do terreno, conforme CapitalSocial já detalhou, e que se converteu em não mais que seis meses de certo incômodo ao mercado imobiliário do Brasil. Também não houve depreciação do terreno por conta de fantasiosa gama de problemas à ocupação ambientalmente responsável. Muito pelo contrário: aquela área continuou a valorizar-se num ambiente de concorrência de verdade por espaços privilegiados no mercado imobiliário. Declarações de Milton Bigucci nesse sentido não faltam à Imprensa, como CapitalSocial já publicou.


 


O que pesou de fato ao afastamento da Braido Construtora da sociedade com Milton Bigucci na Big Top 2 foram as denúncias de CapitalSocial, a partir de 2011, sobre o processo fraudulento do leilão da Prefeitura de São Bernardo. A emenda supostamente de cautela acabou se tornando pior que o soneto da sociedade formalizada porque encheu ainda mais o balde de irregularidades que a ação movida pelo corretor José Moreira fez transbordar na Justiça.


 


Efeitos especiais


 


Milton Bigucci deveria receber um prêmio de efeitos especiais ao se colocar como vítima de suposto mico imobiliário arquitetado por parceiros de negócio. Ao lembrar ao Ministério Público que uma das empresas do conglomerado empresarial que dirige, a Big Top 2, arrematante oficial do terreno, ficou isolada como dona daquele bem material sobre o qual se pretende erguer um grande empreendimento do setor, Milton Bigucci só faltou exigir da Prefeitura de São Bernardo ressarcimento financeiro pela traição dos parceiros.


 


Sim, a empresa de Milton Bigucci entrou num leilão furado, do qual saiu com um terreno, sempre na versão do empresário, cujo preço do metro quadrado foi superavaliado porque não contemplava desvalorização por conta de condições ambientais e geológicas para a empreitada a que se propusera o grupo empresarial. Tudo muito fantasioso.


 


Mais: Milton Bigucci foi traído dolosamente pelos parceiros que, claro, sempre na versão bigucciana, só entraram em campo para o jogo imobiliário muito tempo depois do leilão efetivado, do qual se retiraram porque perceberam que a maré não estava para peixe. O espírito altruístico do empresário Milton Bigucci ao suportar sozinho a retirada de desalmados parceiros é algo que merece pelo menos uma salva de palmas de todos aqueles que sonham com almas tão bondosas.


 


As declarações de Milton Bigucci ao Ministério Público são, na verdade, um atentado ao bom senso porque, contraditoriamente, o empresário não tem feito outra coisa nos últimos meses senão afirmar que o negócio lançado sobre o terreno arrematado de forma irregular foi o melhor da temporada passada do conglomerado de empreendimentos que dirige. O Marco Zero, na versão oficial de Milton Bigucci, é sucesso de público e de vendas. Publicidade em jornais para propagar o êxito não faltou. Essa é uma das maneiras que o mercado imobiliário usa para tornar dócil o setor informativo.


 


É claro que esse fantástico resultado não seria alcançado se houvesse de fato comprometimento financeiro de custos ante a alardeada gravidada da qualidade do solo arrematado. Quem conhece mercado imobiliário sabe o quanto se inviabiliza um empreendimento se o terreno em questão exigir custos adicionais para regularização ambiental. E quem conhece o setor sabe o quanto se ganha em competitividade num determinado lançamento quando se adquire o terreno em questão por preço na bacia das almas.


 


Caso da área entre a Avenida Kennedy e a Avenida Senador Vergueiro que a MBigucci teve a infelicidade de adquirir de forma limpa mas por preço muito acima do recomendável e tendo como parceiros duas organizações que não honraram o compromisso de lealdade e respeito firmado em documentos oficiais – sempre segundo a versão do sacrificado empresário Milton Bigucci. Parceiros comerciais deram no pé ante a descoberta de que o terreno estava bichado.


 


Nada mais patético como defesa ao Ministério Público, levando-se em conta, entre vários pontos, que a empresa subsidiária da MBigucci recebeu de mão beijada todos os estudos preparados pela Even antes do leilão, os quais, como se sabe, não apontaram qualquer irregularidade no solo. Milton Bigucci, como se vê, é insuperável nas artimanhas de cenarizações que favoreçam seus negócios.


 


Benfeitor social


 


Provavelmente o pendor de solidariedade do empresário, que se afirma benfeitor de uma entidade social, espécie de porta-estandarte de sua generosidade, pesou sobremaneira em gesto tão nobre, ou seja, ao conceder à Prefeitura de São Bernardo recursos financeiros muito além do que valia de fato aquela propriedade pública.


 


Ante tudo isso, o lamentável sempre segundo a versão de Milton Bigucci, é que a Administração Luiz Marinho, omissa na apuração do escândalo após prometer punir servidores públicos e remeter documentação completa ao Ministério Público, não se mobilize para ressarcir os prejuízos do empresário.


 


É um despropósito o prefeito Luiz Marinho não ter se socorrido de especialistas da Administração de São Bernardo para constatar algo sobre o qual Milton Bigucci não faz qualquer referência na defesa de seus interesses de empresário supostamente lesado na aquisição da área repleta de complicações ambientais e geológicas: o edital do leilão previa ressarcimento financeiro sobre eventuais problemas encontrados. Como é descuidado o empresário Milton Bigucci. Como é ingrata a Administração Luiz Marinho.


 


Quem ousaria duvidar que, alguém que, como Milton Bigucci, se sujeita a um negócio tão desvantajoso e em consequência tão voltado a favorecer os cofres públicos, deveria pelo menos ser contemplado com alguma láurea de respeitabilidade e notabilidade históricas no Município, entregue na Câmara de Vereadores em noite de gala? Quem sabe com autoridades diversas a lhe prestarem discursos como exemplo de empreendedorismo a ser seguido. 


 


O mais factível mesmo é que a defesa de Milton Bigucci no Ministério Público seria um enredo perfeito para alguma série televisiva que contemplasse um personagem dado a devaneios, a viver do imaginário. Ataca este jornalista com evasivas, manipulação de textos, invencionices diversas. Coloca-se, evidentemente, como vítima preferencial de pautas de CapitalSocial. Como se o mercado imobiliário não fosse uma peça importantíssima do xadrez social da Província do Grande ABC a exigir informações confiáveis e transparentes. Como se a função da Imprensa devesse se inspirar no lado bom das torcidas organizadas – torcer o tempo todo, aplaudir, ignorar os erros do time. Até que Milton Bigucci obtém tudo isso e muito mais da maioria da mídia. O direcionamento de críticas infundadas a Capital Social tem o objetivo subliminar de desviar a atenção da promotoria criminal.


 


Ainda sobre os devaneios de Milton Bigucci, acompanhem novos trechos da defesa apresentada ao MP:


 


 A entidade que Milton Bigucci preside, a Acigabc, é tão forte e tão atuante no setor imobiliário que trouxe inclusive para um recente evento uma ministra de Estado, a Dra. Miriam Belchior, que realizou uma apresentação e balanço de seu trabalho, enquanto ministra, para quase uma centena de empresários da região. Uma ministra de Estado do Planejamento, Gestão e Orçamento do Brasil, por óbvio, não comparece a qualquer entidade que não seja respeitada. Agora, pasmem, o que fez o denunciante? Tratou de imediatamente escrever um texto cheio de insinuações ofendendo a honra de Milton Bigucci e enviou o referido texto à ministra e a todo o seu ministério no dia seguinte ao evento, com objetivo único de destruir a imagem de credibilidade de Milton Bigucci.


 


Vitimização frágil


 


A vitimização a que se impõe Milton Bigucci em todos os textos produzidos por CapitalSocial é facilmente explicável: como tem as costas largas e os bolsos cheios na relação com a maioria da mídia da Província do Grande ABC, não tolera jornalismo independente. Principalmente de quem o descobriu delituoso na relação com a Administração Pública. Daí, partir para a revanche -- mesmo que para tanto sacrifique os fatos.


 


No caso da visita de Miriam Belchior, este jornalista escreveu o artigo “Ministra mal-informada vai à sede de entidade de presidente sob investigação”, em 24 de novembro de 2011. Milton Bigucci não reproduz com clareza, honestidade e integridade o conjunto de informações do texto deste jornalista. Omitiu que o artigo explica que o Diário do Grande ABC bateu forte na ministra do Planejamento, Orçamento e Gestão, Miriam Belchior, por razões diferentes das que levaram a ministra a apanhar da revista digital CapitalSocial:


 


 Miriam Belchior apanha do Diário do Grande ABC porque foi a uma cerimônia (...) e não dispunha de dados regionais sobre o PAC2. Miriam Belchior apanha de CapitalSocial porque foi a uma entidade comandada por um presidente envolvido em caso de fraude em leilão de área pública em São Bernardo, escreveu este jornalista.


 


A omissão de Milton Bigucci sobre as críticas no Diário do Grande ABC do dia seguinte do evento foi deliberada, porque mantém relacionamento muito estreito com a direção da empresa que edita aquela publicação. Milton Bigucci é um dos articuladores informais de canalização de publicidade do mercado imobiliário à mídia regional, principalmente ao Diário do Grande ABC. Omitir a cobertura do Diário do Grande ABC àquele encontro com a ministra de Estado seria improducente também porque reforçaria o tom adotado por CapitalSocial.


 


O texto do sempre aliado Diário do Grande ABC sobre a visita de Miriam Belchior à Associação dos Construtores, onde recebeu um troféu que jamais foi entregue a qualquer outra autoridade simplesmente porque foi criado em cima da hora como efeito pirotécnico, foi retirado das declarações de Milton Bigucci ao Ministério Público.


 


Alguns trechos daquela matéria do Diário do Grande ABC mostram o quanto o empresário que arrematou irregularmente uma área pública centraliza investidas neste jornalista:


 


 A ministra (...) Miriam Belchior não divulgou dados regionais do PAC2. Com o balanço nacional do programa divulgado na terça-feira, Miriam alegou desconhecer os números aplicados no Grande ABC. Ontem, ela foi homenageada na Associação dos Construtores, Imobiliárias e Administradoras, em São Bernardo, evento sem presença de lideranças políticas do PT. Miriam disse que "não tinha as informações de cabeça". O ministério justificou que ainda não possui filtro dividido por Estado e que o sistema será detalhado em 30 dias. Ao ser questionada, porém, sobre o relatório do PAC1 na região, a Pasta não respondeu. (...) Desprovida de documentos, a ministra recebeu o primeiro prêmio "O Construtor", oferecido pela entidade "por relevantes serviços prestados à comunidade", por meio do Programa de Aceleração do Crescimento no âmbito da habitação popular. Miriam defendeu que o projeto incentiva a construção e aquisição de imóveis por famílias de baixa renda e melhorou a qualidade de vida do povo, com investimento de urbanização de favelas, saneamento e, especialmente, drenagem. (...) Com reduto em Santo André, onde atuou no primeiro escalão durante o governo Celso Daniel (PT-- 1997 a 2002), Miriam disse que sua contribuição na eleição de 2012 ao lado do pré-candidato petista Carlos Grana, deve ir para as ruas. (...) A ministra adiantou que não tem agenda prevista para comparecer a ato político em Santo André neste ano. (...) O prefeito de São Bernardo, Luiz Marinho (PT), única representação de peso político no evento, rechaçou qualquer chance de troca de candidato do PT caso a pré-candidatura de Grana não consiga decolar, atingindo margem média de 25% a 30%. "Em absoluto, não há possibilidade de Grana não ser o candidato em Santo André".


 


Apenas política


 


O que se passou naquela data foi um ato político, uma das especialidades de Milton Bigucci na Associação dos Construtores do Grande ABC com amplos reflexos em suas atividades corporativas. A representatividade aventada pelo empresário é um chute nos fundilhos da realidade. Aquela entidade há anos vive à margem dos empresários do setor. Nem meia dúzia de representantes imobiliários foi ao evento. A maioria dos convidados ou convocados ao evento era formada de políticos de segundo escalão e assessores, além de seguranças da ministra.


 


Há mais de 20 anos no comando da Associação dos Construtores, Milton Bigucci coleciona dezenas de desafetos por causa do modus operandi típico dos ditadores. Não fossem os recursos repassados pelo Secovi (Sindicato da Habitação) de São Paulo, do qual Milton Bigucci também é dirigente, a Associação dos Construtores não se sustenta. Há um fosso entre receitas e despesas, mesmo se levando em conta que a estrutura funcional da instituição é espécie de botequim empresarial. Faltam projetos, estudos, pesquisas e tantas outras ações que poderiam conduzir a entidade a um patamar de respeitabilidade primeiramente junto à própria classe dos empresários e, em seguida, à sociedade como um todo.


 


Ao remeter o evento reunindo a ministra Miriam Belchior a um patamar de relevante importância da Associação dos Construtores, Milton Bigucci pretendeu de fato impressionar a incautos. A agenda da ministra está repleta de peregrinações por instituições que tenham relações com algum naco da sociedade. São programações elaboradas de acordo com o projeto político do governo federal. 


 


Milton Bigucci se tornou aliado da Administração Luiz Marinho assim como se tornou parceiro de prefeitos anteriormente eleitos entre outros motivos porque é praticamente impossível no jogo de cartas marcadas de financiamento eleitoral afastar os dois setores – políticos e empresários imobiliários – do tablado único de interesses mútuos. Os números do Tribunal Federal Eleitoral mostram à exaustão o quanto o mercado imobiliário comanda o jogo de suporte a candidaturas em variadas instâncias de poder, liderando destacadamente as doações.


 


Considerando-se que cálculos mais modestos de especialistas do ramo atribuem três vezes mais liberação de dinheiro privado clandestino a candidaturas em relação aos recursos contabilizados, é simples entender o tamanho da fatura.  Os desvios de recursos do PAC, especialidade de Miriam Belchior, não são um conto da Carochinha do noticiário político: estão respaldados por balanços da Controladoria Geral da República.


 


A desmoralização do PAC é tamanha que o sarcasmo tipicamente latino consagrou uma denominação paralela à nomenclatura batizada pelo governo federal. PAC virou Plano de Aceleração da Corrupção. Dispensa-se a citação de exemplos porque o encadeamento de denúncias e provas de instâncias fiscalizadoras é constrangedor.


 


Traduzindo tudo isso, a aproximação entre a Administração Luiz Marinho e o empresário Milton Bigucci durante um período em que CapitalSocial já denunciara a irregularidade no leilão do terreno foi também espécie de senha entre as partes para transmitir a mensagem de que tudo estava em ordem em São Bernardo.


 


Entretanto, levando-se em conta as lamúrias de Milton Bigucci ao Ministério Público, vítima que foi naquele 10 de julho de 2008 de uma armadilha do antecessor de Luiz Marinho, o tucano William Dib, não é de se duvidar que um novo e insólito desdobramento do escândalo do Marco Zero se coloque em pauta: a MBigucci requereria indenização ou compensação por ter sido ludibriada. Quem sabe uma nova composição se cristalize no uso e ocupação do solo para zerar ou reduzir o crédito de Milton Bigucci perante o Poder Público?


 


Falta contraditório


 


Talvez o maior erro dessa série de reportagens sobre o escândalo do Marco Zero tenha sido tratar com seriedade um temário contaminadíssimo pela baixa determinação investigatória por parte do Ministério Público Estadual. Ao preferir dar prioridade às alegações esfarrapadas do empresário Milton Bigucci, de seus parceiros de falcatruas e de concorrentes condicionados que participaram do leilão, e ao ignorar as contribuições propostas por CapitalSocial, a promotora criminal Mylene Comploier colocou o jornalismo no acostamento.


 


Quando dispensou um contraditório recheadíssimo de informações e provas documentais e se deu credibilidade a ilusionistas, a promotora criminal proporcionou um empurrão fortíssimo em favor dos opositores que se estão reunindo permanentemente no Congresso Nacional para impor severos limites ao poder de investigação criminal do MP.


 


Poder de investigação sem qualidade, determinação e paciência não significa nada, a não ser a consolidação de uma convicção às avessas do jornalismo responsável, ou seja, de que não valeria a pena produzir informações úteis à sociedade.


 


Por isso e por tantas outras razões a expectativa de que o Gaeco de São Bernardo retirará do Judiciário a decisão de arquivamento do caso Marco Zero é o que se espera num regime democrático de responsabilidades mútuas.


 


A doutora Mylene Comploier poderia despender mais tempo e atenção ao reestudo do caso, confrontando a versão de Milton Bigucci, supostamente a grande vítima deste jornalista, e este jornalista que insiste em não temer as consequências de esmiuçar o caso.


 


Quem sabe, assim, o Ministério Público consiga juntar num mesmo espaço denunciante e denunciados, principalmente Milton Bigucci, empresário e dirigente empresarial que jamais aceitou responder a sequer um dos quatro questionários formulados por CapitalSocial nos últimos anos.


 


Quem disse que Milton Bigucci tem alguma relação com democracia informativa? CapitalSocial representa para ele algo semelhante à cafeína como agente perturbador do sono. Milton Bigucci não tem interesse algum em deixar o berço esplêndido dos sonhos fantasiosos de vítima preferencial de maus parceiros comerciais e de um jornalistazinho qualquer.


 


Recomenda-se apenas algum cuidado especial para que tudo isso não resulte no atendimento do pedido de Milton Bigucci ao Ministério Público, no sentido de punição a este jornalista que não teria outra missão senão destruir a imagem e a reputação de um chefe de família amoroso e respeitador.


 


Milton Bigucci não tem a dimensão, ou finge que não tem a dimensão, de que como empresário de destaque que mistura sua agenda com a de presidente de uma entidade frágil mas com lobby suficiente para destilar informações viciadas e irresponsáveis sobre o mercado imobiliário, tem contas sim a prestar à sociedade.


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