Administração Pública

Grana faz esforço para diferenciar-se
de Aidan Ravin. Será que conseguirá?

DANIEL LIMA - 09/04/2013

Acompanhei atentamente as entrevistas do prefeito Carlos Grana aos jornais ABCD Maior e Repórter Diário na passagem de mais um aniversário de Santo André. Deixo de lado a entrevista do petista ao suplemento do Diário do Grande ABC porque praticamente nada declarou e nada lhe foi perguntado de mais interessante. A conclusão a que cheguei é que Grana está se esforçando ao máximo para parecer diferente de Aidan Ravin, seu antecessor. Será que conseguirá ao final de quatro anos? Por enquanto, parece pouco superior. E dizer que parece pouco superior significa que vai mal das pernas.


 


É claro que se deve descontar o fato de que três meses são quase nada, 100 dias são quase nada. Mas quem mandou os prefeitos caírem na marquetagem suicida de prometerem milagres quando se sabe que os orçamentos estão corroídos por anos e anos de depauperação da economia regional a ponto de, agora, a salvação da lavoura tanto de Grana como de Luiz Marinho, em São Bernardo, e dos demais, ser o governo federal, principalmente?


 


As duas entrevistas de Carlos Grana, realizadas em momentos distintos, foram esquadrinhadas de forma a dar alguma organicidade aos pontos abordados. O resultado ficou muito aquém do esperado e ficaria mais ainda se o petista se entregasse novamente a evocar intermitentemente o imbatível Celso Daniel.


 


Quanto menos qualquer prefeito da região chamar para o jogo aquele que durante os anos 1990 traçou uma linha divisória entre o passado e o futuro, porque aquele presente seria inesgotável como referência, qualquer prefeito, dizia, cometerá haraquiri administrativo.


 


Sobre as entrevistas de Grana, dividi em oito vetores:


 


1. Relacionamento com o Legislativo


 


Espertamente Grana subestimou a derrota no Legislativo de Santo André. Desdenhou da importância daquela instância ao afirmar ao Repórter Diário que não teve atuação na eleição para a presidência porque “não acho adequado um prefeito recém-eleito interferir na formação do comando da Câmara”. Disse mais: “Meu papel no começo de mandato é apresentar iniciativas de governo. A cidade não quer saber se tenho apoio de nove ou de 12 vereadores. A cidade quer saber se o governo tem bons projetos. Minha intenção é trabalhar com 21 vereadores. Na hora de decidir sobre projetos, eles estarão ao lado da cidade” – disse Grana.


 


É claro que o petista amenizou a negligência dele e de assessores mais próximos ao darem como favas contadas em janeiro o assentimento automático do Legislativo ao vencedor das eleições de outubro. Grana está pagando caro por isso. O G-12 não é um grupo de franciscanos. O jogo é pesado, e o prefeito sabe disso. Até porque passa pelo entorno de forças internas e externas que pretendem sequestrar o governo municipal, como fizeram ao longo dos anos Aidan Ravin.


 


2. Relacionamentos com os governos estadual e federal


 


Esse é um ponto que Carlos Grana enfatizou aos dois jornais, principalmente ao Repórter Diário. Descreveu alguns projetos que já estariam merecendo suporte do governo Geraldo Alckmin e da presidente Dilma Rousseff. Como todos os prefeitos da região que decoram bem a lição do varejismo operacional, Grana discorre com fluidez sobre obras propostas. Segue os passos de Luiz Marinho, principalmente, porque tem tudo na ponta da língua. É uma interlocução próspera de prefeitos de berço sindical como aprendizado.


 


3. Reforma administrativa


 


Foi lacônico e breve ao Repórter Diário sobre a propagada promessa de reforma administrativa que ocupou boa parte dos discursos durante a campanha eleitoral. “Inicialmente tínhamos um desenho. Hoje percebemos que isso precisa ser readequado. Achei por bem ter cautela” – disse sucintamente o prefeito. Conclusão óbvia: entrou areia na engrenagem, entre outras razões por causa da derrota na distribuição de pesos e contrapesos no Legislativo. 


 


4. Viuvez econômica


 


Grana disse que o staff petista fez pesquisa qualitativa e por conta disso percebeu que “o cidadão andreense tem muita expectativa em torno do governo e tem preocupação com relação à cidade, principalmente com segurança, saúde e um grau de expectativa grande em relação ao nosso governo. Aparece preocupação intensa de segurança e tem uma parcela da população que tem um saudosismo muito grande do que Santo André já foi no passado, que já foi um Município de referência, cidade modelo onde tinha mais qualidade de vida. Então, estabelecemos recentemente em um seminário as 16 prioridades de governo” – afirmou o prefeito.


 


As conclusões a que chegou a Administração Carlos Grana são uma repetição, em estado mais grave, porque tardio, da inquietação da população de Santo André. Questões macrossociais como saúde, segurança e educação atingem a quase totalidade dos municípios brasileiros. Entretanto, a marca quase exclusiva de Santo André foi objeto de ações da Administração Celso Daniel há mais de uma década e meia. Trata-se do que chamei à época, quando produzi uma análise para a revista LivreMercado, da viuvez industrial. Uma enfermidade tão antiga e tão devastadora que mais que justifica, exige dos administradores públicos e entidades sociais, sindicais e econômicas, muito mais que salamaleques diplomáticos.


 


5. Transporte público


 


O prefeito de Santo André discorreu sobre o tema aos dois jornais. Encheu a bola do bilhete único, prometido para os primeiros três meses de Administração, mas que não passou de protocolo no Legislativo. O ABCD Maior tratou o bilhete único ainda teórico como o maior presente à população de Santo André, em evidente exagero. O que deveria preocupar a todos é a unanimidade em torno do sistema. Poucas vezes se viu tanta comemoração entre o Poder Público e as concessionárias de transporte público. O bilhete único é cantado em verso e prosa como uma vitória de todos. Quem conhece o setor de transporte público sabe que não haveria a menor possibilidade de consenso sem que vantagens fossem cristalizadas. Carlos Grana é acusado de ceder à pressão e à tentação de um segmento tradicionalmente lobista.


 


6. Planejamento estratégico


 


Ao Repórter Diário Carlos Grana chamou Celso Daniel para o jogo administrativo quando respondeu sobre o planejamento estratégico recentemente aprovado. Grana disse: “Eu retomei o que o Celso Daniel nos ensinou, que é trabalhar com planejamento estratégico. Precisamos definir o que queremos para a cidade nos próximos 20, 30 anos. Temos as prioridades dos segmentos, mas definimos 16 desafios para o governo. Entre eles, entregar mais moradias, aumentar nossa capacidade de produção de água, garantir 100% de saneamento, melhorar a mobilidade urbana, trabalhar a questão da segurança, do combate ao crack”.


 


O discurso de Carlos Grana evoca Celso Daniel para obter credibilidade, o que é correto como espelho, mas incorre em erro grave, ou seja, estabelece um patamar de resolutividade que se insere em algo mais sofisticado, diferenciado, com Celso Daniel como modelo.


 


7. Eixo Tamanduatehy


 


Ao ABCD Maior Carlos Grana prometeu resgatar o Eixo Tamanduatehy. Nenhuma novidade, porque essa foi uma das bandeiras da campanha eleitoral. Vejam o que disse: “Todo Eixo Tamanduatehy passará por um grande processo de revitalização. Vou resgatar o projeto porque é uma das regiões que tem possibilidade de crescimento. Vou citar dois exemplos que melhoraram as condições ali. Primeiro que a Aquapolo tem um grande empreendimento de reuso de água para atender o Polo (Petroquímico) e outras instituições, e outro é a modernização do transporte de ferrovia que liga Paranapiacaba ao Porto de Santos. Hoje a empresa que opera é a MRS, que ampliou sua capacidade em quatro vezes o potencial de transporte, com novas locomotivas, as que funcionavam eram de 40 anos atrás. A região anda terá ampliação da Universidade Federal do ABC e terá unidade do Poupatempo (de serviços).”


 


Carlos Grana não conhece o projeto Eixo Tamanduatehy. As citações não têm nenhuma intimidade com os pressupostos legados por Celso Daniel após contratar especialistas em urbanismo. O Eixo Tamanduatehy original morreu de morte matada como o prefeito que o introduziu no imaginário de recuperação econômica de Santo André. UFABC e Poupatempo de Serviços são objetos estranhos àquela engrenagem emperrada, embora possam ser adaptados numa ampla reformulação de pressupostos de ocupação daquelas imensas áreas. Eixo Tamanduatehy virou fetiche gerencial que João Avamileno, Aidan Ravin e agora Carlos Grana utilizam para engabelar a maioria que desconhece as entranhas do projeto.


 


8. Economia à deriva


 


Tanto o ABCD Maior como o Repórter Diário não deram ênfase à economia de Santo André. O núcleo temático de recuperação de um Município que o próprio prefeito reconhece empobrecido é jogado num canto qualquer da agenda de debates. O ABC Maior indagou sobre a inauguração da Sala do Empreendedor, tratada pela mídia como extraordinário feito. Quem se der ao trabalho de ir aos arquivos de publicações locais vai reparar que o assunto está sendo requentado porque não há absolutamente nada de novo no front da Secretária de Desenvolvimento Econômico, entre outras razões porque a titular não é do ramo. E quem está por trás dela, a Acisa, muito menos, porque ao longo da história não construiu algo que botasse o Poder Público contra a parede da imobilidade que atavicamente o atinge. As iniciativas de Celso Daniel são exceções à regra.


 


Outras questões menos importantes foram tratadas pelos dois veículos de comunicação. Alguns fios desencapados não foram tocados. Casos da Universidade Federal do Grande ABC enfaticamente relutante à inserção regional, das obscuridades que cercam a Fundação do ABC, única regionalidade que deu certo na Província porque dá certo para a classe política, dos desvios de recursos do projeto Cidade Pirelli, da mercantilização assombrada do mercado imobiliário em detrimento da mobilidade urbana, entre outros pontos.


 


São temários que não deveriam ser colocados à mesa numa data festiva. Não se aperta o anfitrião. Ainda mais um anfitrião ensaboado como Carlos Grana.


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