Administração Pública

Lixo milionário de São Bernardo vai
embalar candidato de Luiz Marinho

DANIEL LIMA - 15/04/2013

O secretário de Serviços Urbanos Tarcísio Secoli contará com a usina de incineração de lixo a instalar-se no megaterreno do desativado lixão do Alvarenga como uma das vitrines mais reluzentes e rentáveis para suceder Luiz Marinho na Prefeitura petista de São Bernardo em 2016. Aquela área de 35 mil metros quadrados conta com 50 metros de profundidade contaminadíssima de lixo doméstico e industrial depositado durante 40 anos às margens da Represa Billings, divisa com Diadema.


 


Tarcísio Secoli espera recolher muitos dividendos eleitorais de uma empreitada anunciada como inédita mas que deverá ser atropelada por outros municípios paulistas mais adiantados no processo de implantação. A usina de incineração de resíduos atenderá inicialmente 700 toneladas por dia. Já a geração de energia elétrica atenderia o equivalente a metade da população de São Bernardo. Usina de lixo é comum principalmente na Europa, mas ainda não conta com tecnologia suficientemente testada no Brasil.


 


O consórcio que ganhou a exploração do lixo num processo licitatório ao qual foi dada baixíssima divulgação e sem que houvesse concorrentes já começou a comprar os equipamentos, a maior parte fabricada no Brasil. O anúncio foi feito recentemente pelo próprio secretário Tarcísio Secoli. O prazo para transformar o lixo de São Bernardo em energia elétrica e, principalmente em cinzas, já que ao final da queima restariam não mais que 10% de resíduos sólidos, é de 30 anos.


 


Especialistas internacionais asseguram que cinco anos são suficientes para a recuperação financeira de investimento com as características previstas. São Bernardo deverá gastar este ano perto de R$ 14 milhões por mês no ciclo de coleta e deposição de lixo, encaminhado ao aterro da Lara, em Mauá. O secretário Tarcísio Secoli afirma que em valores atuais, o custo mensal resultante da parceria com o consórcio vencedor da licitação será de R$ 10 milhões. Ou seja: sem considerar a inflação, nos próximos 30 anos São Bernardo despenderia R$ R$ 3,6 bilhões com a Parceria Público/Privada.


 


Os parceiros de São Bernardo na usina de incineração compõem o consórcio Revita/Lara, anunciado vencedor da licitação em maio do ano passado. As duas empresas já prestam serviços na Província do Grande ABC, o que significa que têm conhecimentos exigidos, tanto técnicos quanto econômicos e financeiros, além de logísticos, para a empreitada. A Lara Central de Tratamento de Resíduos é proprietária do aterro de Mauá, que atende a 2,2 milhões de habitantes da Província do Grande ABC e da Baixada Santista. Já a Revita Engenharia Ambiental integra o Grupo Solvi, do qual a Vega Engenharia Ambiental faz parte e tem relações próximas a Administração Luiz Marinho, já que é responsável pela gestão e manejo de resíduos de São Bernardo.


 


Confiança total


 


Tarcísio Secoli afirma que a operação da usina de incineração é a mais avançada e moderna, considerada pela ONU (Organização das Nações Unidas) como promotora de geração limpa de energia. “Você faz a queima de todo o lixo e depois do processo sobra um pouco de cinza que vai para o aterro. Desse total, 10% do volume inicial do lixo vai para o aterro. Com isso, se aumenta em 10 vezes a vida útil do aterro” – afirmou. E completou: “As cinzas também têm um benefício, porque não geram chorume nem gás; na verdade, você tem um benefício grande para a sociedade, já que aumenta a vida do aterro e reduz o preço de quem continua jogando a coisa no aterro. Você também diminui o efeito gás estufa, porque não vai ser mais produzido e no final você tem o benefício de ter energia elétrica pela usina – disse o secretário numa recente entrevista ao Jornal Bom Dia ABCD.”  


 


Tarcísio Secoli já aparece em diferentes ambientes para propagar a inovação que São Bernardo pretende inaugurar às vésperas da eleição de 2016. Orçado em R$ 350 milhões, o equipamento teria capacidade para a totalidade dos resíduos sólidos de São Bernardo e, de lambuja, geraria energia elétrica que alimentaria uma parcela do consumo do Município. Programa-se também, a partir de 2016, a inclusão do lixo de Diadema como matéria-prima da usina de incineração e de energia.


 


Egresso do movimento sindical, ex-secretário de Governo no primeiro mandato de Luiz Marinho, Tarcísio Secoli já começa a ganhar espaços na mídia mais alinhada ao prefeito de São Bernardo, inclusive com incursões pedagógicas em ambientes acadêmicos, como a Universidade Metodista, como há 15 dias, quando explicou didaticamente o funcionamento da usina de lixo. Tarcísio Secoli tem origem sindical, é respeitadíssimo entre os metalúrgicos, mas não reproduz o estereotipo de chão de fábrica que deu certo no campo político e público. Ele é discreto, professoral, paciente e portador de uma linguagem de classe média razoavelmente bem nascido. Quem não o conhece certamente não o colocaria numa indústria de transformação. Possivelmente lhe reservaria um território eclesiástico. Tanto que nem precisaria apresentar credenciais se, paramentado de cardeal, aparecesse no Vaticano durante os procedimentos para a escolha do novo papa.


 


Riscos e vantagens


 


Sabe-se que Tarcísio Secoli já conta com delineamento estratégico para construir uma imagem que o coloque a salvo de objeções ideológicas menos rebuscadas. O rótulo de sindicalista sempre incomodou petistas de São Bernardo e da Província do Grande ABC. As greves do passado dividiram a sociedade regional entre sindicalistas e não sindicalistas. Por isso a modernidade que a usina de lixo representaria à sustentabilidade ambiental é a porta de entrada de um caminhão de marketing que será acionado para dar brilho próprio ao candidato que o PT já escolheu para ser prefeito.


 


Entretanto, por mais que haja cuidados especiais com tudo que envolver Tarcísio Secoli, não há como esterilizar completamente o caminho construído rumo à disputa eleitoral. A substituição de aterros sanitários e lixões por usinas de incineração não é simples. Há ambientalistas contrários à iniciativa. Gente que se utiliza de argumentos sólidos, estatísticos, sobre os riscos inerentes ao sistema.


 


Há defensores e críticos de usinas de incineração. André Vilhena, engenheiro químico e diretor-executivo do Cempre (Compromisso Empresarial para a Reciclagem) disse há quatro anos ao jornal Folha de S. Paulo que a incineração tem baixo impacto poluente. “A tecnologia de incineração já é comprovadamente adequada. É muito usado na Europa e no Japão, por exemplo. Eles não iriam adotar a tecnologia se causasse câncer”, afirmou.


 


Já Eduardo Jorge, secretário do Verde e Meio Ambiente de São Paulo no governo Gilberto Kassab, é um dos críticos da tecnologia. “Essas usinas de incineração produzem dioxinas e furanos, substâncias que provocam câncer nas pessoas. Eles (os fabricantes de usinas), ainda precisam provar que o filtro que colocam é seguro”, afirmou também à Folha de S. Paulo há mais de três anos.


 


Naquela reportagem do jornal paulistano, o governo do Estado de São Paulo estava na fase final da elaboração de um plano para a construção de grandes usinas de incineração de lixo para colocar fim à falta de locais para aterros nas regiões metropolitanas e no Litoral Norte do Estado, mas pouco se noticiou desde então. Como sempre, os planos governamentais não têm ações que corram na mesma raia da cronologia. 


 


Numa reportagem publicada há três anos pelo The Wall Street Journal, um militante de energia renovável da União de Cientistas Preocupados, Marchant Wentworth, afirmou que os incineradores atuais são muito mais limpos que seus predecessores, mas ainda poluem: “Um por cento de uma substância muito tóxica ainda é uma substância muito tóxica”, definiu o integrante daquele grupo de ambientalistas.


 


Há um reconhecimento de técnicos especializados de que os velhos incineradores eram famosos poluidores porque despejavam enormes quantidades de fuligem e componentes de chuva ácida. Tanto que foram considerados nos Estados Unidos os maiores emissores de dioxinas cancerígenas, que são produzidas pela queima de plásticos.


 


As polêmicas que cercam as usinas de incineração de lixo ainda comovem especialistas no Primeiro Mundo e por isso mesmo não podem ser sufocadas no Brasil. Os opositores internacionais têm uma longa lista de argumentos. Dados os melhoramentos nos filtros de ar e técnicas de limpeza, o motivo não é necessariamente o perigo de gás e dioxinas que saem das chaminés, ainda que isso seja um grande problema nas usinas mais velhas. Mais graves, afirmam técnicos especializados, é que uma vez que uma Prefeitura tenha investido numa unidade de incineração, terá de produzir lixo suficiente para mantê-la operando sempre.


 


Tecnologia disseminada


 


A tecnologia de obtenção de energia a partir de combustão de lixo vem sendo usada em mais de 30 países, especialmente na Europa, e é uma das mais interessantes para o tratamento de resíduo sólido na opinião do gerente do setor de projetos especiais da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb), Aruntho Savastano Neto. Numa entrevista à revista especializada, Aruntho disse que há mais de 800 usinas desse tipo no mundo, utilizando 300 mil toneladas de resíduos sólidos por dia. O executivo da Cetesb assegura que o controle ambiental e as regras de emissão definidas pela estatal estão de acordo com o que há de mais avançado no mundo e não há risco de gerar poluentes caso as normas sejam atendidas. “A tecnologia para tratamento dos gases provenientes da queima de lixo é bastante conhecida, difundida e há tecnologia nacional disponível para esse fim”.


 


Há quem considere, na Administração Luiz Marinho, que a contraface da modernidade a ser implementada em São Bernardo é o possível custo de algum evento que possa estigmatizar o uso de incineradores para transformar lixo em energia e cinzas.


 


Potencialmente, entretanto, levar Tarcísio Secoli à massificação da imagem a bordo da novidade é algo que não pode ser desprezado. Há 16 anos o lixão do Alvarenga foi fechado definitivamente. O enorme depósito de lixo e entulho atingiu durante várias décadas uma área de manancial entre São Bernardo e Diadema. Quando do fechamento, prometeu-se construir uma área de lazer sobre a montanha de lixo. Outra projeção furada.


 


Recentemente o jornal ABCD Maior publicou uma reportagem que retratava a situação pós-lixão do Alvarenga. O cheiro forte de lixo de gás metano está presente a revelar a degradação ambiental às margens da Represa Billings.


 


Tarcísio Secoli está atento a tudo. Ao jornal Bom Dia ABCD ele declarou há menos de um mês que uma equipe da Prefeitura de São Bernardo faz levantamento da situação do solo. Disse que não sabe bem o que está sob o terreno, 50 metros de profundidade. Uma empresa foi contratada para fazer todo o levantamento. “É um trabalho complexo”, diz Tarcísio. Que explicou: “Você precisa fazer perfurações, coletar material para tentar entender qual é o tipo de gás e o tipo de componente sólido ou líquido que tem lá, conhecer que produto está sendo gerado, saber se há algum produto cancerígeno que está sendo transformado” – afirmou.


 


Certo mesmo é que o antigo lixão do Alvarenga metaboliza uma produção ainda grande de chorume. Os 18 anos que marcam o fechamento daquela mancha de poluição na Billings não impediram que o chorume vá direto à represa. Quase mil furos serão produzidos, segundo Tarcísio Secoli, para definir que mecanismo será usado para a retirada do gás. A previsão é de que a operação vai durar o ano todo. Enquanto isso, a Prefeitura de São Bernardo está preparando o EIA/RIMA (Estudo e Relatório de Impacto Ambiental) da usina de incineração.


 


Pronto para começar


 


Tarcísio Secoli garante que a obra começará no dia seguinte à autorização da Cetesb. Possivelmente no começo do ano que vem, segundo seus cálculos. Em 24 meses a usina estaria pronta para ser inaugurada sobre o antigo lixão do Alvarenga. “A obra vai ser uma referência para o resto do Brasil” – proclama Tarcísio Secoli do alto de uma perspectiva que vai muito além do estritamente administrativo.


 


É claro que o secretário de Serviços Urbanos que pretende ocupar a cadeira de Luiz Marinho em 1º de janeiro de 2017 não vê risco nenhum com a construção da usina. As declarações ao jornal Bom Dia ABCD explicitam essa convicção: “Não há risco nenhum para a população porque os controles, os filtros, todo o mecanismo que é feito de gases eventualmente tóxicos que podem ser gerados com a queima de alguns produtos, isto tudo será retiro e preso nos filtros”.


 


Tarcísio Secoli mergulhou em estudos sobre usinas de incineração entre outros motivos porque não quer sair chamuscado por assumir a liderança gerencial e política da obra: “Qualquer coisa fora da especificação definida pela Cetesb, um sensor vai parar automaticamente a queima, até ser corrigido eventualmente o problema que tem. É um mecanismo de controle importante que nós estamos obrigando o consórcio vencedor a colocar para poder dar tranquilidade para a população de quem estiver no entorno para não ter risco algum” – disse ao Bom Dia ABCD.


 


Ainda segundo o entusiasmado Secoli, São Bernardo só terá vantagens econômicas com a iniciativa. Pelos seus cálculos, a queima vai custar menos aos cofres públicos do que depositar no aterro em Mauá, sem contar a vantagem de utilizar-se de energia que será gerada pela usina. Como a obra fará vizinhança com Diadema, Tarcísio entende que a partir de 2016 aquele Município será beneficiado com a queima de lixo. “Eles pagam mais caro que nós para chegar ao aterro de Mauá” – lembra.


 


A magnitude da obra nos mananciais também está nos números. São R$ 600 milhões de investimentos a partir da coleta de lixo. Há cláusula de compromisso obrigatório do consórcio vencedor da licitação: aumentar até 2016 a reciclagem de produtos do lixo que hoje não passa de 1%. Tarcísio Secoli explica que o ciclo completo da operação vai custar mais de meio milhão de reais, mas a usina em si não ultrapassará a R$ 350 milhões. Os custos para remediação do aterro do Alvarenga poderão chegar a R$ 80 milhões.


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