Administração Pública

Falta transparência na gestão do
Bilhete Sem Volta. Até quando?

DANIEL LIMA - 06/05/2013

Está mais que na cara: a unanimidade em torno do Bilhete Sem Volta (propagado e reverenciado indevidamente como Bilhete Único) a ser implantado pela Prefeitura de Santo André em combinação com as concessionárias de transporte coletivo exige reflexões e contraditórios. O sistema foi implantado há três anos em São Bernardo sem que critérios de transparência desanuviem dúvidas. Será que em Santo André teremos modelo idêntico de caixa-preta?

 

Há consenso e também baixa qualidade crítica em torno dessa política de transporte que não combina em princípio com a lógica de gestão pública mais disposta a socializar informações. Joga-se para a plateia porque a plateia não tem a intermediação sensata da mídia e tampouco o interesse do que se pretende chamar de sociedade. Representantes da mídia que se atreverem a questionamentos correm risco de desclassificação. Estariam vendo fantasmas ou apenas colocam sob suspeição tanta generosidade com recursos públicos?

 

O Bilhete Sem Volta que o prefeito Carlos Grana está em vias de aplicar em Santo André, inspirado no prefeito Luiz Marinho, de São Bernardo, é o chamado Bilhete Único em uso na Capital desde que Marta Suplicy, também petista, o introduziu. A diferença é que em São Paulo a marca Bilhete Único se justifica, porque por um determinado período de tempo usuários podem ir e igualmente voltar do trabalho ou de outra atividade qualquer ao preço de apenas um bilhete. Na Província do Grande ABC, por conta de limitações orçamentárias das prefeituras, o Bilhete Sem Volta significa que quem usa para ir dentro do tempo limite gasta a cota do dia. A volta só é possível com a compra de no mínimo um novo bilhete.

 

A usurpação da marca Bilhete Único é latente, mas como tratar os consumidores de informação com responsabilidade se durante período eleitoral se propagou o conceito de Bilhete Único sem a contrapartida da viabilidade orçamentária da Prefeitura? Além de Bilhete Sem Volta, outra expressão ganha repercussão entre aqueles que descobriram que não existe Bilhete Único. Discute-se Bilhete de Grego como mais apropriado que Bilhete Sem Volta. Questão de gosto. Ou de mordacidade. 

 

Festejos enigmáticos

 

O ex-vereador e Secretário de Obras da Administração Carlos Grana, Paulinho Serra, tucano adversário petista até outro dia, é a cara dos conservadores a propagar vantagens do Bilhete Sem Volta, que ele insiste em chamar de Bilhete Único. Assim foi tratado para se comportar, como representante oficioso da associação do empresariado de ônibus de Santo André. Uma entidade que festejou ruidosamente a medida do prefeito petista. Quem conhece o setor de transporte coletivo sabe o quanto é influente nos bastidores de gestores públicos.

 

A Administração Carlos Grana vai despender R$ 1 milhão por mês para subsidiar as calculadas 300 mil viagens de usuários potenciais do Bilhete Sem Volta. Tratam-se de pouco mais de 6% do total de bilhetes vendidos a cada 30 dias. Estranha-se muito que se tenham chegado automaticamente a esses números, e consequentes repasses de subsídio às concessionárias privadas, já que não consta qualquer informação que assegure o cadastramento dos usuários do sistema. Quando implantou o Bilhete Sem Volta, São Bernardo efetivou o credenciamento de forma gradual. O que significaria repasse de subsídio igualmente escalonado às concessionárias privadas.

 

A Administração Luiz Marinho não revela números de bilhetes vendidos nem o total do orçamento vinculado à sustentação do programa. Quem procurar no site na Prefeitura de São Bernardo informações mais detalhadas sobre o Bilhete Sem Volta dá com a cara na porta da falta de transparência.

 

Em forma de notícia, o site publicou em setembro de 2011 que o primeiro ano de implantação da proposta abarca 180 mil adesões. Como a mídia tem por costume trocar bilhetes por usuários, não se sabe ao certo se 180 mil são usuários ou o total de bilhetes mensais credenciados ao uso do sistema. Após três anos de aprovação, é provável que o total de bilhetes tenha ultrapassado a 400 mil unidades ao mês, caso se estabeleça uma correlação com Santo André.

 

O chamado Cartão Legal, como foi batizado o suposto Bilhete Único de São Bernardo, numa jogada de marketing para fortalecer a imagem da Administração Municipal, contempla série de categorias de usuários. Lançou-se inclusive o Cartão Empresarial, destinado às equipes comerciais terceirizadas, colaboradores em período de experiência e para serviços de office-boy ou qualquer deslocamento que se faça necessário. Como se observa, o Bilhete Sem Volta de São Bernardo é de amplitude estonteante. Não se tem informações sobre quanto do orçamento municipal é direcionado ao pagamento da concessionária a título desse tipo de bilhetagem. Provavelmente é superior ao de Santo André, mas muito inferior aos R$ 400 milhões anuais que a Prefeitura de São Paulo entrega aos operadores privados.

 

Blindagem da mídia

 

Quem ganha e quem perde com a implantação do Bilhete Sem Volta? Essa pergunta parecerá provocação, um despautério até, porque o noticiário e mesmo a literatura rala sobre o tema convergem para um mesmo ponto: encontraram uma solução para minimizar os problemas de custos com transporte que agrada tanto ao Poder Público como às empresas. 

 

Será verdade verdadeira que o Bilhete Sem Volta, ou Bilhete de Grego, é tudo isso que dizem ou o controle do Poder Público e dos concessionários de transporte público sobre a mídia chegou ao ponto de blindagem total ante eventuais ponderações menos agradáveis a quem rejeita qualquer possibilidade de restrição?

 

Deixando-se de lado o Bilhete Único da Capital e se concentrando no Bilhete Sem Volta da Província do Grande ABC, o que salta aos olhos é algo a ser analisado com muita determinação, atenção e independência. Há mais que indícios, há fortes possibilidades de tratar-se de uma ação entre amigos tendo como pano de fundo o atendimento mesmo que parcial aos mais desvalidos, aos sem-carro.

 

Quando o socialismo dá as mãos ao capitalismo de forma tão entusiástica como o que se verifica entre administradores públicos e xerifões do transporte coletivo, o melhor é repensar. Não adianta o prefeito de Santo André vir a público e afirmar que atenderá à solicitação de vereadores de oposição ao abrir números da prestação de contas do Bilhete Sem Volta. É muito pouco. O Legislativo de Santo André, como os da maioria dos Municípios brasileiros, não é confiável.  Haja vista o que ocorre com as CPIs escandalosamente anunciadas e sofridamente engavetadas. Cheira mais a encenação a proposta imediatamente aceita por Carlos Grana.

 

Auditorias independentes

 

Todas as planilhas do Bilhete Sem Volta de Santo André, como de São Bernardo, deveriam passar por auditoria independente. Planilhas que contemplariam não só o tiro de largada da implantação da inovação como também antes, para que se tenham dados históricos mais detalhados dos balanços das concessionárias envolvidas e consequentes calibragens dos valores negociados.

 

São tantos os detalhes que envolvem custos e obrigações das empresas de transporte público que qualquer iniciativa que desconsidere a participação de especialistas na apuração dos dados e igualmente na investigação técnica da operação não passará de tapeação.

 

Fosse o prefeito Luiz Marinho transparente, inovador e representante de uma nova gama de gestores públicos de que o Brasil tanto precisa, já teria tomado essas providências. Esperar de Carlos Grana tamanho desprendimento seria um exagero. O prefeito de Santo André não tem maiores ambições políticas, exceto reeleger-se.

 

Luiz Marinho quer ser governador do Estado, preferencialmente em 2014. Sabe que já perdeu a corrida para gente mais apetrechada, mas já está de olho em 2018, certo que de que governo federal petista manterá o tom das pesquisas amplamente favoráveis. Falta combinar com o crescimento do PIB, entre outras variáveis.

 

Menos ociosidade, mais dinheiro

 

Quais seriam os pontos mais relevantes para questionar a introdução do Bilhete Sem Volta em Santo André e em São Bernardo, retirando a iniciativa do patamar de dádiva com viés socialista do setor público e de gesto magnânimo dos operadores privados de transporte coletivo em favor dos usuários atingidos nos bolsos com deslocamentos múltiplos para chegar e voltar do trabalho, principalmente?

 

Tudo indica que o Bilhete Sem Volta é um grande negócio para os transportadores privados. Embora números econômicos e financeiros das companhias que transportam gente sejam desconhecidos, sabe-se que em Santo André a ociosidade média de cada veículo giraria em torno de 40%. Ociosidade no caso é o total de bancos vazios à espera de passageiros. É dinheiro jogado fora, porque se desperdiçam combustível e recursos humanos, além de desgastar o veículo.

 

Sabe-se também que há ajustes sistemáticos e nem sempre de acordo com os pressupostos das licitações vencidas para rebaixar os números de desocupação de poltronas. Embora haja obrigatoriedades explicitadas em processos licitatórios que apontaram os vencedores de concorrências para atender à população, o fluxo de ônibus obedece a uma banda larga de redução à medida que o número médio de passageiros por veículos em determinadas faixas de horários perde força. A recíproca está longe de ser verdadeira, conforme se observa com superlotações em horários de pico.

 

Com o Bilhete Sem Volta as concessionárias ganham um adicional formidável de receitas. Tudo muito simples: a ociosidade se reduz à custa de dinheiro público, que banca o adicional de passageiros. Praticamente todas as despesas médias da operação para colocar ônibus nas ruas evoluem bem abaixo do complemento de receita com a carga incentivada de passageiros. Quanto mais a ociosidade cair, mais rentabilidade terão as empresas concessionárias. 

 

Projeta-se para Santo André um custo mensal de R$ 2,5 milhões para os cofres públicos no ano que vem. Duas vezes e meia o valor da largada prevista para este mês. Preferiu-se ir devagar ao pote de ouro. Os cofres públicos estão debilitados e também porque o impacto das cifras projetadas para 2014 poderia escandalizar os supostos formadores de opinião e, mais que isso, endurecer as relações com os oposicionistas no Legislativo. Oposicionistas até certo ponto, porque todos ou quase todos são candidatos a aproximações com o Executivo.

 

Acordo filantrópico?

 

As concessionárias de transporte tentam fazer crer que fizeram um acordo com instituições filantrópicas ao aceitarem negociar com o prefeito Carlos Grana esse mecanismo de afluxo de passageiros. Falam em investimentos nas frotas e em tecnologia para implantação de controles e gestão do sistema. Nada que seja substancialmente robusto em termos financeiros. Sem contar que nos contratos de concessão do território de Santo André, cláusulas de investimentos em novos ônibus e outras providências são compulsórias.

 

Quem acreditar em benemerência do setor de transporte público ou de qualquer corporação capitalista certamente é candidato potencial a Poliana. O Bilhete Sem Volta é um negócio tão formidável às concessionárias privadas que não é sem razão, por exemplo, que a equipe do São Bernardo Futebol Clube, presidida pelo braço financeiro do prefeito Luiz Marinho, o advogado Luiz Fernando Teixeira, conta com patrocínio máster a SBCTrans, empresa privada que detém as principais linhas de transporte público do Município.



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