Caso Celso Daniel

Estadão muda da água para o vinho
e se alinha à defesa de Sérgio Gomes

DANIEL LIMA - 21/05/2013

Um dos três principais veículos diários impressos do País, o Estadão desembarcou do apoio incondicional ao Ministério Público. Já há algum tempo a publicação vinha revelando nova postura em relação à atuação do MP, mas agora não deixa dúvidas: a lua de mel chegou ao fim, ou pelo menos não reúne mais demonstrações explícitas de alinhamento automático. O caso Celso Daniel é emblemático da virada do Estadão.


 


O que o Estadão publicou ao longo dos anos, assim como a Folha de S. Paulo, e o que publica agora, vai da água para o vinho. Quem ganha é a democracia informativa. O que tivemos durante todo o período do caso Celso Daniel foi um massacre a Sérgio Gomes da Silva. O MP deitou e rolou com informações oficiais e oficiosas que viraram verdades absolutas. Não à toa Sérgio Gomes transformou-se em zumbi, em proscrito. Alguém cujo rosto reconhecido num shopping provavelmente poderia produzir linchamento.


 


Como detesto escrever sem ter o devido respaldo documental ou de fontes que me abastecem sem risco, peço paciência aos leitores para acompanharem trechos de dois editoriais do Estadão, separados no tempo, nas circunstâncias mas perfeitamente encaixados na lógica de que as forças policiais que atuaram no caso Celso Daniel foram tremendamente desrespeitadas pela mídia por conta da proximidade canonizadora com o Ministério Público.


 


Editoriais são, em resumo, a opinião da publicação sobre determinadas questões. À frente da revista LivreMercado durante quase duas décadas , jamais tropeçamos numa única abordagem que ferisse os conceitos que a publicação sempre exarou. Diferentemente de outras publicações que navegam ao sabor dos ventos políticos, partidários e financeiros. Muda-se de opinião com a certeza da impunidade memorial. Os leitores são largamente descuidados, principalmente nestes tempos em que a maioria apenas escaneia rapidamente os textos impressos e digitais. Confunde superficialidade com profundidade. Conhecimento com informação.


 


Em defesa do MP


 


Na edição de 18 de abril de 2004, que capturo em meu acervo físico, o Estadão plenamente alinhado ao esquartejamento de Sérgio Gomes, por conta de uma reação ideológica ao PT, publicou um editorial que avalizava completamente a operação investigatória da força-tarefa do Ministério Público Estadual em Santo André. Uma ação absolutista que agora, com a PEC 37 de alta visibilidade, não deixa a menor dúvida sobre as consequências que terá no Supremo Tribunal Federal.


 


Vamos aos principais trechos daquele editorial de 2004, sob o título “CPI para o caso Celso Daniel”:


 


 A extrema gravidade do assunto deste editorial – as causas do assassínio do então prefeito de Santo André, o petista Celso Daniel, em 20 de janeiro de 2002 – nos obriga, antes de tudo, a chamar a atenção dos nossos leitores para a forma como o Estado volta a tratar do caso: com o necessário destaque, mas sem o mais remoto intuito de “produzir” informações que amparem essa ou aquela versão dos acontecimentos. (...) O que voltamos a publicar a respeito das insistentes dúvidas sobre a investigação policial que concluiu pela tese de que a morte do prefeito foi crime comum são manifestações da família da vítima, na Câmara de Vereadores de Santo André, completadas pela entrevista de João Francisco Daniel, feita pelo jornalista Fausto Macedo, para esclarecer pontos do documento que ele e seu irmão Bruno divulgaram quinta-feira. Acrescente-se que seria motivo de alívio para o Estado se ficasse irrefutavelmente comprovado, como desde sempre sustenta o PT, que o homicídio foi um crime comum, sem nenhum vínculo com as fraudes que se cometeram na prefeitura de Santo André, sem qualquer outra conotação política. Infelizmente, porém, seria inconcebível tratar como fantasioso ou irrelevante o documento de 13 páginas divulgado pelos irmãos de Celso (...) pela passagem do que seria o seu 53º aniversário. O texto é um libelo sobre as “contradições, omissões e falhas” do inquérito policial. (...) Os irmãos estão convencidos de que o assassínio foi um crime encomendado, praticado a mando do empresário Sérgio Gomes da Silva, preso desde dezembro último – e de outras pessoas (...). Mais grave é a denúncia de que a polícia não levou em conta as evidências de que Celso foi torturado em cativeiro – decerto para revelar algo. (...) O documento dos irmãos, um sóbrio rol de questões que clamam por resposta – e a entrevista de João Francisco ao Estado, na qual reitera o que afirmara em depoimento sigiloso ao Ministério Público sobre a finalidade da “caixinha”. (...) Uma coisa é certa: a esta altura, uma CPI sobre o caso tornou-se indispensável.


 


Apenas quem desconhece as artimanhas jornalísticas confundiu aquele editorial do Estadão com algo com alguma intimidade com isenção. O recado estava dado com o peso de uma publicação respeitável. O amontoado de bobagens dos irmãos distantes de Celso Daniel – distantes fisicamente e também ideologicamente – compunha uma orquestração de agentes múltiplos, inclusive dos promotores criminais que atuaram no caso, para consolidar a versão de crime de encomenda que até então três investigações policiais desqualificaram com amplas provas.


 


O Estadão daquele 2004 era francamente favorável à sacralização e à extrema competência, qualificação e constitucionalidade do MP no caso Celso Daniel. As polícias que investigaram exaustivamente o incidente eram simplesmente esquecidas, quando não postas sob suspeita. Valiam mesmo as declarações dos irmãos de Celso Daniel, inconsoláveis entre outras razões porque perderam alguém que mal conheciam na grandeza de gerenciador público. Um distanciamento que jamais foi pauta jornalística das grandes publicações, porque não convinha. Eles seriam qualificados como acusadores interesseiros, quando não oportunistas. O link abaixo dá uma dimensão mais exata da realidade que envolveu os irmãos de Celso Daniel no caso.


 


Em defesa das polícias


 


Agora, vamos para o segundo editorial do Estadão, de 11 de abril deste ano, sob o título “O mutirão do Ministério Público”. Não custa exceder pela obviedade interpretativa: reparem o distanciamento conceitual entre o editorial de 2004 e o que se segue:


 


 Se fosse apenas uma demonstração de eficiência dos Ministérios Públicos estaduais e da Procuradoria-Geral da República no cumprimento de suas atribuições funcionais, o mutirão contra a corrupção – integrado por 158 promotores – mereceria aplausos. Infelizmente, porém, ele foi realizado com propósitos corporativos e políticos. Opondo-se à Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 37, que reserva a função de Polícia Judiciária às Polícias Federal e Civil e retira do MP a competência para promover investigações criminais, promotores e procuradores usaram o mutirão para pressionar o Congresso – e, mais grave, não ocultaram a intenção. “O MP está mobilizando a sociedade no sentido de mostrar que o que se deseja com a PEC 37 é concentrar as investigações num único órgão do Estado, a Polícia. É um retrocesso gigantesco, para a persecução penal e para o combate à corrupção”, disse o procurador-geral da República, Roberto Gurgel. (...) Mais do que um ato de protesto, essas operações midiáticas são uma verdadeira tentativa de retaliação contra políticos, por parte do MP. (...) Com o mutirão, promotores e procuradores podem ter mostrado serviço, mas isso não significa que a PEC 37 – de autoria de um deputado que é delegado de Polícia aposentado – não seja procedente. Além da conhecida animosidade entre as duas corporações, é preciso ficar claro que a investigação criminal sempre foi, por princípio, atividade de polícia. Ao Ministério Público não compete investigar – mas, isto sim, determinar a abertura de investigação. No Estado de Direito, quem acusa não deve ter a prerrogativa de investigar, sob pena de se pôr em risco o devido processo legal e ferir liberdades públicas e individuais. A conversão do Ministério Público num órgão superdimensionado compromete o salutar princípio do equilíbrio entre os Poderes. O País muito ganharia se o MP e os órgãos policiais exercessem seus respectivos papéis com eficiência – o que proporcionaria uma Justiça menos sujeita a improvisações e a rivalidades corporativas – escreveu o editorialista do Estadão.


 


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Está chegando a hora da verdade sobre a inocência de Sérgio Gomes


 


Como entender depoimentos conflitantes dos irmãos?


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