Vai completar cinco anos a lista de bandidos da Província do Grande ABC que o então candidato à Prefeitura de Santo André pelo DEM, Raimundo Salles, prometeu entregar ao grupo de elite de investigação do Ministério Público Estadual. A pergunta que se faz, em função das declarações de Raimundo Salles, hoje secretário de Cultura da Prefeitura petista de Santo André, é a seguinte: já que não morreu nem foi morto, os bandidos viraram santos ou Salles se juntou a eles?
Não estou exagerando um tiquinho nos enunciados acima. Tanto que reproduzo os dois primeiros blocos dos parágrafos da entrevista ao jornal Repórter Diário de nove de agosto de 2008, sob o título “Salles afirma que primeira ação é chamar o MP”. Quem o entrevistou foi o excelente repórter Leandro Amaral:
Sem papas na língua e em tom polêmico, o candidato a prefeito de Santo André, Raimundo Salles (DEM) disse que, se eleito, seu primeiro ato como gestor será chamar o Gaerco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado) que tem como função básica o combate a organizações criminosas. “A cidade precisa do Gaerco porque ela tem que ser passada a limpo. É a primeira coisa que eu faço. Eu vou ao Ministério Público, reúno com eles e falo: tem que cercar tudo e vê como fica. Porque a coisa aqui está feia. Ou você morre ou você mata, pois existe muito bandido, muita gente que tem feito mal ao povo”, afirmou.
Endereços conhecidos
Quem conhece Raimundo Salles do passado, semelhante ao Raimundo Salles ardiloso do presente, sabe muito bem o endereço de suas declarações. A ideia de que tudo vale durante a campanha eleitoral, porque a política tem ética flácida o suficiente para se brincar com a expectativa dos consumidores de informações, releva as declarações de Raimundo Salles, mas não é essa a expectativa da população. Raimundo Salles é suficientemente ensaboado para dizer que cumpriu a promessa, porque não chegou ao Paço Municipal de Santo André, derrotado em primeiro turno por uma margem ínfima em relação a Aidan Ravin, que, indo ao returno, venceu o candidato petista Vanderlei Siraque.
Preferiu Raimundo Salles, como se sabe, deixar o tempo passar e abrir mão da verborragia contundente que desativaria as minas de corrupção que colocam Santo André e a Província do Grande ABC no lixo da cidadania.
Tenho por Raimundo Salles mais apreço do que aqueles com os quais convive na política, porque a aproximação com os situacionistas de Santo André foi apenas um jogo de interesses que solaparam o que restava de coerência discursiva daquele que chegou a ser imaginado como um divisor de águas na política do Município. O apreço por Raimundo Salles, no entanto, não congela a consciência jornalística. A frustração que causa à sociedade de Santo André e da região é imensurável, porque se descobre o quanto é escassa a resiliência ante a farra geral e irrestrita de quem vive em torno ou no centro do poder político regional.
De bem com a vida política, num conceito estreito de curto prazo, já que o capital de credibilidade esboroou com a adesão a adversários detratados ao longo dos tempos, Raimundo Salles jamais voltou a falar sobre a bandidagem à qual se referia subliminarmente na entrevista ao Repórter Diário. Quem o procurar vai encontrar um secretário municipal a tergiversar sobre o assunto. Não convém tocar na ferida entre outras razões porque estaria cutucando a si próprio, caso se considere a possibilidade de que como não morreu nem matou, e muito menos fez as denúncias, só restaria a quarta opção.
Campanha emblemática
Não vou recuperar agora declarações de Raimundo Salles na campanha à Prefeitura de Santo André no ano passado, quando voltou a se candidatar e teve menos votos que antes, embora propague peso preponderante na vitória em segundo turno do petista Carlos Grana por conta de suposta influência de votos na classe média tradicional. Embora mantivesse o discurso durante algum tempo no ano passado, Raimundo Salles já não era tão enfático. Afinal, fez um jogo de cartas marcadas de apoio discreto a Carlos Grana já no primeiro turno, numa combinação de natural ambição de somar votos para aumentar o cacife de negociação para o segundo turno. Prefiro a campanha de Raimundo Salles à Prefeitura de Santo André em 2008. Algumas matérias que constam de meus arquivos de papel são suficientes para mostrar o quanto Raimundo Salles e a maioria dos políticos são camaleônicos.
Aliás, exatamente para mostrar incoerências e oportunismos da classe política, muitos outros cases passarão a constar mais seguidamente de CapitalSocial. Refrescar a memória dos leitores, a maioria dispersa, é sempre um remédio saudável a medidas preventivas que reduzam os efeitos de novos contos do vigário. Insumos não faltam em meus arquivos. Aliás, sofro quando me meto a atualizá-los, como neste final de semana, porque o descarte arbitrário do que considero com prazo de validade vencido se mescla com joias preciosas como às mutações ideológicas de Raimundo Salles em relação ao PT, agora berço de seus projetos políticos.
Querem ver? Então, vamos voltar ao desempenho do passado de Raimundo Salles. Na edição de 12 de julho de 2008 do Diário do Grande ABC, sempre durante a campanha eleitoral, vejam o que foi publicado:
(...) Em outro ponto do Município, o DEM percorria com caminhão de som a Rua Carijós. Os candidatos a prefeito, Raimundo Salles, e a vice, Wilson Bianchi, revezavam-se nos microfones para atacar a Administração petista. “O PT escolheu o Centro para começo de campanha porque acha que lá é o local mais importante da cidade”, alfinetou Bianchi. “Quem fará uma cidade policêntrica é o DEM, não o PT. Estamos demonstrando isso com a campanha. Enquanto o Siraque fica no discurso, temos a prática. Estamos em todos os locais, especialmente na periferia, onde o PT abandonou a população”, reforçou Salles. O democrata afirmou que os petistas tiveram 12 anos para levar desenvolvimento a outros bairros, mas optaram por não fazê-lo. “A campanha do PT, na verdade, é a polifisiológica”, emendou. Questionado sobre a quantidade de militantes que o PT levou às ruas pela manhã, Salles ironizou: “Pelo número de comissionados da Prefeitura, e considerando que cada um deles tem ao menos quatro familiares, esperava um evento de no mínimo 12 mil pessoas”.
O mesmo Raimundo Salles que ainda outro dia numa entrevista ao Diário do Grande ABC em formato de TV na web fez elogios ao agora deputado federal petista Vanderlei Siraque, se referiu ao então candidato a prefeito de Santo André com os seguintes termos, conforme matéria do Diário do Grande ABC de 16 de julho de 2008, em matéria sob o título “Raimundo Salles volta a alfinetar candidatura petista à sucessão”:
A incompreensão se deve ao fato de ele desconhecer a força de uma escritura pública, embora seja advogado”. A frase, dita ontem pelo candidato a prefeito de Santo André (...) foi direcionada ao adversário Vanderlei Siraque (PT). O democrata lamentou a avaliação do petista, que horas antes o havia criticado em função da atitude de registrar o plano de governo em cartório. “Ele não entende a importância devido à formação sindicalista. Até porque, objetivamente, ninguém tem conhecimento de sequer uma audiência a qual tenha feito como advogado”, ironizou. Salles reafirmou que o registro da escritura declaratória de compromisso público, com as propostas para o Município, é importante. “Trata-se de ato simbólico, de responsabilidade e respeito às pessoas. Além disso, se fosse algo tão insignificante como diz, por que as pessoas compram casa e fazem a escritura”, questionou.
Ultrapassando os limites
Quem acha que os ataques de Raimundo Salles ao PT e ao candidato petista naquela disputa de 2008 tem limites terá dificuldades em identificar esses mesmos limites. Em 18 de julho de 2008, numa matéria sob o título “Siraque faz campanha em São Bernardo”, uma retranca (matéria auxiliar) contava as andanças de Raimundo Salles que, entre moradores dos bairros Camilópolis e Utinga, prometia criar uma subprefeitura no 2º Distrito, velha cantilena de concorrentes ao Paço Municipal. E disse mais:
Salles garantiu ter escolhido propositalmente o reduto eleitoral de Vanderlei Siraque para concentrar as ações de campanha ontem. “Quero matar a cobra no ninho. Não tenho medo do enfrentamento”, reforçou. O democrata novamente não perdeu a oportunidade de alfinetar aquele que considera o seu “principal concorrente”. “O Siraque se apegou à máxima de que santo de casa não faz milagre e não fez nada mesmo por esta região”.
Embora tenha vontade de parar por aqui nas reminiscências daquela campanha eleitoral, ainda há outras páginas que separei quase que aleatoriamente. Na edição de 19 de julho de 2008, sob o título “Siraque recebe apoio de ambulantes”, Raimundo Salles aparece mais uma vez em situação editorial subsidiária (ele estava em briga com a direção do jornal), embora as declarações fossem fortes e verdadeiras:
Primeiro candidato a fazer campanha em Paranapiacaba nesta eleição, Raimundo Salles (DEM) voltou a disparar contra a administração petista: “Não quero falar sobre Paranapiacaba do glamour, maquiada apenas para receber turistas em julho. Há um Paranapiacaba que ninguém conhece, miserável, que o PT virou as costas”. Para Salles, a Prefeitura monta “um cenário cenográfico global” durante o Festival de Inverno, mas esquece de dar atenção a quem reside no local. “A impressão é que Rio Grande da Serra dá mais importância aos moradores do que Santo André. Enquanto isso o candidato do PT vai pedir voto em São Bernardo quando deveria vir aqui ver como o povo se sente” – publicou o jornal.
Quem conhece a realidade de Paranapiacaba sabe que praticamente nada se alterou. Mas as declarações de Raimundo Salles, hoje secretário de Cultura e Turismo de Santo André, função diretamente ligada àquela área, mudaram completamente.
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