Escrevi de passagem ontem o que vou detalhar hoje, ainda sobre a pesquisa que o Diário do Grande ABC publicou na edição de domingo ao traduzir a avaliação estatística dos prefeitos da região depois de cinco meses de mandato. Trata-se da interpretação do posicionamento dos eleitores dos candidatos derrotados no primeiro turno, em outubro do ano passado. Os dados do DGABC Pesquisas, braço estatístico do jornal, estão completamente furados e em desacordo com princípios elementares de sondagens junto ao público. Estão completamente fora de lógica.
A situação vale para todos os derrotados. Por isso, basta tomar como exemplo o caso de Santo André para uma explicação geral e irrestrita. E também à conclusão de que quem está autorizando a produção de textos sobre o trabalho no Diário do Grande ABC precisa fugir do reducionismo estatístico sob pena de descredenciamento técnico e avacalhação interpretativa.
Para tentar alcançar um nível de didatismo, transcrevo os parágrafos que interessam diretamente a essa análise, os quais constam da reportagem da edição de domingo do Diário do Grande ABC:
Os eleitores do ex-prefeito Aidan Ravin (PTB) e do atual secretário de Cultura, Raimundo Salles (PDT), segundo e terceiro colocados na disputa pelo Paço em 2012, reprovam a administração Carlos Grana (PT). A fatia do petebista aplicou nota 4,1 à questão do sucessor, enquanto o público do pedetista deu nota 4,8. O curioso do número apontado é que Salles – depois de apoiar o petista no segundo turno do pleito – integra o primeiro escalão do governo. Em relação ao titular de Cultura, 55,6% avaliam como apenas regular o andamento da gestão do PT. Dentro desse prisma, 22,2% rejeitam e só 11,1% dão conceito de positivo ao governo. Os votantes de Grana, no entanto, registraram número favorável na pesquisa: nota 6,2. Na média, houve 26% de aprovação considerando os diferentes públicos. As notas de regular ficaram em 41,8% e 16,9% manifestaram contrariedade sobre as condições da administração. Índice parecido ao eleitorado simpático ao PT foi computado pelo público que votou no primeiro turno em Nilson Bonome (PMDB), ex-secretário do governo petebista, que ficou em quarto lugar no páreo. Os adeptos ao peemedebista deram nota 5,8 à gestão petista. Desse número, 25% avaliam como bom e 50% como regular mais para bom.
Enunciados equivocados
Todo o enunciado acima produzido pelo Diário do Grande ABC afronta qualquer sustentação técnico-estatística. Para que esses resultados fossem considerados convincentes, o universo da pesquisa específico sobre o comportamento dos eleitores dos candidatos derrotados em primeiro turno deveria contemplar 400 entrevistados, com margem de erro de cinco pontos percentuais. Exatamente como se deu na matriz principal da pesquisa, que avaliou a gestão de Carlos Grana. Não se pode pegar impunemente um subproduto da pesquisa e transformá-lo em produto igualmente principal.
Quantas das 400 entrevistas realizadas em Santo André e que compuseram o terreno de análise do Diário do Grande ABC ouviram eleitores de oposição a Carlos Grana? Suponhamos que o eleitorado pesquisado que não votou em Carlos Grana reproduzisse o resultado do primeiro turno das eleições de outubro do ano passado em Santo André. Naquela oportunidade, Carlos Grana obteve 42,85% dos votos válidos, contra 37,23% de Aidan Ravin e 13,42% de Raimundo Salles.
Para que a interpretação do resultado estratificado do eleitorado de Raimundo Salles sobre a gestão do petista Carlos Grana retratasse a realidade destes primeiros cinco meses de gestão, seriam necessárias 400 entrevistas exclusivamente com o eleitorado do pedetista, com margem de erro de cinco pontos percentuais. O conceito vale para os eleitores de Aidan Ravin e também dos demais derrotados não só em Santo André como nos demais municípios.
Extrapolando números
O grande erro do Diário nessa questão foi extrapolar os resultados do eleitorado de Raimundo Salles no universo exclusivo de 400 entrevistas que procuraram decifrar o rendimento da administração de Carlos Grana. Supondo-se que na pesquisa do Diário do Grande ABC o eleitorado de Raimundo Salles não tenha ultrapassado os votos que lhe foram confiados em primeiro turno no ano passado, aqueles 13,42%, a conclusão é óbvia: a margem de erro estouraria e desclassificaria qualquer cientificidade numérica. Traduzindo: se em 400 entrevistas a margem de erro do DGABC Pesquisas era de cinco pontos percentuais, nas 13,42% entrevistas supostamente com eleitores de Raimundo Salles (um total de 53 eleitores) a margem de erro subiria às alturas. Ou alguém acredita que um minúsculo universo de 53 eleitores (entre 400 entrevistados gerais) de Raimundo Salles representaria estatisticamente uma posição confiável de aprovação ou reprovação da administração Carlos Grana, objeto principal da pesquisa? É claro que não.
Caso a abordagem se refira ao ex-prefeito Aidan Ravin, e seguindo a mesma trilha conceitual utilizada para desqualificar as interpretações do Diário do Grande ABC sobre o comportamento do eleitorado de Raimundo Salles, a conclusão é semelhante, embora com números mais robustos: teriam sido entrevistados apenas 93 eleitores do petebista num total de 400 eleitores. A margem de erro, de cinco pontos em 400 entrevistas, alcançaria as alturas com apenas 93 eleitores. Mais que isso: tornaria espiritualista qualquer avaliação crítica sobre o desempenho do petista Carlos Grana.
Não pensem os leitores que me divirto com as burradas do DGABC Pesquisas. Muito pelo contrário. Se existe alguém que torce imensamente para que a Província do Grande ABC ganhe dados estatísticos confiáveis é este jornalista. Sistematicamente, sou eu mesmo quem se lança a perscrutar fontes insondáveis ou mesmo mal cavoucadas para organizar dados regionais que possam servir de base a argumentações. Sem contar que saio à cata de dados externos a fim de não ficar preso ao casulo de um regionalismo à moda antiga.
É por essas e outras que mantenho olhos e mente grudados no G-20, o grupo dos 20 maiores municípios do Estado de São Paulo, os quais juntei exatamente porque entendo que devo confrontá-los permanentemente para contar com mais segurança quanto às observações econômicas, sociais, criminais e tantas outras mais que se fazem necessárias.
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