Luiz Marinho tem enormes dificuldades quando sai do armário. Entenda-se por armário o habitat especial em que vive, no gabinete do Paço Municipal de São Bernardo. Ou mesmo quando vai à periferia com séquito de assessores e secretários municipais. Fosse já o que pretende ser um dia, ou seja, governador do Estado, as declarações que fez na manhã de sábado em Santo André seriam letais pelo contexto histórico e também pelo primarismo de raciocínio. Luiz Marinho seria reduzido a pó.
Sorte de Luiz Marinho que a mídia regional o trata como bebê em maternidade de ricos. E sorte também que o Estado de São Paulo não seja governado por ele. Por mais que Geraldo Alckmin não seja aquele exemplar de talento com as palavras, ao menos não é destrambelhado.
Principal cacique político da Província do Grande ABC nestes anos 2010 do terceiro milênio, e em situação muito mais vantajosa de que gozou Celso Daniel em meados da última década do século passado, Luiz Marinho surpreende pela decepção recorrente. Fosse apenas isso, tudo seria menos desanimador. O problema é que ao lidar com certas circunstâncias que fujam do script, desaba de vez.
Veja as declarações de Luiz Marinho durante o discurso de sábado na chamada caravana da Macro PT ABC, realizada em Santo André, encontro que reuniu os principais nomes da agremiação na região. Leiam com atenção o que reproduzo do Diário do Grande ABC de ontem, domingo:
Ao comentar sobre os protestos violentos realizados na noite de sexta-feira na região, com atos de vandalismo e saques em Mauá e em São Bernardo, o petista disse que foi um erro coletivo a redução da tarifa da Capital na semana passada, de R$ 3,20 para R$ 3,00 decorrente da pressão de manifestantes sobre o prefeito, Fernando Haddad (PT). “O certo seria fazer a correção (da tarifa) para R$ 3,40 em janeiro. Depois viria a MP (Medida Provisória) que reduziria para zero as alíquotas do PIS (Programa de Integração Social) e Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social) e a passagem poderia ser reduzida para R$ 3,20”.
Reação desrespeitosa
Acredite quem quiser que toda essa bobageira saiu da boca daquele que se consagrou no meio trabalhista como liderança sindical moderada, incentivadora de consensos. Luiz Marinho demonstra mais uma vez que é um prefeito cercado de assessores incompetentes, porque num momento como esse, de tensão nacional, de orquestração histórica de novo modelo de relacionamento entre sociedade e governos, simplesmente traça uma estratégia multiplamente suicida, quando não desrespeitosa.
Primeiro porque o adiamento do reajuste das passagens em São Paulo e no Rio de Janeiro, entre outras capitais, foi decisão política da presidência da República e de assessores de diversos calibres temáticos, todos preocupadíssimos, em janeiro, como estão agora, com a inflexão inflacionária. Seguisse o governo Dilma Rousseff a premissa de Luiz Marinho, o que teríamos provavelmente seria a antecipação do movimento popular, porque os rescaldos inflacionários apareceriam bem antes.
A filosofia de mascate de Luiz Marinho, explícita na redução da tarifa depois do aumento cavalar sugerido, é digna de um mural que poderia ser erguido para reunir frases antológicas de autoridades momentaneamente ou não desprovidas de bom senso. Sugeriria que a muralha das bobagens tomasse todo o entorno de Brasília, a capital dos desperdícios. Os recursos financeiros que viabilizariam a obra seriam retirados inapelavelmente do bolso de cada um dos falastrões.
O golpe dos 20 centavos de Luiz Marinho, como se desprende da iniciativa que o prefeito de São Bernardo explicitou aos militantes do PT, deve ter causado certo espanto da plateia, isso se a plateia que o ouviu tiver o juízo no lugar. Talvez não tenha nestes dias em que não só o PT mas todas as agremiações políticas que transformaram o País numa zona de meretrício institucional estão atônitas com a maior surpresa reservada à sociedade desde a redemocratização do País: os agentes políticos não têm vez na voz das ruas, diferentemente dos tempos de Diretas Já e de renúncia de Collor de Mello.
Já imaginaram se as declarações de Luiz Marinho fossem flagradas, documentadas, gravadas, publicadas, por todas as instâncias da mídia nacional? Provavelmente teria a carreira encerrada como incentivador de um golpe nos bolsos e um ataque frontal na inteligência da população. Estaria chamando a todos de otários e analfabetos matemáticos.
Liderança desanimadora
O que esperar do futuro da Província do Grande ABC se a principal liderança política trata o movimento mais marcante das últimas décadas neste Pais com o sentimento de vendedor de bugigangas em farol de trânsito? Sim, vendedor de bugiganga que sobrevive ao dilúvio industrial da região. Vendedor que começa com os preços de bonés, doces, toalhinhas, carregadores de celulares, entre tantos objetos, lá em cima e terminam lá em baixo, de acordo com a paciência do cliente, quando não com leilão às avessas.
Quem imagina que a presença de Luiz Marinho como coordenador político do PT no Grande ABC tenha se notabilizado apenas porque o espirito dos faróis luminosos do trânsito lhe tomou o corpo está enganado. Ele também não teve fair-play para lidar com o fracasso do próprio encontro. Vejam a reprodução do Diário do Grande ABC:
Na abertura do encontro, que teve caráter estadual, Marinho reclamou da ausência de militantes petistas. Cerca de 180 participantes acompanharam a atividade, que tinha por objetivo traçar metas para a eleição de 2014, mas que se transformou num debate sobre as manifestações políticas pelo País. “A plenária está pequena. Nosso partido é maior que isso e se muitos não estão aqui é que algo está acontecendo na maneira como conduzimos os trabalhos”, disse Marinho. Ele também cobrou a participação de secretários municipais das cidades da região que a sigla governa. “Todos os secretários deveriam estar aqui”, esbravejou. Mas, apesar da cobrança do chefe do Executivo, apenas três integrantes de sua equipe de governo estavam presentes na reunião: a mulher dele e secretária de Orçamento e Planejamento Participativo, Nilza de Oliveira, o titular da Pasta de Governo, José Albino de Melo, e o secretário especial de Gabinete, Raimundo Silva – escreveu o Diário.
Não sei o que veio primeiro no discurso de Luiz Marinho, se o ovo da bronca nos petistas ou a galinha da irritação pela tarifa reduzida na Capital do Estado. Acredito, pelo relato jornalístico, que primeiro veio a bronca. Seja lá o que for, a ordem dos fatores não altera o produto final, e o produto final é uma jornada extravagantemente infeliz de Luiz Marinho.
Pelo menos o prefeito de São Bernardo não foi desastrado por completo, porque caso se metesse a diagnosticar para valer as razões que levaram a militância do PT a abandonar o jogo nesse encontro estadual, produziria material bélico de fatos do qual nem ele mesmo conseguiria escapar.
Cafetinagem política
O PT, caro Marinho, e você sabe disso, virou casa de Irene. As ruas ficaram coalhadas de gente porque o PT conseguiu superar todas as demais agremiações em abusos, desrespeitos, omissões e sem-vergonhices. Justamente o PT que se dizia única virgem em casa de tolerância e se constatou, como o aperfeiçoamento do mensalão, nascido nas entranhas do PSDB, que se transformara em cafetina.
A linguagem é metafórica e deliberadamente agressiva entre outros motivos porque faço parte do grupo que entende ser a diplomacia um bom remédio para curar determinadas enfermidades, mas a radioterapia de certos exageros apressa sim o tratamento.
O PT tem cavoucado a própria sepultura de desencanto popular porque não se apercebeu que as lambanças que patrocina, e entenda-se lambanças como acúmulo de irregularidades, já não resistem ao senso comum de quem começou a acreditar que vale a pena botar o bloco nas ruas.
As divindades petistas e de tantos outros partidos políticos estão sendo destruídas por um sentimento de revolta que vai muito além de 20 centavos, que não são os 20 centavos extraordinariamente projetados por Luiz Marinho, nosso pretenso vendedor de bugiganga.
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