Administração Pública

Marinho confessa: não tem força
para enfrentar donos do transporte

DANIEL LIMA - 28/06/2013

Juro por todos os juros e também pelos 20 centavos mais emblemáticos da história brasileira que faço esforço para encontrar motivos que possam conferir ao prefeito Luiz Marinho uma categoria diversa da crítica mais ácida com que o tenho contemplado, para que não pareça este jornalista radical perseguidor do petista.

 

Mas o que posso fazer se Luiz Marinho não cansa de levantar a bola para que eu faça gol de placa? Fosse ele um prefeito qualquer e não tivesse a liderança política regional, dificilmente o teria em minha mira, mas como é importante para os rumos da Província do Grande ABC, hei-me agora a lhe distribuir catiripapos analíticos. A mais recente escorregadela de Luiz Marinho foi a declaração de que é ilusão discutir redução do lucro dos empresários de transporte coletivo.  E também algumas frases complementares.

 

A reportagem foi publicada pela versão digital do jornal Repórter Diário desta terça-feira. Para facilitar o entendimento do que procuro tratar em seguida, o melhor é reproduzir os trechos principais da matéria sem ferir qualquer sentido sistêmico:

 

 O prefeito de São Bernardo e presidente do Consórcio Intermunicipal Grande ABC, Luiz Marinho (PT), disse que é “ilusão” discutir o reajuste da tarifa do transporte urbano considerando a redução da margem de lucro dos empresários do setor. Na avaliação do petista, a medida forçaria as concessionárias a minimizarem custos com pessoal e encaparem outras ações que podem diminuir ainda mais a qualidade do serviço. “Dá pra reduzir o lucro do seu patrão?”, questionou à reportagem. “Então, é disso que se trata”. A ideia de abrir a “caixa-preta” do transporte, com a exposição e discussão pública das planilhas de composição de custo foi uma das bandeiras levantadas pelo Movimento Passe Livre (PML), que tomou as principais vias de vários Estados da Nação em manifestações que cobravam a redução imediata da tarifa de transporte urbano. (...). O petista lembrou que em outros protestos na região, episódios de vandalismo foram registrados. “A manifestação é um grito que já surtiu todo o efeito, incluindo negativos, porque abriu a possibilidade de marginais quebrarem coisas. Isso significa custos para a cidade. Tentaram quebrar o vidro do Paço (em protestos na semana passada), só não o fizeram porque estamos protegendo”, comentou. (...) Marinho também criticou a “falta de senso” de parte da população em relação ao planejamento de uma cidade. “Nós acabamos de fazer 20 plenárias (do Plano Plurianual Participativo). Eu abri para a possibilidade de mais pessoas discutirem o planejamento dos próximos quatro anos, e muitos deles (manifestantes) não compareceram”, apontou.

 

Primeiro, os empresários

 

Mais que provavelmente Luiz Marinho cometeu um ato falho ao perguntar à jornalista do Repórter Diário (“dá para reduzir o lucro do seu patrão?”). Teria confessado Luiz Marinho publicamente que o empresariado de transporte urbano é patrão dele e dos demais prefeitos? Exagero? Se não são patrões, têm tudo de patrões, porque deitam e rolam nas planilhas de custos que lastreiam os valores das passagens. Sem contar que contam com toda a negligência do setor público ao não cumprirem o planejamento estabelecido para abastecer as cidades com fluxo minimamente responsável de ônibus, sobretudo no intervalo dos horários de pico, de manhã e de tarde. Para tanto, sonegam veículos aos usuários durante larga parte do dia com manipulação da fiscalização e nos horários de pico jogam os trabalhadores em espaços tão precários e indecentes quanto as celas de cadeias públicas.

 

Se a caixa-preta do setor de transporte público for aberta por especialistas de consultorias independentes, se houver fiscalização de campo sem aviso prévio durante tempo suficiente para que se dê um drible da vaca em eventuais encenações, se vasculharem os custos operacionais com base na realidade de mercado dos insumos utilizados, se essas providências forem tomadas, o prefeito Luiz Marinho descobrirá que não é à toa o fato de os empresários do setor estarem morrendo de ganhar dinheiro enquanto a população é tratada como gado.

 

E olhem que nem estou me referindo às trambicagens do bilhete único e assemelhados, que, ao contrário do que imaginam os ingênuos, mais que atender a parcelas específicas de usuários, abriram as portas de vez à lucratividade dos magnatas do setor. Eles ganharam duplamente, na produtividade de ocupação dos assentos e no aumento do fluxo financeiro, porque não existe almoço de graça e quem paga a conta é a Administração Pública, com dinheiro de impostos dos contribuintes. Portanto, há gordura demais para baixar as tarifas muito além dos 20 centavos sem que o encargo recaia sobre o Poder Público, como recaiu.

 

O prefeito Luiz Marinho não sabe a diferença de relacionamento trabalhista entre as empresas convencionais e as empresas de transporte urbano. Se soubesse, saberia que o patrão sobrerrodas não é o patrão da maioria das atividades econômicas. O patrão sobrerrodas tem a receita financeira mais que garantida pelas concessões de linhas que lhes garantem exclusividade ou na pior das hipóteses uma concorrência de araque. Concessões que, com as diversas modalidades de bilhetes premiados, ou bilhetes únicos, engordam as burras dos empresários.

 

Protestos e participação

 

Já quanto aos protestos dos manifestantes e à participação nos chamadas PPPs, valem as seguintes breves avaliações:

 

Primeiro, sobre as manifestações, é estranho que o prefeito Luiz Marinho só tenha se referido ao que chamaria de parte condenável das mobilizações, que trata das depredações e violências, radicalismos que ocuparam minoritariamente o tempo despendido pelo povo para ir às ruas principalmente contra a classe política inoperante. Classe política inoperante é quase um pleonasmo, se observada com rigor. Lamenta-se que Luiz Marinho não tivesse registrado uma declaração sequer de satisfação com a mobilização do povo. Bem diferente, portanto, dos tempos de líder sindical que levava os trabalhadores a ações assemelhadas nas portas de fábricas e, quando necessário, às ruas.

 

Segundo, sobre o Plano Plurianual de Participação, espécie de menina dos olhos da administração de São Bernardo e versão com marketing rejuvenescido do Orçamento Participativo, a ausência “deles”, os manifestantes, e de tantos outros estratos da população, provavelmente tem tudo a ver com o modus operandi do projeto, excessivamente partidarizado, muito acima de suposta neutralidade de uma administração pública. Nada que possa ser hipocritamente condenado, porque todo gestor público puxa a sardinha partidária para a brasa de resultados eleitorais. Mas exatamente por isso, por conta da fadiga do material das agremiações políticas, o grosso da sociedade quer mesmo é distância de programações que tenham cunho colorido.

 

Sem contar, também, que o Plano Plurianual Participativo representa fatia tão ínfima de recursos orçamentários sob a influência da população que não há termos de discussão entre o suposto necessário engajamento no projeto e a muito mais contundente mobilização que ganhou as ruas.

 

Talvez o prefeito de São Bernardo, sindicalista que fez história porque acompanhou a modernidade relativa da atividade e jogou na lata do lixo a verborragia mais abrasiva dos antecessores, esteja enciumado com o turbilhão que invadiu as ruas e direcionou toda a carga de desencanto especialmente em direção aos palácios. Possivelmente Luiz Marinho jamais pudesse acreditar que o monopólio de reivindicações nas ruas fosse dos sindicalistas, apenas dos sindicalistas. E, pior ainda, que os manifestantes dirigissem baterias principalmente em direção ao governo federal até então mais que convicto de que a aeronave rumo à reeleição estava confortavelmente no piloto automático. A turbulência jogou toda a classe política no vácuo que há muito merecia. Um vácuo de insatisfação com uma herança que nem a tentativa de produzir uma nova classe média conseguiu entorpecer. Muito pelo contrário, porque a chamada nova classe média caiu na real.  

 

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