Administração Pública

Abrir planilhas de transporte
é apenas o início do processo

DANIEL LIMA - 18/07/2013

Prefeitos da Província do Grande ABC começam a ser pressionados à abertura de planilhas de transporte urbano, na esteira da mobilização do início de junho na Capital paulista e que culminou no turbilhão metropolitano que arregaçou com quase tudo o que restava de prestígio da classe política.

 

O prefeito Carlos Grana, de Santo André, já se comprometeu a jogar limpo com a população. Donisete Braga, de Mauá, quer repetir uma decisão de Fernando Haddad, o petista prefeito da Capital. De Luiz Marinho, prefeito dos prefeitos, não se tem ainda nenhuma informação. Exceto que, ante a mobilização de um movimento por melhoria do sistema de transporte público, respondeu com truculência à saída acidentada do Clube dos Prefeitos, em Santo André.

 

Abrir as planilhas é muito pouco se o sentido for democratizar as contas. Prefeito comprometido com eficiência administrativa deve ir mais longe. A formação de Conselho Municipal de Transporte ou algo equivalente sem especialistas que traduzam numeralhas nem sempre inteligíveis seria bobagem, porque provavelmente chancelaria incorreções e desvios. É indispensável que as planilhas sejam objeto de investigações cruzadas, tendo como referencias sistemas de municípios onde pressupostamente haja mais eficiência, além de vetores situacionais.

 

Tomara que tudo se encaminhe para jogar luzes onde há trevas e desconfianças, mas aferir o custo do transporte público é uma tarefa e tanto. Há peculiaridades e especificidades que fazem a diferença. Nem tudo que reluz é ouro nessa seara reconhecidamente fértil ao financiamento de campanhas eleitorais e ao enriquecimento nem sempre dentro das normas de mercado concorrencial sadio. As relações entre empresários do setor e administradores públicos se rivalizam em potencial de desvios ao que promovem nos escaninhos do poder os mercadores imobiliários, as empreiteiras e os donos do lixo urbano.

 

Mapa conhecido

 

Quem conhece um mínimo de gestão pública sabe que esse quarteto de mágicas forma uma monumental caixa-preta. Sem contar, é claro, e os indicadores de corregedorias estaduais e federal estão aí a provar, as áreas de Educação e Saúde de orçamentos milionários carimbados pela obrigatoriedade de investimentos constitucionais. A Fundação do ABC, de R$ 1,2 bilhão de receita e históricas gestões compartilhadas por interesses políticos e partidários, não é por acaso a única regionalidade que dá certo numa região autárquica ao extremo.

 

A situação do transporte urbano é tão delicada na Província do Grande ABC a ponto de o prefeito de Mauá, Donisete Braga, declarar como declarou ao Diário do Grande ABC que não é capaz de adotar a proposta de abertura das planilhas porque simplesmente não tem o controle de gerenciamento de informações do setor, de responsabilidade de uma empresa privada. Donisete Braga sugere a criação de uma autarquia municipal, a MauáTrans, para gerenciar o sistema, como se isso fosse a solução. Sem mecanismos de controle social de fato, não para inglês ver, nada se resolverá para reduzir a carga de malfeitos.

 

A disputa por recursos orçamentários públicos torna a iniciativa privada partícipe e refém de pressões e conveniências que ultrapassam os conceitos de ética e moralidade. Seria espantoso se o setor de transporte não constasse do figurino de delitos potenciais. Entretanto, o que se vive no País há tanto tempo é a farra do boi, sem nenhum tipo de vigilância independente a fim de enquadrar a atividade num compartimento em que a meritocracia e o lucro não sejam ridicularizados.

 

Há artimanhas a conferir às planilhas frias e burocráticas uma perfeição teórica absoluta de atendimento aos usuários do transporte público, em contraponto à realidade das ruas. Exatamente por isso a glorificação do acesso aos números e enunciados de receitas e despesas é muito pouco. Quem fiscaliza a operação do emaranhado de linhas municipais e intermunicipais? O fluxo de veículos é rigorosamente obedecido nos horários consignados em contratos a dar respaldo de qualidade aos usuários?

 

Planilhas ficcionais

 

Nada disso está nas planilhas porque as planilhas são uma peça de ficção no redemoinho de artifícios que cristalizadas numa atividade em que a criatividade não tem limites como recurso de rentabilidade. Nada fora do esquadro convencional ante a vocação natural ao lucro de empreendimentos privados e à conveniência doentia de flexibilização das normas de cumprimento de contratos do setor público. Tudo fora dos preceitos republicanos de gerenciamento de recursos públicos.

 

Como parece que se está formando um mosaico de promessas em direção à transparência nas relações entre prefeituras e concessionárias de transporte urbano, espera-se que o prefeito dos prefeitos Luiz Marinho integre-se à iniciativa. Mais que isso, aliás: o chefe do Executivo de São Bernardo poderia convocar reunião extraordinária do Clube dos Prefeitos e dar a largada a uma ação coletiva que imprima certa homogeneidade restauradora no setor.

 

Marinho não pode, entretanto, esquecer-se de abrir as portas do Clube dos Prefeitos a especialistas do ramo, porque, sempre que se negligencia a resolução técnica de problemas, a alternativa é a omissão predadora da sociedade ou a mobilização unilateral de movimentos temáticos, como o que ganhou espaço na última reunião daquela entidade e que apresentou série de reivindicações, muitas das quais totalmente inaplicáveis ante a penúria dos cofres públicos. Não há almoço de graça no transporte urbano. Essa é a outra face de uma moeda em que têm prevalecido lautos jantares usufruídos por um grupo de concessionários e seus protetores.



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