Administração Pública

São Bernardo merece bem mais
que declarações de Luiz Marinho

DANIEL LIMA - 19/08/2013

As entrevistas do prefeito Luiz Marinho são sempre um imenso portal a discordâncias, por mais que as entrevistas de Luiz Marinho, ante a diplomacia exagerada dos entrevistadores, sejam um campo apropriado para ele deitar e rolar.


 


Há diferença abissal entre diplomacia exagerada e questionamento jornalístico. A primeira é quando se faz muito esforço para não incomodar o entrevistado, aceitando-se todas as respostas sem contra-argumentação que possam, inclusive, ajudar o entrevistado a esclarecer o enunciado anterior. O respeito excessivo conduz uma entrevista potencialmente interessante a vácuos frustrantes.


 


Questionamento jornalístico é exatamente quando réplicas e tréplicas se dão em tom não necessariamente submisso quanto espera o entrevistado, mas, quando feito, é capaz de consagrar sim o entrevistado. Ou embaraçá-lo, é verdade.


 


Por isso, torna-se inclusive difícil falar sobre a entrevista de Luiz Marinho ao Repórter Diário. O prefeito de São Bernardo é reticente em muitas questões, embora seja também desastrado em outras. Não acompanhei os bastidores do trabalho jornalístico de Airton Resende, profissional que respeito. Deu-me a impressão que o tempo projetado para a entrevista não foi associado ao conjunto de indagações. Haveria uma irresistível incompatibilidade de horário entre entrevistador e entrevistado.


 


Luiz Marinho será sumariamente varrido do mapa de supostos políticos com potencial de galgar postos importantes no espectro nacional se não melhorar o diálogo com a mídia. O ex-sindicalista e ex-ministro de Lula da Silva não resistiria a uma blitz de interrogações a que todo gestor público está sujeito. Sem o carisma do patrono da carreira sindical e política, Luiz Marinho tem a virtude do raciocínio linear e do tom sereno, mas comete falhas que qualquer consultor de imagem e de conteúdo bem apetrechado apontaria sem pestanejar: o tom monocórdio o torna enfadonho, o sarcasmo o coloca como alguém pouco autêntico e a frieza o torna refém da ideia de que se nutre de desdém.


 


Unanimidade entre iguais


 


Tudo isso conta muitos pontos na construção de uma candidatura mais severamente observada do que a de prefeito de um Município provincial quase que integralmente dominado por mídias complacentes.


 


No aniversário que São Bernardo completa nesta terça-feira e que será ruidosamente comemorado com a anunciada presença da presidente Dilma Rousseff e o desengavetamento de velhas promessas de recursos federais, o prefeito Luiz Marinho deveria fazer uma reflexão especial. Mas duvido que o faça, porque parece embevecido pelos assessores que lubrificam as engrenagens da escada-rolante que o leva ao céu da unanimidade entre os iguais.


 


A entrevista ao Repórter Diário, principalmente a entrevista em versão audiovisual, mostra um Luiz Marinho que subestima a inteligência alheia, que despreza o passado de sindicalista relativamente resistente, que estende o tapete a legisladores que todo mundo sabe não passam de oportunistas e brinca com o futuro de um empreendimento que já deveria ter sido sepultado não só por razões técnico-econômicas mas, principalmente, ambientais.


 


Pela ordem, o sindicalista relativamente resistente, embora cordato, que se manifestava em nome da presidência do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, cedeu lugar a um prefeito insensível. Por quê? Embora tenha reagido no tom e com o raciocínio perfeitos ao se opor a novas rodadas de redução da tarifa de transporte urbano, na esteira das mobilizações de junho, dizendo como deveria dizer que quem paga a conta é o orçamento municipal, Luiz Marinho colocou um ponto final no assunto sem ir até onde se esperava. E o que se esperava de alguém supostamente preocupado com a população mais sofrida? Que promoveria uma devassa nas planilhas de custos da concessionária de transporte do Município, dona da conta do sistema há quase duas décadas e sobre a qual não se tem o menor controle social. Nem uma palavra de Marinho sobre isso. Seria difícil tê-la. Uma pena, porque antes de eleger-se prefeito pela primeira vez, em 2008, disse-me pessoalmente que acabaria com a farra do setor, citando nominalmente a proprietária do empreendimento que controla os passageiros em São Bernardo como alvo da reforma no transporte público.


 


Polo automotivo, vejam só


 


Luiz Marinho subestima a inteligência alheia. Quando perguntado sobre o Polo Tecnológico de Santo André, solteiríssimo numa região que se pretende exemplo de casamento coletivo com comunhão de bens. O prefeito de São Bernardo teve a cara de pau de afirmar que São Bernardo já conta com um polo tecnológico, referindo-se ao setor automotivo. Tivesse um mínimo de conhecimento sobre a gênese de parques tecnológicos Luiz Marinho não cometeria tal sandice. Chega a ser afrontoso estender o tapete velho de guerra do conceito de polo tecnológico a um setor que sempre se pautou pela ação canibalizadora dos pequenos e médios empreendedores de autopeças e que jamais agiu mutuamente colaborativo, exceto nos domínios do Clube das Montadoras, no caso a Anfavea. Se não sofismou, Marinho sucumbiu à ignorância. 


 


Os elogios aos legisladores são de lascar, em seguida às críticas ao orçamento impositivo. O desempenho de câmaras municipais, assembleias legislativas, câmara federal e senado dispensa extensão de um parágrafo sequer. Talvez Marinho leve em conta somente os benefícios próprios que extrai do processo de domesticação do legislativo de São Bernardo, retrato do modus operandi dos Executivos brasileiros.


 


Para terminar essa breve avaliação sobre as declarações de Luiz Marinho ao Repórter Diário (e que deverão se multiplicar a pretexto de comemoração do aniversário de São Bernardo), a afirmativa de que o Município receberá mesmo um aeroporto internacional, “o terceiro da Região Metropolitana de São Paulo”, como fez questão de enfatizar, configura atentado ao ecossistema ambiental, econômico, financeiro e político. Ainda mais que Marinho evidencia distanciamento gerencial sobre a pretendida obra ao terceirizar a proposta a grupos particulares que, em seu nome, estariam negociando viabilidade com instâncias do governo federal. Ou seja, e até que Marinho fale com mais clareza para eliminar essa conclusão: o prefeito de São Bernardo deu carta branca a um grupo de investidores que, vejam só, quer porque quer botar na geografia de mananciais de São Bernardo um equipamento logístico ocuparia área semelhante à do território de São Caetano.


 


Estava esquecendo de mencionar um outro tópico da entrevista de Luiz Marinho, este ainda mais abusivamente marqueteiro que os demais: a autossuficiência com que diz que só não é candidato do PT à disputa do governo do Estado porque, em outras palavras, quebrou o galho do ministro da Saúde, Alexandre Padilha, e lhe cedeu a vaga.


 


Marinho despreza declarações do próprio patrono, Lula da Silva, que, sem pestanejar disse lá atrás, com outras palavras, que um sindicalista no governo do Estado seria tão viável eleitoralmente quanto um hermafrodita em baile de anjos. Ou os leitores não se lembram que Lula da Silva afirmou que o prefeito de São Bernardo só seria candidato se o jogo estivesse fácil? Como o jogo ao governo estadual jamais seria fácil ao PT, Lula da Silva deu um recado simples que Marinho não entendeu ou se faz de dissimulado.


 


São Bernardo tem muitos motivos para comemorar o aniversário nesta terça-feira, mas nenhum se relaciona às declarações de Luiz Marinho ao Repórter Diário.


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