Provavelmente porque tenho dois exemplares em casa (ou melhor, a Lara em casa, estudante da Metodista, e o Dino, em São José do Rio Preto, estudante de físico-biológica, loucura inexplicável para uma família de jornalistas e futuros jornalistas), os jovens que cursam qualquer tipo de escola me encantam. Quando escrevi "Complexo de Gata Borralheira" fiz peregrinação por dezenas de estabelecimentos educacionais para distribuir gratuitamente exemplares, até que os 20 mil da tiragem se esgotaram.
Estava no fechamento editorial da edição de maio de LivreMercado quando meu computador registrou perguntas que se seguem, feitas que foram por alunos do 3º semestre do curso de Administração Geral da Universidade Metodista de São Paulo, campus de São Bernardo.
Queriam que queriam porque precisavam saber minha opinião sobre o que se segue. Como nos últimos cinco dias de cada mês costumo me isolar para dar conta da demanda de trabalho que se avoluma ainda mais, pensei em não lhes responder. Entretanto, como houve uma pressão velada de minhas colaboradoras, preocupadas com os problemas que os alunos teriam caso não entregassem o trabalho em tempo, tive a sensatez de ouvi-las.
Reproduzo literalmente o conjunto de indagações dos estudantes e minhas respostas breves, quase apressadas, mas de forma alguma desinteressadas. Muito pelo contrário, porque escrever e falar sobre o Grande ABC são paixão que exponho com imensa satisfação. Só ficaria mais feliz se pudesse dar respostas diferentes, mais otimistas. Mas, como se sabe, não sou vendedor de ilusões. Os que o foram e aqueles que ainda o são deliberadamente ardem no fogaréu dos prevaricadores.
Vamos então à entrevista com quem passa a vida entrevistando. Em tempo: os alunos são Alan Escaranelli, Emerson de Freitas, Marcelo Henriques, Rafael Garcia e Wesley Alves.
Pergunta -- Gostaríamos que comentasse qual o atual potencial econômico do Grande ABC.
Resposta -- Perdemos muita riqueza, ganhamos muita exclusão social, multiplicamos criminalidade, esfarelamos o que parecia existir de institucionalidade, mas, mesmo assim, ainda é possível acreditar no futuro do Grande ABC. Basta querer. E começar a trabalhar para valer sob o pressuposto do fortalecimento da regionalidade tão exaustivamente evangelizada por Celso Daniel.
Pergunta -- Gostaríamos que comentasse o atual potencial Industrial do ABC. Você acredita que haverá crescimento a longo, médio ou curto prazo?
Resposta -- Vai depender basicamente de planejamento, explorando-se vocações municipais. Somos sete municípios de vocações diferentes embora complementares. O setor automotivo está para São Bernardo assim como o químico-petroquímico para Mauá e o gerador de conhecimento tecnológico para Santo André e o imobiliário de elevado padrão de São Caetano. Apenas para citar alguns pontos.
Pergunta -- São Caetano tem se empenhado na construção de um novo pólo tecnológico, as perspectivas da cidade são positivas, e pelas empresas investidoras, qual o grau de aceitação que as mesmas estão tendo?
Resposta -- A recente mudança que estabeleceu novos limites de alíquotas do ISS, de 2%, atingiu duramente os municípios que estruturaram modelo de arrecadação tributária com base em atração de investimentos nessa área. Por mais que a legislação venha sendo desrespeitada em vários municípios, a nova ordem inibiu a explosão da guerra fiscal no setor de serviços. São Caetano precisa melhorar a infra-estrutura interna para atrair investimentos que insistem em concentrar-se na vizinha São Paulo. A acessibilidade ao Pólo Tecnológico pretendido por São Caetano é questão-chave de investimentos na área.
Pergunta -- Os fatores que levam as empresas a abandonarem a região são inúmeros. Há um que exerce grande influência sobre a economia da cidade: o emprego na indústria, que possui os melhores salários. Com a saída dessas empresas o desemprego aumenta consideravelmente e infelizmente a movimentação da economia entra em declínio. Em uma situação dessas, quais são as medidas tomadas pelo governo para que a economia de sua cidade sofra um aumento a ponto de suprir a necessidade de movimentar a renda dos antigos empregados?
Resposta -- Infelizmente, o Grande ABC padece da falta de interlocução frutífera com instâncias estadual e federal. Já escrevemos muito sobre o assunto. A salvação do Grande ABC como espaço harmônico de qualidade de vida são investimentos para fortalecer sua veia automotiva que, embora se concentre principalmente em São Bernardo e em Diadema, espalha-se pelos demais municípios. Além disso, o Grande ABC precisa incentivar novas vocações. Preferencialmente que combinem tanto o emprego seletivo de tecnologia agregada como também intensividade da mão-de-obra. Com tecnologia, mantemos um pé no futuro. Com intensividade de mão-de-obra, evitamos o caos social.
Pergunta -- Alguns especialistas afirmam que as fábricas desativadas mostram que a região passou por um processo de transformação comum a todas as grandes metrópoles, outros afirmam que as instalações abandonadas são um retrato da desindustrialização do Grande ABC. Qual a sua opinião?
Resposta -- De-sin-dus-tri-a-li-za-ção: eis o nome, sobrenome e obituário de boa parte das empresas que desapareceram do Grande ABC. Qualquer outro verbete que for manobrado para enganar o distinto público deve ser sumariamente escorraçado porque representaria simplesmente uma acintosa agressão ao bom senso e o desprezo tácito ao aprofundamento das desigualdades sociais na região. Pau nesses irresponsáveis, nesses prevaricadores éticos.
Pergunta -- Quais são as políticas econômicas da região? Se possível comente-as. No seu ponto de vista você acredita que ajudam no crescimento industrial e econômico? Caso não, quais as medidas que você tomaria para a retomada do crescimento?
Resposta -- O Grande ABC começa, por São Bernardo, a tatear a recuperação do setor automotivo. Santo André e Mauá rezam pelo aumento do Pólo Petroquímico de Capuava, já aprovado, mas que precisa de fortalecimento do setor de transformação de plástico, que gera empregos. Diadema vive à sombra do setor automobilístico de São Bernardo, mas começa a dar sinais de que entrou para valer no Pólo de Cosméticos. São Caetano é uma cidade à procura de novas vocações, Ribeirão Pires sofre há uma década a maior deserção industrial do Estado de São Paulo. Rio Grande da Serra só tem grandeza de fato no nome. Apesar dos esforços dos dirigentes locais em lhe dar alguma cara econômica, temos diante de nós um fantasma a procura de materialidade, que pode ser o meio ambiente, incrustado que está na Mata Atlântica.
Pergunta -- Quais são as suas perspectivas de desenvolvimento industrial e econômico da cidade para os próximos anos?
Resposta -- Tenho a impressão de que essa pergunta se tornou desnecessária.
Pergunta -- Caro Daniel: você acredita que as vantagens oferecidas pela Prefeitura de Santo André no chamado Eixo Tamanduatehy são realmente interessantes para atrair novas indústrias e investimentos tanto do ponto de vista fiscal como o de infra-estrutura adequada, diferencial logístico?
Resposta -- Acredito sim, mas o Eixo Tamanduatehy é uma mulher solteira à procura de marido. O marido, no caso, são vários pontos: Rodoanel, Ferroanel, Jacú-Pêssego, fatores que dariam a Santo André o que mais lhe tem faltado: logística interna para participar do jogo da competitividade econômica porque, sem dúvida, esse núcleo se deslocou para São Bernardo a partir do entupimento da Avenida dos Estados e das alternativas oferecidas pela Via Anchieta e, mais tarde, a Imigrantes.
Pergunta -- Você acredita que novos investimentos podem dinamizar a economia no Grande ABC?
Resposta -- Investimentos produtivos, sim. Investimentos nos setores de comércio e serviços sem valor agregado apenas douram a pílula e contribuem para o apartheid empresarial, ou seja, os pequenos entram no barco furado da informalidade para sobreviver ou afundam mesmo na elevação da lista de desaparecimentos por falta de escala para competir.
Pergunta -- A força demonstrada pela economia do Grande ABC desde o ano passado decorre em grande parte do desempenho surpreendente das exportações. A surpresa é que esse resultado aconteceu à revelia de dois fatores que teoricamente serviriam para brecar as exportações: os juros muito elevados e o dólar muito baixo. No seu ponto de vista como podemos explicar esse crescimento?
Resposta -- O Grande ABC é movido à indústria automotiva. Quando o setor vai bem, vamos bem. Quando vai mal, vamos mal. O problema é que, mesmo assim, como se reduz ano a ano a participação relativa do Grande ABC no setor automotivo, não faltará o dia em que a indústria automotiva nacional irá muito bem, enquanto a indústria automotiva regional não irá tão bem assim. Questão matemática de mercado. Sobre câmbio e juros, lembramos apenas que o primeiro estabelece um processo de paralisia semelhante a um transatlântico, ou seja, demora para que os resultados apareçam, mas aparecem, como estão aparecendo; o segundo, os juros, sempre são dribláveis para as multinacionais que se capitalizam internacionalmente a preços mais favoráveis.
Pergunta -- Dez grandes empresas de Santo André respondem por 58% do Valor Adicionado Fiscal (VAf) do Município. Você acredita que esse dado é suficiente para demonstrar que a indústria andreense é pouco diversificada?
Resposta -- Tão pouco diversificada quanto concentrada demais. E sabe por quê? Porque houve um genocídio econômico nos anos 1990 com a abertura do mercado. As pequenas indústrias de Santo André sucumbiram. As grandes se reformularam. E demitiram muitos trabalhadores para suportar o peso da competitividade internacional.
Pergunta -- Você acredita que crescer de uma forma sustentada é o desafio de hoje para a economia do Grande ABC? Visto que um dos principais desafios que se apresentam hoje às lideranças públicas e privadas do Grande ABC é desenvolver a economia local de modo a que a região fique menos vulnerável aos ciclos macroeconômicos que caracterizam o padrão de desenvolvimento brasileiro nas últimas décadas.
Resposta -- Crescer de forma sustentada não só é um grande desafio do Grande ABC como simboliza também a diferença entre vencer e perecer. Não podemos manter todas as nossas riquezas na cesta automotiva e químico-petroquímica. Precisamos aperfeiçoar essa concentração para não perder peso relativo e absoluto nas duas atividades, mas também precisamos criar novas fontes de emprego e produção. Quanto mais tempo demorarmos para equalizar esses vetores, mais complicada ficará nossa situação no quadro internacional.
Pergunta -- Você acredita que a indústria lidera o crescimento no Grande ABC?
Resposta -- Quando a indústria deixar de liderar a economia do Grande ABC, não haverá mais economia do Grande ABC. Seremos terra arrasada.
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10/05/2024 Todas as respostas de Carlos Ferreira