Entrevista Especial

Só resultados
garantem união

VERA GUAZZELLI - 19/10/2005

Nem incubadora nem Arranjo Produtivo Local. O modelo de associativismo produtivo que reúne 68 empresas no Pólo de Cosméticos de Diadema segue formato de resultados. A iniciativa não dispensa entrosamento entre setor público, iniciativa privada e instituições empresariais, mas trabalha com lógica contemporânea do mundo dos negócios: trabalho em equipe só se sustenta se houver comprovado crescimento individual e no final, o saldo for positivo para todos os envolvidos.


 


Não fossem a economia com compras conjuntas, a participação em 11 feiras internacionais em três anos de atividade, a conquista de novos mercados e os US$ 3 milhões que as empresas estimam exportar até o final do ano, a iniciativa poderia ter sucumbido ao quase incontrolável poder da retórica. "Qualquer ação empresarial tem de ser vantajosa para os participantes. Empresários precisam de resultados rápidos e não podem se dar ao luxo de discutir conceitos em demasia" -- explica Ricardo Fioravanti, coordenador do grupo que se formou sob tutela da Prefeitura de Diadema mas que recentemente ganhou identidade jurídica e conquistou o direito de caminhar com as próprias pernas.


 


Ricardo Fioravanti explica as razões de o Pólo centrar foco na ação institucional e escolher participação em feiras, compras conjuntas e exportações como principais medidas associativas. Profissional da área de marketing com experiência em liderança e dinâmica de grupo, Ricardo Fioravanti fala da importância de conduzir os trabalhos da maneira que o empresariado precisa para emprestar sua marca e credibilidade ao projeto. "O que ganho com isso? Ouvi várias vezes essa pergunta quando o grupo estava em formação" -- revela.


 


O Pólo de Cosméticos de Diadema já pode ser considerado referência de modelo associativo no Grande ABC? As empresas conseguiram entender o conceito de coopetição?


 


Ricardo Fioravanti -- O Pólo pode ser considerado modelo de ação conjunta empresarial para o País. É claro que se deve fazer os devidos descontos por eu ser o coordenador e falar de algo que me orgulha, mas também é lógico que esse projeto tem mérito e história impressionantes. A iniciativa nasceu do esforço e do importante papel prospectivo do setor público e evoluiu cumprindo fases do planejamento até chegar à total responsabilidade da iniciativa privada. A transição respeitou o modelo ao qual atribuo o sucesso da empreitada: o entrosamento entre setor público, instituições empresariais e iniciativa privada. Também foram realizadas ações claras, de foco quantitativo como melhoria de resultados de faturamento, algo fundamental para qualquer empresa. Montamos grupo com muita atividade em comércio exterior, temos troca constante de experiências e uma marca que começa a ser reconhecida em todo o Brasil.


 


Pode-se afirmar, então, que o espírito de grupo tomou conta dessas empresas?


 


Ricardo Fioravanti -- O melhor de nossa história é também o mais difícil de ser entendido. O ambiente do Pólo de Cosméticos de Diadema é algo que só se compreende se for vivenciado. Aprendemos juntos que somos concorrentes e não inimigos, que construímos uma marca de trabalho capaz de colaborar nos negócios de todos e que na maioria das vezes juntos conseguimos as coisas mais facilmente. Nem todos ainda pensam assim, mas estamos quase lá.


 


O Pólo de Cosméticos começou a ser desenhado em 2002 e o senhor acompanha o processo desde o início. A partir de que momento, ou a partir de que fato, sentiu que a barreira da atuação conjunta foi realmente ultrapassada?


 


Ricardo Fioravanti -- Uma ação de envolvimento empresarial precisa se renovar e se mostrar vantajosa aos participantes. A natureza da ação empresarial é mensurar resultados, por isso sempre agimos para que todos percebessem esses resultados. Simbolicamente, no entanto, a participação em feiras me parece o grande motor da ação conjunta.


 


Como o senhor avalia o papel da Prefeitura de Diadema na condução desse processo?


 


Ricardo Fioravanti -- A Prefeitura foi corajosa e inteligente. Há inteligência intuitiva importante que nunca deve ser deixada em segundo plano. Desde o início existia uma ambição clara: desenvolver projeto que colaborasse à reversão da imagem negativa da cidade, principalmente por causa dos índices de criminalidade. Para isso, os dados disponíveis eram suficientes. Sabíamos que havia concentração espontânea e enorme de empresas. O mercado informava e vivia esse fato. Sabíamos que o setor, pela própria natureza dos empresários, era mais receptivo a ações públicas. Sabíamos que teríamos fôlego para encaminhar o projeto.


 


A Prefeitura foi corajosa ao se dedicar a setor que não era o mais rico instalado na cidade, mas que lhe permitia demonstrar modelo de ação empresarial, institucional e pública de resultados. E foi inteligente ao trabalhar com o poder de sedução que cosméticos exercem sobre o público.


 


É possível fazer radiografia mais precisa do setor. Pode se afirmar que o Pólo de Cosméticos de Diadema conhece o Pólo de Cosméticos de Diadema?


 


Ricardo Fioravanti -- Estamos em nova fase. Em 19 de setembro inauguramos sede exclusiva para a coordenação do Pólo. Saímos do espaço que ocupávamos na Prefeitura. Vamos partir para projetos que completarão ação conjunta. Até o momento as atividades ficaram concentradas em mercado e ações comerciais. Agora vamos agir no aprimoramento industrial. Temos de incluir preocupação com melhoria de processos, redução de custos e melhoria de design das embalagens, entre outros itens. Acabamos de estabelecer convênio com o Sebrae-SP para diagnóstico sobre processo e design na maioria das indústrias. Vamos consolidar a informação com opinião de 10 agentes de mercado, entre os quais atacadistas, representantes, distribuidores, supermercadistas, drogarias, farmácias e perfumarias. O estudo permitirá radiografia qualitativa do setor e das empresas, já que continuaremos a mapear produtoras, fornecedoras de matérias-primas e serviços, empresas de máquinas, equipamentos e de embalagem que formam o caminho das pedras do ramo.


 


Compras conjuntas, participação em feiras e exportação são pilares da atuação do grupo. O fato de o Pólo ter identificado a viabilidade de trabalhar esses itens está mais ligado a características inerentes ao setor ou às condições de competitividade das empresas?


 


Ricardo Fioravanti -- Esse é o maior segredo do projeto. Ninguém cometeu o atrevimento de fazer discussões etéreas. Trabalhamos para melhorar resultados individuais, o que cria círculo virtuoso que reforça e realimenta o conjunto. Compras garantem economia. O preço do produto muitas vezes é determinante para a venda. Feiras garantem economia e resultados comerciais em função da divisão de custos, conquista de parceiros e garantia de acesso a mercados e clientes que podem consumir produtos comercializados por todos os membros do grupo. Por outro lado, o Pólo mantém intensa atividade interna de cursos, treinamentos, troca de experiências, eventos de confraternização e colaboração em diversas frentes.


 


Como o grupo trabalha a diferença de tamanho e alcance comercial dos participantes?


 


Ricardo Fioravanti -- A maioria das empresas tinha alguma experiência de trabalho em grupo quando começamos a visitar e propor o Pólo. Quase sempre traziam lembranças negativas e isso nos atrapalhou. Lembro de visita ao diretor de uma das grandes empresas da cidade que me dizia: "Sempre sou chamado pra essas coisas e nunca ganho nada. Só exigem de mim e da minha empresa, nunca recebo nem informação de retorno. Não vou participar". Lembro também de outro empresário que disse: "Sou pequeno, não vou lá porque os grandes não vão nos repassar o segredo deles".


 


É lógico que ninguém repassa segredos industriais. Hoje, tanto o diretor da grande empresa como o pequeno empresário do Pólo participam de diversos grupos temáticos e, mesmo que um desconheça a opinião inicial do outro, trocam experiências o tempo todo. O Pólo também está mais sensível ao aproveitamento de semelhanças entre seus membros e incentiva subgrupos. Já são sete ou oito subgrupos que apimentam a relação interna e dão novo fôlego ao grupo geral.


 


Como o senhor analisa o alcance da marca Pólo Brasileiro de Cosméticos, criada para identificar os produtos de Diadema?


 


Ricardo Fioravanti -- No início do trabalho a pretensão era desenvolver ação que tivesse apelo ao consumidor. Ainda hoje somos questionados por isso. Mas temos claro que nosso trabalho é institucional, voltado para o público do setor. Portanto, não trabalhamos para ter resultado de marca no consumidor. A manutenção do foco na institucionalidade é fundamental para chegar à maturidade do projeto. Trabalhamos a marca Pólo de Cosméticos de Diadema para agregar valor ao negócio e não ao produto. Sabemos que a energia ainda é insuficiente para trabalhar a divulgação de marca que alcance o consumidor final. Precisamos ter claro o tempo das coisas antes de arriscar vôos mais ousados. Quem sabe no futuro poderemos discutir selo de origem, publicidade conjunta e outras ações que mobilizem o consumidor. Agora não é hora. Nossa hora é interna.


 


Em recente exposição no Encomex (Encontro de Comércio Exterior), promovido pelo governo federal em São Caetano, o senhor disse que foi necessário criar denominação específica para vender os produtos no Exterior, porque os estrangeiros não eram capazes de compreender o significado real da associação. Qual a impressão que o grupo passava lá fora?


 


Ricardo Fioravanti -- O trabalho de comércio exterior do Pólo começou em 2003 e propunha adaptação de nossa marca nacional para Brazilian Beauty Cluster. Fizemos todos os materiais com a expressão, casos de catálogos, cartões de visita, enfim, todos os impressos. Começamos com intenso calendário de feiras e eventos, mas desde o início ficou claro que a expressão cluster não tinha nenhuma identidade de mercado. Era mais uma expressão acadêmica. Ninguém sabia do que se tratava. Quando raramente alguém associava o termo ao trabalho conjunto de empresas, ai então o equívoco nos prejudicava ainda mais. A compreensão era de produtos feitos em linha de produção, supondo-se que a tampa era feita por uma empresa, o frasco por outra e assim por diante, até termos o xampu acabado. Só então entendemos que era necessária uma marca que demonstrasse a produção independente de cada empresa, diferentes linhas de produtos de qualidade. No final de 2004 trocamos o slogan e hoje os clientes internacionais têm mais facilidade para compreender o trabalho já na primeira olhada. Somos identificados agora como Diadema, Brazilian City Beauty, Diadema -- Cidade Brasileira da Beleza. Não houve prejuízos. Apenas tivemos de conversar e explicar melhor todo o processo.


 


Já há resultados concretos de vendas no Exterior?


 


Ricardo Fioravanti -- A marca do Pólo ajuda a provocar negócios, mas não define resultados. A mudança, entretanto, facilitou o trabalho de abordagem. O Pólo não faz o negócio internacional diretamente. O Pólo promove e a empresa conclui o negócio individualmente. De qualquer forma, o trabalho já é responsável direto por cerca de US$ 2,5 milhões em negócios, com possibilidades de atingir US$ 3 milhões até o final do ano. Tivemos algumas correções de rumo. Incluímos os traders, profissionais de comércio exterior que tínhamos marginalizado no começo. Melhoramos nossa compreensão e capacidade de informação sobre legislação de cada país e de colaborar com iniciativas individuais das empresas. O conjunto de ações, o aperfeiçoamento nas relações internacionais e o trabalho de qualificação em retaguarda me fazem acreditar que chegaremos a US$ 5 milhões de produtos cosméticos exportados a partir de Diadema em 2007.


 


Que outros resultados, além das exportações, o senhor poderia apresentar como fruto direto do associativismo?


 


Ricardo Fioravanti -- Ações empresariais têm de ser pautadas por resultados, não importa se o objetivo é social ou comercial. Participamos de 11 eventos internacionais por ano, temos nosso próprio evento de promoção comercial em 10 praças importantes do País, mantemos relacionamento com 11 entidades institucionais e representamos entre 10% e 12% do mercado nacional do setor. Também pretendemos montar um museu na cidade e estamos trabalhando para a conquista de um centro tecnológico.


 


O senhor acredita que o Pólo caminha para a regionalização, embora a maioria dos fabricantes esteja localizada em Diadema?


 


Ricardo Fioravanti -- Desde o início defendemos a expressão Pólo porque o verbete é adequado para emanar e atrair forças. O Pólo se concentrou em Diadema, mas sempre admitiu empresas da região. Temos uma empresa incubada de Mauá, duas de São Bernardo e duas de São Caetano. Além de empresas que trabalham com suas próprias marcas, Diadema tem grande quantidade de terceiristas, sem produto final mas know-how de produção e que podem integrar o grupo da mesma maneira. A maioria que deseja iniciar no ramo procura empresas de Diadema para desenvolver embalagens, rótulos, matérias-primas e todo composto do negócio. Diadema não é apenas referência regional. É um centro nacional do setor.


 


A economia regional é altamente dependente do setor automotivo, o mais competitivo do mundo e cujo centro de decisão está localizado do outro lado do planeta. Como o senhor avalia a possibilidade de o Pólo de Cosméticos contribuir para aliviar essa dependência?


 


Ricardo Fioravanti -- Existem duas coisas importantes quando analisamos a indústria cosmética como matriz econômica. Primeiro, a matriz econômica forjada pelo Pólo é economicamente insignificante perto dos negócios das montadoras, do setor metal-mecânico ou da indústria química. Segundo, trata-se de movimentação econômica espontânea, que ocorreu paralelamente à formação desses setores mais representativos, sem nada que, aparentemente, justifique presença tão numerosa. Depois de considerar esses dois fatores, podemos pensar no Pólo de Cosméticos de Diadema como modelo vitorioso de articulação institucional. Por isso, acredito que a região poderia ter outros Pólos. Temos mercado, diversidade industrial, gestores capacitados e diversos outros ingredientes que permitem iniciativas similares.


 


O Grande ABC conta com três grupos de APLs (Arranjos Produtivos Locais) comandados pela Agência de Desenvolvimento Econômico. O Pólo de Cosméticos já passou dessa etapa e recentemente ganhou identidade jurídica própria. Esse é o grande salto para a perenidade das iniciativas de associativismo produtivo?


 


Ricardo Fioravanti -- Não tenho dúvida que sim. Imagino também que a própria Agência deseje que os empresários ganhem autonomia e responsabilidade para que possa abrir fogo em outros setores. Embora tenha todo o composto de um APL, o Pólo ainda não tem esse reconhecimento e nem qualquer provimento das entidades que enviam recursos para tal. O Pólo de Cosméticos não conta com os recursos que a Agência utiliza para os APLs. Nosso trabalho é dividindo tostão por tostão com os participantes. Não quero fazer comparações, mas fico orgulhoso de estar à frente de modelo que virou referência em assuntos de desenvolvimento econômico. De qualquer forma, é importante que o Pólo se firme como APL, mas sem desprezar autonomia estratégica.


 


Qual é principal produto do Pólo Brasileiro de Cosméticos e quais as marcas mais conhecidas do grande público?


 


Ricardo Fioravanti -- O Pólo é uma associação que congrega 68 empresas de produtos acabados, química fina, embalagens, máquinas e equipamentos, extratos, aromas e fragrâncias. A maior parte da produção é composta de produtos para cabelo, mas o portfólio exibe todos os itens de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos. As marcas fabricadas em Diadema mais conhecidas pelo grande público são Neutrox, Capivida e Ele Ela, da Coper; Davene, licenciados Sandy & Junior, Meninas Super Poderosas, Bob Esponja, Turma da Mônica, da Betulla. Temos também a Valmari que é líder brasileira do mercado de produtos para esteticistas e a Pierre Alexander, uma das maiores empresas brasileiras de venda direta.


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