O prefeito Celso Daniel sabe que pode ficar para a história administrativa e política da mais que quartocentenária Santo André se o terceiro mandato que iniciou em janeiro último conseguir superar um obstáculo tão velho quanto desafiador: reencontrar de forma prática o eixo desenvolvimentista do Município que mais sofreu perdas econômicas no Estado de São Paulo nos últimos 25 anos, quando 66% do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) sumiram pelo ralo da desindustrialização.
Humilde o suficiente para afirmar que a atuação da Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Trabalho está em dívida em relação às necessidades de Santo André, o engenheiro e economista não tem dúvida de que o caminho para a retomada do crescimento está na transformação da cidade em grande centro de operações do terciário avançado.
Professor da Fundação Getúlio Vargas, jogador de basquetebol nas poucas folgas que consegue abrir na lotadíssima agenda, Celso Daniel espera que o Grande ABC tire vantagens da proximidade com a Capital mais importante da América Latina. Sim, o prefeito quer transformar em ponto positivo a antiga síndrome de uma região que se vê como Gata Borralheira diante da Cinderela paulistana.
É por essas e outras que Celso Daniel põe fé no Eixo Tamanduatehy, megaprojeto que mistura urbanismo e desenvolvimento econômico, entre os vários programas que constam de sua alça de mira administrativa. A entrevista que se segue é a mais longa que o chefe do Executivo de Santo André manteve com a Imprensa desde sua primeira gestão. Mais longa em duplo sentido: tanto em tempo de gravação como em percurso, porque durou exatamente o trajeto de ida de um ônibus especial que levou torcedores vips do Santo André ao jogo com o Grêmio Sãocarlense, em São Carlos. Celso Daniel também falou sobre a Agência de Desenvolvimento Econômico e concordou com LivreMercado: a solução do imbróglio gerencial pode estar na inexplorada proposta do consultor espanhol Francisco Albuquerque.
O senhor está assumindo a Prefeitura de Santo André pela terceira vez e depois de oito anos de mandatos não sequenciais: qual sua visão sobre a saúde econômica da cidade, levando-se em conta o esvaziamento industrial? Em função de circunstâncias macro e também microeconômicas, Santo André é hoje um produto difícil de ser vendido aos empreendedores, apesar das mudanças que seu governo empreendeu em questões como legislação de uso e ocupação do solo e também da Lei de Incentivos Fiscais? O senhor está frustrado com os resultados?
Celso Daniel -- Absolutamente. Muito pelo contrário. Santo André tem situação peculiar na região porque sofreu pesado esvaziamento industrial. Isso não aconteceu como um todo na região, que se mantém dinâmica com parte de sua economia sustentada pela indústria, particularmente as grandes cadeias automotiva e petroquímica. Mantivemos algumas empresas extremamente importantes, de porte e modernas tecnologicamente, mas perdemos muito da potência que acumulamos ao longo de todo o século XX. A despeito disso, começaram a se desenvolver em Santo André atividades do setor terciário, particularmente comerciais.
Por isso a imagem pública de Santo André, particularmente para os andreenses, é contraditória. Ao mesmo tempo em que percebem Santo André como cidade dinâmica, inclusive do ponto de vista econômico mesmo com perdas industriais, os andreenses captam que o fato de não haver mais emprego industrial significa perda em termos de cidadania, ou seja, de direito ao trabalho de qualidade. A percepção das pessoas é de que a cidade cresce, é dinâmica e é viável. Até agora, entretanto, esse dinamismo não teve a contrapartida da recriação de empregos de qualidade que foram perdidos com o êxodo industrial.
Tenho percebido que Santo André tem potencial muito importante em relação ao desenvolvimento futuro. Entendo inclusive que Santo André tem uma vantagem que pode ser colhida a partir de sua desvantagem. Qual é a desvantagem de Santo André? O esvaziamento industrial muito maior do que o dos outros municípios. Mas isso pode se transformar em vantagem porque a percepção do problema antes que isso se consolide nos outros municípios pode nos levar a constituir outro perfil econômico, sintonizado com os tempos que estamos vivendo.
Qual é esse perfil, prefeito, porque a dificuldade de encontrar essa espécie de nicho é que preocupa, não é verdade?
Celso Daniel -- Não há dúvida nenhuma de que concretizar o novo perfil não é tarefa simples. Há duas razões fundamentais para essa dificuldade. Em primeiro lugar porque está claro que, apesar do esvaziamento industrial, parte importante daquilo que Santo André tem de apresentar do ponto de vista econômico ainda radica na indústria. Isso significa que podemos, devemos e vamos continuar apostando no setor industrial. O problema é se pensamos em outros segmentos além daqueles que temos implantado de grandes empresas. E se pensamos no pequeno empreendimento industrial, aí não é tão simples assim de trabalhar. Particularmente, pelo fato de que cada vez mais há ponte de contato entre o terciário avançado e a atividade industrial.
Cada vez mais essas relações são híbridas, que transitam com muita facilidade de um lado para outro. Quando falamos de terciário avançado, estamos falando de um setor extremamente heterogêneo e a respeito do qual temos imensa ignorância. Com um agravante: não tem sido suficientemente enfatizado, salvo engano de minha parte, inclusive por LivreMercado. Esse elemento é o seguinte: a região é fortemente atrofiada do ponto de vista do setor terciário. Isso é menos verdadeiro hoje, quando se fala de atividades de lazer e entretenimento, mas é muito forte quando se fala de serviços de apoio à produção.
O que quer dizer com atrofiada?
Celso Daniel -- A região tem ausência desses serviços muito mais que proporcional ao parque industrial e ao restante do parque econômico que detém. Não conseguimos ao longo do século XX, e ainda não estamos conseguindo, internalizar no Grande ABC um conjunto de prestadores de serviços de apoio à produção para as atividades econômicas que já estão na região. A demanda está na região, mas a oferta é buscada fora, basicamente na Capital.
Quer dizer que há um vácuo entre a indústria que ainda temos em Santo André e o comercial tradicional? Um buraco que Santo André e o Grande ABC como um todo ainda não souberam preencher, é isso?
Celso Daniel -- Acho que a resposta é positiva se você quer dizer que temos uma indústria que vem do passado e se modernizou e permanece na região. Temos um filão muito importante que foi descoberto pelo comércio e em parte pelos serviços pessoais, mas tem todo um outro setor, que é de ponta de desenvolvimento tecnológico...
O terciário que agrega valor...
Celso Daniel -- Exatamente, o terciário que agrega valor, o terciário avançado. Parte importante desse terciário é diretamente vinculado à produção industrial. São atividades de engenharia, de informática, de comunicações, de marketing.
Trata-se, inclusive, de um setor que não demanda muito espaço e que, portanto, está enquadrado nas possibilidades de atendimento físico em Santo André.
Celso Daniel -- Sem dúvida.
Esse direcionamento econômico poderia, inclusive, permitir resultados mais perceptíveis a partir da mudança da legislação de uso e ocupação do solo em Santo André.
Celso Daniel -- A mudança da lei ainda é recente. Por isso acho que a gente precisa ter um pouco de cuidado com a análise sobre o tempo de maturação das coisas. Digo isso porque começo a encontrar hoje, e espero não estar errado, os primeiros sinais de revitalização, de recuperação, daquela parte que cobrimos no Calçadão da Oliveira Lima. Ou seja, os resultados não se dão de maneira imediata. Muitas vezes é necessário um conjunto de iniciativas explícitas nesse sentido e, mesmo quando não existem, o processo de recuperação nem sempre é imediato.
De toda forma, creio que a legislação é insuficiente para isso. Na verdade, precisamos convencer os empresários de que nossa região, e especificamente nosso Município, é um espaço viável do ponto de vista econômico para implantação dessas atividades. Ao mesmo tempo, precisamos ir estimulando a criação e a transformação de uma cultura econômica de empreendedorismo para essas áreas. Precisamos ter condições de combinar iniciativas importantes na área de lazer e entretenimento com a manutenção do parque industrial.
Aliás, sobre isso, pela primeira vez nos últimos anos Santo André registrou estabilidade na participação industrial. Não estou falando da boca para fora. Os índices de participação de ICMS expressam isso. Espero que essa estabilização continue porque é condição básica para que o parque industrial permaneça em Santo André e gere, com isso, investimentos na modernização e expansão no setor. Se tivermos condições de estimular a geração de negócios com o setor terciário avançado, creio que Santo André estará encontrando seu novo rumo que, no caso, estaria muito sintonizado com as tendências do mercado econômico mundial. Estaremos, com isso, aproveitando um potencial historicamente muito grande colocado para a região e que diz respeito a essa atrofia. Por que a atrofia do setor terciário da região? Por causa da proximidade da Capital.
Serviços avançados que São Paulo desenvolveu e permitiram que as perdas econômicas industriais não fossem tão agudas quanto as do Grande ABC.
Celso Daniel -- Sem dúvida nenhuma. São Paulo na verdade é outro caso, porque ainda mantém peso industrial absolutamente impressionante. São Paulo tem mais de 30% da produção industrial do Estado de São Paulo, algo absolutamente impressionante.
Já foi bem mais, não é prefeito?
Celso Daniel -- Já foi bem mais, mas 30% é muita coisa porque estou falando só do Município de São Paulo, não de seu entorno de Grande São Paulo.
Mas São Paulo continua perdendo enquanto Santo André conseguiu estabilizar.
Celso Daniel -- Isso é verdade. Mas ao lado disso, apesar dos desgovernos de São Paulo, as chamadas economias de aglomeração, de externalidades positivas, a concentração de atividades, tudo isso é tão potente em São Paulo que a cidade não decaiu economicamente ao longo dos últimos anos. Pelo contrário. Apesar da falta de iniciativas públicas, São Paulo agregou novas atividades no terciário avançado e tem se tornado o coração de uma metrópole com forte vocação terciária. As empresas que estão no Grande ABC poderiam tranquilamente suprir as necessidades do terciário avançado aqui mesmo na região.
Exatamente por isso que a pesquisa que está sendo desenvolvida agora pela Agência de Desenvolvimento Econômico do Grande ABC sobre o setor de serviços tem uma amostragem da atividade em São Paulo. Precisamos saber o que acontece na Capital para fazer comparação com o que não acontece no Grande ABC, de forma a atuar localmente para preencher essa lacuna.
Se fizermos isso, além de tudo estaremos superando um buraco histórico, secular, em relação à Capital. A importância dessa mudança é enorme porque o setor de serviços tem uma particularidade em relação ao industrial. Aquilo que é produzido pela indústria pode ser transportado porque é tangível. Pode-se produzir no Grande ABC e distribuir na China, na França. Serviços são bens intangíveis, não são commodities, e em geral têm de ser consumidos em pontos próximos e de preferência no local em que são demandados. Dessa forma, a proximidade física é fundamental. Se São Paulo tem esse tipo de serviços e nós não, isso mostra onde estamos atrofiados.
Isso quer dizer que, do ponto de vista histórico, os prefeitos que passaram pela região não souberam extrair vantagens da proximidade com São Paulo?
Celso Daniel -- O que se levanta é um ponto muito importante. Muitas vezes as pessoas pensam do seguinte jeito: para nós, não interessa ter um trem de qualidade ou uma extensão do metrô no Grande ABC porque vamos ficar mais próximos ainda de São Paulo e, com isso, vamos continuar comprando em São Paulo aquilo que poderia ser produzido aqui. Esse tipo de raciocínio parece verdadeiro, mas é apenas impressão. A questão de transporte, de logística, é via de mão dupla. Isso significa que se tivermos condições adequadas poderemos nos constituir num centro avançado de serviços complementar a São Paulo, e não dependente como hoje. A possibilidade de tornar isso realidade é contar com vias de comunicação rápidas e ágeis ligando com a Capital. Por isso o trem é fundamental. Se tivermos projetos de ponta na região, o trem é condição necessária para que sejam viabilizados.
Me referindo mais especificamente à pergunta, diria que o enunciado é em parte verdadeiro. Em parte, por quê? Porque nosso projeto Eixo Tamanduatehy, do ponto de vista econômico, foi pensado exatamente com esse perfil de serviços de ponta. O Eixo Tamanduatehy não pretende ser apenas um grande projeto urbanístico. Pretende, sim, ser um grande projeto urbanístico, embora...
...Embora por questão de marketing inicial tenha se dado mais ênfase à questão urbanística?
Celso Daniel -- Porque elemento urbanista é uma condição necessária para que os negócios do perfil que nos interessa possam ser implantados. Se não conseguirmos reformar a imagem da região, não conseguiremos torná-la atrativa para esse tipo de empreendimento. Por isso a modificação urbanística é condição necessária, embora não seja suficiente. Com a nova identidade de Santo André expressa no Eixo Tamanduatehy, pretendemos que os moradores adquiram auto-estima. Esse projeto urbanístico pode conferir, pela primeira vez na história, a garantia de integração entre os dois pedaços físicos da cidade, entre o primeiro e o segundo subdistritos. Embora transpire urbanismo, o projeto Eixo Tamanduatehy foi criado fundamentalmente para que aquela área historicamente ocupada por indústrias possa sofrer uma reconversão econômica de maneira a atrair atividades do setor terciário avançado, sem abrir mão, evidentemente, das indústrias que continuam a ocupar espaços.
Conclusão: é melhor ter uma grande metrópole do lado para poder usufruir das vantagens que se oferecem à ocupação do vazio econômico estrutural do que viver isolado dessa mesma metrópole?
Celso Daniel -- Não há dúvida nenhuma. Temos de aproveitar o aspecto positivo. No nosso caso, o lado positivo é contribuir para que a metrópole seja repensada como policêntrica, ou seja, como um conjunto de centros do ponto de vista urbano e do ponto de vista econômico complementares entre si. Dessa forma, teríamos uma metrópole mais equilibrada e condições de ganhar com a proximidade com São Paulo.
Como observa do ponto de vista institucional o fato de Santo André colocar na Secretaria de Desenvolvimento Econômico e do Emprego uma profissional de urbanismo que não tem inserção com a livre iniciativa, no caso Nádia Someck? A grande interrogação é por que o prefeito Celso Daniel optou por um perfil de executivo público na área de desenvolvimento econômico diferente do anterior? Como explicar essa decisão se em São Caetano o prefeito Luiz Tortorello elegeu um modelo diametralmente oposto, constituindo um Conselho de Desenvolvimento Econômico tendo à frente o conhecidíssimo executivo privado André Beer?
Vou começar pelo fim. Creio que a iniciativa do Tortorello está atrasada em relação a iniciativas tomadas por outras gestões públicas do Grande ABC. Me parece que o prefeito de São Caetano, muito sabiamente, muito inteligentemente, como é de seu perfil político, se apercebeu do fato de que estava em atraso ao que o resto da região já tinha conseguido avançar tanto em termos de estímulo à atividade econômica quanto da necessidade de estabelecer canais e espaços de interlocução entre setor público e setor privado com a participação de representantes da iniciativa privada. Digo isso porque, em 1992, já havíamos criado um fórum com sólida presença da livre iniciativa de Santo André. Digo isso porque, quando criamos a Secretaria de Desenvolvimento Econômico em Santo André, colocamos à frente uma pessoa claramente vinculada, sintonizada e identificada como representante da iniciativa privada. Então, não se trata de modelo. O governo de São Caetano vem na esteira daquilo que já tínhamos feito.
O modelo não é novo nem mesmo com o uso de uma estrela nacional para comandar o projeto?
Celso Daniel -- Esse foi um interessante lance de marketing do prefeito Tortorello. Mas, voltando à primeira parte da questão anterior, não me parece que deva existir preconceito a propósito do fato de a profissional ser egressa da iniciativa privada ou não. Trânsito se conquista e se perde. Há pessoas que são da iniciativa privada e que perdem trânsito na própria iniciativa privada. Isso é fácil de perceber porque acontece corriqueiramente.
É muito comum também perceber situações em que a pessoa não é egressa da iniciativa privada, mas ganha muito trânsito na área. Me parece que isso é muito claro também na região. Sem demérito para nenhum outro secretário municipal da área, poderia dizer que quem mais conseguiu se destacar ao longo do primeiro ciclo das secretarias criadas na região foi o Jorge Hereda, de Ribeirão Pires, que não tem experiência empresarial. Ele foi seguramente um dos melhores secretários de Desenvolvimento Econômico. Ele ganhou provavelmente mais trânsito junto à iniciativa privada do que outra pessoa da iniciativa privada teria conseguido conquistar na região.
O senhor espera, então, que a Nádia seja o Hereda de saias?
Celso Daniel -- A Nádia tem esse perfil. Seria completamente injusto dizer que não tem trânsito junto à iniciativa privada. Na prática, todo o trabalho dela ao longo dos últimos quatro anos como assessora para questões regionais do nosso governo se traduziu na abertura de espaços de interlocução com a iniciativa privada e de reconhecimento do trabalho junto à iniciativa privada.
Qual sua avaliação sobre a Secretaria de Desenvolvimento Econômico de Santo André?
Celso Daniel -- Ainda com relação à Nádia, não me parece que o fato de a pessoa não ser da livre iniciativa seja impeditivo a que esse trânsito se dê, como afirmei no exemplo do Hereda. Poderia inclusive dar outros exemplos, caso do Paulo Eugênio que está fazendo trabalho exemplar em Mauá. A condição básica, na verdade, é a predisposição de ter relações diretas com o empresariado e ser empreendedor. O segundo ponto é que o setor empresarial de Santo André, hoje, não é unido do ponto de vista político. E nem econômico. Por isso, se tivesse feito a indicação com base num subgrupo, teria desagradado aos demais.
Foi por isso que resolveu não consultar ninguém?
Celso Daniel -- Se os representantes dos setores econômicos de Santo André estivessem unidos, não tenham dúvida alguma de que teria feito consultas diretas para o cargo. Preferi nomear uma pessoa desvinculada desses grupos econômicos porque os resultados serão mais produtivos junto ao empresariado.
Mas a estrutura da secretaria está deixando a desejar, não acha?
Celso Daniel -- De fato, estamos devendo. Concordo com LivreMercado nesse ponto. Nossa secretaria está devendo. Jogamos muito peso na integração regional. Na verdade, jogamos tudo na integração regional. Por isso não montamos uma equipe com peso próprio para fazer trabalho específico para Santo André. Essa dívida é uma de minhas prioridades nesta gestão.
O senhor se sentiu traído, entre aspas, quando percebeu que estava sozinho jogando para valer o jogo de integração regional?
Celso Daniel -- Não, absolutamente. De jeito nenhum.
Não o quê?
Celso Daniel -- Não me senti traído.
Concorda que se lançou mais aos projetos regionais do que todos os demais?
Celso Daniel -- Acredito que, particularmente os prefeitos que foram assumindo o Consórcio Intermunicipal e a Câmara Regional, foram também assumindo um papel crescente na integração regional. Talvez a diferença tenha sido a de que me mantive apostando na integração regional, mesmo tendo deixado de ser o coordenador dos dois organismos.
Enquanto os demais fizeram só quando estavam no mandato, é isso que quer dizer?
Celso Daniel -- É, mas também houve ganhos, houve saldos depois que esses prefeitos deixaram a coordenação. Acredito que isso não é nada desprezível. Acho que muitos desses prefeitos apostaram e trabalharam completamente para a integração regional. Não foi só eu que fiz isso. É por isso, em primeiro lugar, que não me sinto traído. A segunda razão é porque acredito piamente que o desenvolvimento de cada um dos nossos municípios depende da integração regional, depende do desenvolvimento do conjunto do Grande ABC.
É o caso do terciário avançado. Temos um espaço muito importante para ocupar na região. Santo André pode ter papel fundamental por causa das características urbanas, dos meios de transporte e da proximidade com São Paulo. Mas para dar certo precisamos que a economia de São Caetano, de São Bernardo e das demais cidades da região esteja bem. É isso que vai garantir internamente a demanda por serviços avançados.
Pode dar a impressão de que ao admitir a culpa, a responsabilidade, ou seja lá o que for, pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico não ter atingido o que o senhor imaginava, não tenha ocorrido nada em Santo André. Sabemos que, apesar do déficit, houve várias ações, inclusive inéditas na região, além da mudança do uso e ocupação do solo voltada ao desenvolvimento industrial.
Celso Daniel -- O próprio Eixo Tamanduatehy, embora fundamentalmente urbanístico, está revestido de aspecto econômico à atração de investimentos. Alguns empreendimentos importantes começaram a se implantar principalmente ao longo da Avenida Industrial e outros interessados estão voltados para a Avenida dos Estados. Houve outras iniciativas além da lei voltada à área industrial, como a própria proposta da lei de desenvolvimento comercial em discussão no Legislativo.
Aplicamos também a idéia de aprender com o Pólo Petroquímico de Capuava nos ganhos com o grupo de sinergia, disseminando o conceito para outros segmentos produtivos. Foi uma idéia bastante importante, que contou com a mão do Nelson Tadeu Pereira e também do Nívio Roque, então na Secretaria de Desenvolvimento Econômico. Já o pioneirismo na região se deu com o Banco do Povo, que ainda precisa crescer e se aprimorar, mas que foi um avanço importante, e também com as incubadoras de cooperativas, reunindo trabalhadores. As cooperativas também precisam ser aprimoradas pelos integrantes como negócio que requer a disputa de mercado e que, por isso mesmo, exige capacidade gerencial. Tudo isso foi muito importante, mas acho que é insuficiente.
Cobramos mais o prefeito Celso Daniel em relação aos demais porque entendemos que os resultados efetivos de quem liderou junto ao Poder Público a proposta da revista de criar secretarias de Desenvolvimento Econômico merece ser mais cobrado mesmo. É o preço da liderança. Defendemos uma proposta através da qual as secretarias tenham mais gente qualificada, mais recursos materiais, enfim, que seja unidade de negócios no sentido público do termo, se se pode aplicar sem distorção essa expressão, porque o sentido é de fomentar empreendimentos.
Celso Daniel -- A idéia das secretarias prosperou em função da própria pressão da opinião pública, do esclarecimento de alguns políticos e, como resultado, algumas cidades simultaneamente implantaram a divisão. Não creio, por outro lado, que a secretaria deva ser uma unidade de negócios, mas um espaço que combine duas diretrizes simultâneas. A primeira diretriz diz respeito à secretaria ser forte estimuladora de negócios. A segunda diretriz diz respeito a conhecer e criar condições adequadas para que a economia da cidade se adapte ao longo dos tempos às transformações porque passa. Então, temos de trabalhar preocupados com o curto prazo, nessa visão pró-negócios, e ao mesmo tempo voltados para o médio e longo prazos, preparando condições para Santo André aproveitar todas as potencialidades.
O que efetivamente vem sendo feito para a remodelação estrutural da Secretaria de Desenvolvimento Econômico de Santo André?
Celso Daniel -- A secretaria não contava com estrutura compatível com as demandas, por isso estamos praticamente recriando a secretaria, particularmente mais para o lado voltado ao setor privado. Em 1997, para melhor entendimento, montamos a secretaria com dois departamentos, de Desenvolvimento Econômico e de Geração de Renda, que hoje chamamos de Trabalho e Renda. O segundo departamento tem frutos importantes, como já mencionei. O de Desenvolvimento Econômico ficou aquém e isso provocou desbalanceamento no conjunto da secretaria.
Agora estamos aprimorando o Departamento de Trabalho e Renda tanto com relação ao Banco do Povo como de incubadoras, mas precisamos decisivamente criar um programa de empreendedorismo, no caso específico para o empreendedor popular, e vamos montar o Departamento de Desenvolvimento Econômico. Montar com projetos concretos, como o de incubadora de empresas de base tecnológica que possa estar vinculada ao terciário avançado sobre o qual já falei. Uma incubadora que seja um marco, uma referência e um multiplicador de iniciativas voltadas à implantação do terciário avançado em Santo André.
Também precisamos consolidar as ações dos grupos de sinergia. Outro programa que pretendemos trabalhar é no sentido preventivo de suporte às empresas de Santo André para fortalecer nossa estrutura produtiva, particularmente no que se refere à indústria.
Como observa as declarações do consultor espanhol do BID, Francisco Albuquerque, entrevistado por LivreMercado, que é enfaticamente defensor do pequeno negócio?
Celso Daniel -- Não tenho dúvidas de que a reconversão econômica de Santo André e do Grande ABC depende desse despertar para o pequeno negócio. Por isso, vamos jogar muito peso no segmento. Vão ter prioridade trabalhos voltados à formação profissional e gerencial para que o pequeno empreendedor se sintonize com a economia nos níveis mais amplos. Temos um trabalhador com muita experiência na região, mas que se acostumou a ser assalariado; jamais foi preparado para empreender. Para empreender, é preciso estar disposto a isso e ter os instrumentos adequados.
Na recente viagem internacional que fiz tive oportunidade de conhecer o trabalho que está sendo realizado pela Agência de Desenvolvimento Econômico de Lilly, no Norte da França. É impressionante como as características e os problemas daquela região são semelhantes aos do Grande ABC. Como a agência deles tem 19 anos de atividades, e não apenas dois como a nossa, reúnem programas muito mais avançados. Eles já contam, por exemplo, com um programa de empreendedorismo muito ramificado nas escolas, principalmente no Ensino Médio. Temos programas parecidos com esse na região e no Brasil inteiro implantados pelo Sebrae. São programas importantes, só que a escala é muito reduzida para as necessidades do Grande ABC. Por isso, precisamos da aplicação de mais recursos do Sebrae e também de outras fontes para fortalecer essas parcerias e criar programas novos.
Além disso, criamos duas coordenadorias na Secretaria de Desenvolvimento Econômico. Uma voltada para o centro expandido de Santo André, para onde as empresas, principalmente comerciais, se deslocaram nos últimos anos. A outra está voltada para os outros centros de bairros. O objetivo é ter relação mais estreita e direta com o empresariado dessas áreas. Não usaria a expressão unidade de negócios, mas não tenho dúvidas de que uma conexão direta com o empresariado é fundamental.
Isso jamais foi feito na história de Santo André e também da região.
Celso Daniel -- É um avanço que a gente vai construindo à medida que a experiência vai passando, porque na verdade já deveríamos ter feito isso antes.
O problema é que às vezes o administrador público, até por inércia, no sentido lato do termo, fica preso a referências do passado e de repente desperta para um novo referencial?
Celso Daniel -- Concretamente, também, o como fazer não é coisa tão óbvia como poderia parecer. Estou muito preocupado com as relações diretas com o pequeno empresariado. Também não tenho dúvida de que isso só será possível se o próprio empresariado, estimulado por essas iniciativas, passar a se auto-organizar de maneira que também não fez ao longo da história. Ou pelo menos não fez suficientemente. Dessa forma, a interlocução se tornará produtiva. Os resultados das primeiras experiências que estamos tendo são muito positivos.
Então, vive-se na secretaria uma batalha dupla, porque envolve a reestruturação interna e novos programas externos?
Celso Daniel -- Sem dúvida, porque reconfigurar internamente só faz sentido se estiver voltada para a demanda que pretende atender.
Santo André está, no momento, atendendo às demandas externas ou já consegue se antecipar a isso?
Celso Daniel -- Há demandas que não são expressas publicamente por causa da desorganização do próprio empresariado. As demandas existem. Basta conversar com os empresários para descobri-las. Por isso nosso trabalho objetiva o duplo sentido, isto é, de responder às demandas e também de antecipar a novas demandas. Até porque só o atendimento às solicitações do empresariado não vai resolver os problemas, já que a economia é dinâmica. Muitas vezes o empresariado, preocupado com o dia-a-dia dos negócios, só vê o imediato e não tem olhos para se dar conta de coisas importantes do ponto de vista coletivo e que também podem melhorar sensivelmente seu negócio.
O consultor Francisco Albuquerque, comentando à LivreMercado sobre o modelo de gerenciamento da Agência de Desenvolvimento Econômico, disse que o ideal seria uma espécie de duplo comando. O institucional estaria a cargo de um representante do Poder Público e o executivo caberia à iniciativa privada, que pressupostamente teria mais habilidade como empreendedora.
Celso Daniel -- Como entidade público-privada, a Agência precisa dar conta dessas duas dimensões, tanto de estímulo às iniciativas do setor privado como de políticas públicas voltadas para o fomento regional. Por isso, uma partilha de comando como a sugerida pelo consultor é uma solução simpática que pode perfeitamente funcionar.
Então admite que é um modelo diferente do que temos hoje e também poderá ser melhor do que poderemos ter dentro de dois anos, quando, por acordo, ficou definido que um representante da livre iniciativa comandará isoladamente a Agência?
Celso Daniel -- Acredito que essa questão de quem deve dirigir a Agência é mal posta. Em grande medida foi colocado de forma equivocada por uma disputa política que ocorreu em função das eleições para a diretoria da Agência. Uma questão política derivada do fato de que uma força política foi majoritariamente vitoriosa no Grande ABC. É uma disputa legítima, que leva pessoas a usar argumentos que estão mais facilmente à disposição para convencer outras pessoas.
A questão está mal posta porque o que realmente precisamos é de pessoas com espírito empreendedor, que podem perfeitamente ser provenientes do setor público ou do setor privado. O que precisamos garantir é que, sendo de um lado ou de outro, a interlocução da liderança do setor público com o setor privado seja adequada e vice-versa. Isso quer dizer que pode dar certo da forma como está prevista, com um representante do setor privado na direção, evidentemente se tiver condições de ter esse trânsito privilegiado com o setor público. Caso contrário, se as prefeituras reduzem participação, a Agência estará irremediavelmente esvaziada e fadada ao fracasso.
Isso significa que o modelo proposto pelo Francisco Albuquerque não é garantidor de uma Agência sem grandes turbulências?
Celso Daniel -- Talvez seja um modelo extremamente adequado, mas na prática não trabalhamos com modelos e sim com a realidade. A pré-condição para esse sistema é que se estabeleça sintonia muito fina entre representantes do setor privado e do setor público. Se houver oposição, não haveria condições de implantação.
Hoje não haveria condições para isso?
Celso Daniel -- Claro que não, porque essa oposição foi produzida por determinadas lideranças políticas e econômicas. Foi situação criada de tal maneira que levou a Agência a forte risco de rompimento, caso não houvesse a reeleição do titular. O que se esquece é que a Agência tem apenas dois anos de atividades, dos quais o primeiro foi consumido para organizá-la e o segundo foi atingido pelo calendário eleitoral. O tempo é muito curto para se alcançar resultados, embora acredite que mais coisas poderiam ter sido feitas, sem dúvida alguma.
Como observa o fato de que partidos opositores estejam aprendendo as lições do PT e se articulam na região para combates eleitorais sob nova ótica, em que as fronteiras municipais vão desaparecer e políticos mais representativos da região poderão ser vistos apoiando candidatos de outros municípios contra o PT?
Celso Daniel -- A idéia de se unir quando se percebe a fragilidade é uma idéia óbvia que se observa em tantas e tantas atividades. Acho natural que estejam acontecendo articulações que não sejam especificamente municipais. Vejo com naturalidade, mas acho necessário ter cuidado muito grande para que essas forças integradas dos mais diferentes partidos jamais coloquem seus objetivos específicos de poder acima do interesse da integração regional e também de cada um dos municípios isoladamente. Se isso vier a acontecer, a integração regional correrá sérios riscos.
Acredito que, pela maturidade apresentada nos últimos anos, não chegaremos a esse ponto. Prevalecerá a disputa política sistêmica, mas sempre preservando os espaços de diálogo que são fundamentais para que iniciativas de cooperação sejam bem-sucedidas.
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10/05/2024 Todas as respostas de Carlos Ferreira