O prefeito de Ribeirão Pires, Saulo Benevides, provou na semana passada o quanto é fácil levar a Imprensa da Província do Grande ABC no bico. Quando digo levar no bico quero dizer enganar mesmo, dar um drible da vaca na credibilidade, fornecer informações sem relação direta com a realidade dos fatos, seja pela omissão de dados, seja pela abundância de fantasia.
Vejam os leitores as seguintes manchetes que selecionei para, em seguida, provar que a Imprensa anda descuidada demais no tratamento que dispensa aos gestores públicos, assim como o faz com outras instâncias de poder:
1. Manchete do jornal Diário Regional: “Com incentivos fiscais, Ribeirão Pires bate recorde de empresas”.
2. Manchete do Diário do Grande ABC: “Ribeirão bate recorde de novos empreendimentos por meio de incentivos”.
Em resumo, o prefeito de Ribeirão Pires anunciou que a política de incentivos fiscais implantada no inicio da Administração, em janeiro, já provocou a criação de 877 novos empreendimentos, entre comércios, serviços, microempreendedores e indústrias. Ele espera pelo menos mil novas unidades até o final do ano. Disse também que a desburocratização de prazos para emissão de documentos, vantagens logísticas e potencial de crescimento econômico estão entre os principais atrativos para investidores e já gera resultados.
O mundo da fantasia do prefeito Saulo Benevides é o sonho regional. Quanto crescimento em tão pouco tempo! Nada, entretanto, que se sustente num Município que sofreu durezas prolongadas de desindustrialização durante os anos 1990 e que, só recentemente, recuperou parte dos vazamentos. Mas que no cômputo geral segue no vermelho, expresso no repasse do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), imposto fortemente relacionado à produção industrial: entre 1993 e 2011 Ribeirão Pires sofreu perda liquida de 30,01% de recursos do ICMS, ante a média regional de 28,32%. Como um Município com essas características – e outras mais que dispenso utilização porque óbvias – pode crescer tanto em empreendedorismo se a gênese de empreendedorismo é o desenvolvimento econômico?
Tão fácil de responder quanto se tornou fácil para a gestão de Saulo Benevides engabelar a mídia regional: é a explosão dos chamados microempreendedores individuas (MEI) que atinge, indistintamente, todos os municípios brasileiros.
Microempreendedorismo
O microempreendedorismo tem múltiplas faces, a maioria das quais conectada com a fuga da burocracia e dos elevadíssimos custos de formalização de negócios no formato convencional. O Sebrae ensina que a legislação é generosa com os microempreendedores individuais. A principal vantagem é que só existe uma taxa fixa mensal. A Jucesp (Junta Comercial do Estado de São Paulo) dá o caminho à elucidação do gigantismo numérico de Ribeirão Pires: os setores que mais cresceram e constituíram empresas no Estado de São Paulo foram vestuário, beleza e alimentação. Traduzindo: salões de cabeleireiro, lojinhas, bares, formam o carro-chefe do empreendedorismo de Ribeirão Pires e de tantas outras localidades.
Onde o prefeito de Ribeirão Pires vê dinamismo econômico o que temos para valer é mais concorrência entre os pequenos e micros, enquanto os grandalhões do mercado, movidos a conglomerados comerciais e de serviços, dão as cartas.
Fosse o prefeito de Ribeirão Pires mais comprometido com a transparência e a Imprensa mais cuidadosa nas informações saídas diretamente do forno de marqueteiros políticos, a notícia divulgada em vários endereços impressos e digitais mereceria um aparato cautelar em nome da racionalidade econômica e do bom senso informativo.
Afinal, do total das empresas que supostamente chegaram a Ribeirão Pires, quanto são microempreendedores? Quantas e qual é o perfil de eventuais indústrias de transformação? Quais são os incentivos fiscais que estão a premiar os novos negócios? Tudo isso e muito mais poderiam ser contrapostos às declarações do prefeito Saulo Benevides.
Sinais evidentes
A Folha de Ribeirão Pires emite sinais, com uma notícia publicada já há algum tempo, de que o prevalecimento dos microempreendedores individuais é expressivamente maciço na contabilidade do prefeito. Os números do chefe do Executivo estão atualizados até meados deste outubro. Como entre janeiro e março deste ano a Prefeitura já havia formalizado 230 novos microempreendedores, acredita-se que mais de 90% dos 977 novos negócios tenham a mesma origem. É claro que o prefeito omitiu uma informação valiosa, preferindo o embalo da quantidade à criticidade da qualidade.
Cair no conto do empreendedorismo é de lascar. Há uma desatenção da mídia. Mais que atenção, falta desconfiança. O alinhamento automático com as fontes de informações oficiais é um tropeço e tanto para quem pretende alinhavar critérios de credibilidade.
O microempreendedorismo individual provavelmente mascara também os níveis de desemprego no País. Especialistas não conseguem decifrar o enigma de baixo crescimento do PIB enquanto o desemprego estatístico esta amarradíssimo a taxas baixíssimas. Além de não se considerarem nas pesquisas desempregados que não se apresentam em busca de emprego por um determinado período, porque é assim que a metodologia decidiu, não se tem dados complementares sobre o número de microempreendedores individuais sem demanda de trabalho mas disfarçados de empresários-trabalhadores formalizados sob nova estrutura legal.
Até fevereiro, após quase três anos de implantação, havia 2,7 milhões de microempreendedores individuais no Brasil. Um técnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea, instituição vinculada ao governo federal, disse recentemente que metade dos MEIs, como são chamados, vêm do mundo formal, entre pessoas que foram demitidas e aquelas que desistiram de seus empregos em busca de oportunidade. Não entrou em detalhes sobre a outra metade. Mas completou ao traçar o perfil dos MEIs que pertencem ao cadastro do Programa Bolsa Família. “Eles estão concentrados, via de regra, onde está a maior parte dos beneficiários” – diz o estudo. Pelo menos 7% dos beneficiários do Bolsa Família aderiram ao microempreendedorismo individual.
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