Administração Pública

Bruno Daniel fala ao Diário Regional
sobre corrupção, MP e muito mais

DANIEL LIMA - 28/10/2013

Irmão mais novo de Celso Daniel, Bruno Daniel Filho deu entrevista imperdível à repórter Camila Feltrim, do jornal Diário Regional. Ele falou sobre corrupção, política regional e o andamento dos processos relativos ao assassinato de Celso Daniel. Bruno Daniel é professor de Economia da Fundação Santo André (FSA) e da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo. Sempre discordei dele em manifestações sobre o caso Celso Daniel. E vou fazê-lo de novo, com argumentos sólidos. Mas, desta vez estou com ele na grande maioria das intervenções que invadem outras áreas. 


 


Não existe outra saída à análise das declarações de Bruno Daniel senão reproduzir a entrevista completa do Diário Regional. Incorporo ao material original o que chamaria de minhas intervenções. Para distinguir a colher de pau, tudo que estiver entre parênteses após as respostas de Bruno Daniel significa posicionamento deste jornalista.  Acho que vale a pena os leitores consumirem o que se segue.


 


Diário Regional -- Existe a possibilidade de o senhor se candidatar a um cargo eletivo, como chegou a ser ventilado antes das eleições do ano passado?


 


Para que uma candidatura minha ocorra é preciso, inicialmente, que os processos relativos ao assassinato de meu irmão (Celso Daniel, ocorrido em 2002) e à corrupção que se instalou na Prefeitura de Santo André andem. Além disso, é necessário que o PSol construa boa proposta para a cidade, porque ser candidato por ser candidato não me interessa. Viabilizar essa candidatura é muito complicado, porque requer aglutinação de forças e bons quadros em cada área da administração.


 


(Conclusão óbvia: condicionantes do entrevistado indicam que a família Daniel mais próxima geneticamente de Celso Daniel não terá concorrente a qualquer disputa eleitoral).


 


Diário Regional -- Uma das críticas que se faz ao PT é que adquiriu vícios inerentes ao exercício do poder. O que impede que isso ocorra com o Psol, agora que começa a dar os primeiros passos no Executivo?


 


Nada impede. Afinal, não existe só corrupção de direita. Porém, é possível construir no Psol um novo modelo em oposição ao socialismo a qualquer preço, que deu origem ao totalitarismo de esquerda e gerou falta de transparência, corrupção. Em janeiro, portanto muito antes do movimento de junho, pedimos à prefeitura os contratos de concessão do transporte. Porém, não conseguimos as planilhas, mesmo invocando a Lei de Acesso à Informação, que está em vigor. Então, isso ocorre na direita e na esquerda.


 


(O entrevistado tem uma visão tão pragmática quanto desconsolada sobre política. Nada que não tenha o grau de realismo da maioria dos mortais que conhece o jogo do poder).


 


Diário Regional -- Como o senhor avalia as manifestações de junho?


 


Foi um movimento autêntico, mas contraditório e ambivalente. Um exemplo: os manifestantes demandaram acesso à saúde “padrão Fifa”, mas ao mesmo tempo exigiram menos impostos. Como isso é possível? A visão implícita é de que o dinheiro está lá, mas escorre pelo ralo da corrupção e da ineficiência. É verdade, mas não é só isso. É preciso que o Estado estabeleça nova forma de se relacionar com a sociedade, mais transparente. Outra faceta contraditória é o ataque aos partidos políticos, mas não se constrói democracia verdadeira sem os partidos.


 


(Também o entrevistado acerta no centro do alvo com lucidez).


 


Diário Regional -- No ano passado, os então candidatos à prefeitura Carlos Grana (PT) e Nilson Bonome (PMDB) usaram o nome de Celso Daniel em suas campanhas – o petista ao evocar políticas públicas criadas por Celso e o peemedebista ao ter Rafael Daniel, sobrinho dele, como vice. Como o senhor viu isso?


 


Achei lamentável, porque cada partido tem de construir sua proposta, a partir de suas convicções. O que considero meritório é perceber o que houve de positivo na trajetória do meu irmão e avançar. Da mesma forma que não se pode reproduzir pura e simplesmente o que Karl Marx dizia no século XIX, porque certas visões do socialismo levam ao totalitarismo e à corrupção, é preciso avaliar o que ocorreu em Santo André. Não se pode apenas usar o nome do Celso, porque na gestão dele havia corrupção e caixa 2.


 


(Como se percebe Bruno Daniel não perdoa o irmão famoso e morto por supostamente ter mantido esquemas de corrupção na Prefeitura de Santo André, centro do alinhamento que manteve com o Ministério Público para vincular o crime a irregularidades administrativas).


 


Diário Regional -- Houve alguma discussão familiar sobre a candidatura de Rafael Daniel?


 


Com certeza. Fazer uso do nome de meu irmão como Rafael fez é de uma impropriedade ímpar, absolutamente lamentável. Rafael aceitou o jogo político tradicional. Minha interlocução com ele é zero nas questões familiares, embora, socialmente, a gente converse.


 


(Bruno Daniel expõe o que chamaria de síndrome de exclusivismo de suposta herança nominal deixada por Celso Daniel. Até prova em contrário, o jovem Rafael Daniel, sobrinho de Celso Daniel, não teria por que solicitar anuência dos irmãos do ex-prefeito para sair à cata de voto e também para falar em nome do tio.).


 


Diário Regional -- Quem, na política regional, seria capaz de dar continuidade aos projetos de Celso Daniel?


 


Acho muito difícil personalizar isso.


 


(É difícil compreender em profundidade o significado de “personalizar” a continuidade dos projetos de Celso Daniel. Se personalizar significar um apanhado do espólio do ex-prefeito de forma a dar praticidade aos projetos, adaptando-os à realidade sem se cometer aberrações conceituais, as iniciativas sempre serão bem-vindas. Também nesse ponto, ninguém, nem mesmo os familiares de Celso Daniel, têm poder de impedimento).


 


Diário Regional -- O prefeito de São Bernardo, Luiz Marinho (PT), é esse político?


 


Não, porque não é uma pessoa, e sim um conjunto de forças que tem de se aglutinar em torno de determinadas ideias do Celso e continuá-las. Marinho faz isso? Não, porque não rompe com os fatores que levam à desigualdade. Aliás, as administrações (no ABC) são tradicionais. Prova disso é que pedimos acesso aos dados do transporte, mas ninguém deu. Assim, você não rompe com os esquemas de caixa 2.


 


(Resposta perfeita de Bruno Daniel. Luiz Marinho não tem individualmente e também no conjunto de assessores a menor intimidade com o legado de Celso Daniel entre outros motivos porque a distância intelectual que os separa é galáctica).


 


Diário Regional -- A administração de Celso Daniel foi acusada de manter esquema de caixa 2 no transporte coletivo. O senhor acredita que esse esquema continua a existir?


 


Continua. Por que você acha que não temos acesso aos dados do transporte? As campanhas eleitorais são muito caras. Aí, financiadas pelas empresas, as forças que se dizem transformadoras assumem o poder e mantêm esse jogo. Mudam no varejo uma coisa aqui, outra ali, mas no atacado fica tudo igual, porque a democracia é um valor secundário para esse pessoal.


 


(Mais uma resposta contundente e perfeita de Bruno Daniel).


 


Diário Regional -- O senhor é favorável ao financiamento público de campanha?


 


Sim, e também à restrição às campanhas eleitorais. Porém, não podemos ter a ilusão de que o financiamento público vai resolver todos os problemas do país. Depende de como será operacionalizado. Uma vitória do movimento foi o arquivamento da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 37, que visa limitar o poder de atuação do Ministério Público – órgão que, ao investigar o assassinato de Celso Daniel, chegou à conclusão de crime político. O arquivamento da PEC é uma grande vitória. Corríamos o risco de enorme retrocesso. O MP é uma instituição perfeita? Não, porque tem muitos problemas. Porém, é interessante para a sociedade ter uma instituição capaz de investigar juntamente ou sem a polícia? Acho que sim. A polícia não consegue fazer boa investigação de quem tem poder político ou econômico, porque a inamovibilidade não existe na polícia, o que significa que um delegado que preside um inquérito pode ser afastado do cargo se incomodar, eventualmente, alguém de poder político ou econômico envolvido. No Ministério Público isso não existe. Foi assim que o MP conseguiu investigar o caso Celso Daniel. O curioso é que as pessoas continuam a desqualificar o trabalho do MP, apesar de cinco envolvidos no crime terem sido condenados. Porém, ainda há no Supremo Tribunal Federal (STF) ação em andamento em que o empresário Sérgio Gomes da Silva, o Sombra, suspeito de ser o mandante da morte de Celso Daniel, questiona o poder de atuação do MP. Ou seja, foi uma vitória parcial.


Você tem razão. Foi parcial, mas foi uma grande vitória. Democracia a gente constrói a duras penas, com um passo de cada vez. 


 


(Concordo em parte com Bruno Daniel. Totalmente quanto à imperiosidade de o Ministério Público atuar em investigações criminais, desde que despido da armadura do absolutismo do caso Celso Daniel, completamente distante da fronteira da legalidade. Concordo parcialmente sobre as limitações da polícia nas investigações. Se é verdade que o MP não sofre na mesma intensidade os desajustes investigativos provocados por terceiros, principalmente por forças políticas e econômicas, não é menos verdade que há sim certo esgarçamento do tecido de independência da instituição. Discordo totalmente quando Bruno Daniel afirma que pessoas continuam a desqualificar o trabalho do MP, “apesar de cinco envolvidos no crime terem sido condenados”. Bruno Daniel suprimiu um fato que comprova a eficiência policial tanto na apuração do crime como na constatação de que Sérgio Gomes da Silva não teve participação alguma: os presos e condenados foram resultado de investigações e detenções policiais, não do MP. Sérgio Gomes foi o único ponto divergente, por razões que já cansei de explicar. A omissão de informações para consolidar um ponto de vista caolho não é a melhor maneira de sustentar a versão do crime segundo o enredo traçado pelos promotores criminais).


 


Diário Regional -- O senhor acredita que Sombra será julgado?


 


Sim, só não consigo prever quando. O juiz responsável pelo caso (Antônio Galvão de França Hristov) anda no fio da navalha, porque não pode cometer erros processuais, sob risco de prejudicar todo o trabalho de investigação, sem contar as brechas na lei utilizadas pelos advogados para procrastinar e inviabilizar o processo. Então, é preciso ter paciência e entender que, apesar da boa vontade do juiz de Itapecerica da Serra e dos promotores, as instituições têm muitos problemas. Também é preciso fazer pressão.


 


(As deficiências e os abusos do MP nas investigações paralelas que culminam na denúncia contra Sérgio Gomes da Silva ultrapassaram os limites constitucionais, à parte o debate sobre o poder de investigação ministerial. Um julgamento técnico do Supremo Tribunal Federal dissolverá completamente a acusação do MP).


 


Diário Regional -- O que o senhor diz àqueles que desqualificam sua tese de crime político e sua cruzada pela condenação dos envolvidos ao afirmar que mantinha relacionamento pro­tocolar com Celso Daniel?


 


Laços familiares são extremamente fortes, independentemente de ocorrer um ou outro estremecimento. Como familiar e cidadão, tenho todo o direito de lutar para que o crime seja devidamente investigado e que os culpados sejam punidos. Quer dizer que, porque houve estremecimento na relação com Celso em algum momento de nossas vidas, eu devo me omitir? Nada apaga essa relação. Isso não quer dizer que eu não tivesse críticas à forma de fazer política do Celso. Tinha e continuo tendo.


 


(Sabe Bruno Daniel que laços familiares não são indissociáveis como pretende fazer crer. Foram muitos anos de distanciamento entre ele e Celso Daniel. Há uma diferença muito grande entre estremecimento de relações, como nominou o afastamento do irmão famoso, e fantasias informativas, como o fez durante o processo de apuração do crime).


 


Diário Regional -- Uma parte importante do legado do Celso Daniel é o Orçamento Participativo. O senhor acompanhou a execução do OP neste ano, na gestão de Carlos Grana?


 


Vi alguns outdoors na cidade, mas não saberia avaliá-lo. Minha desconfiança é de que se tratou de um espaço meramente formal de discussão.


 


(Acertou o irmão de Celso Daniel).


 


Diário Regional -- Outra parte desse legado é o Consórcio Intermunicipal. Que avaliação o senhor faz da atuação da entidade?


 


O Consórcio é importantíssimo, porque é impossível atacar os problemas de mobilidade, Saúde e educação apenas no âmbito do município. Porém, funciona de forma muito precária, porque a capacidade de planejamento das prefeituras é baixíssima, o que se reflete em sua atuação.


 


(Mais um tiro certo).


 


Diário Regional -- Se as prefeituras não têm planejamento, por que o Consórcio teria? Após 11 anos de gestão do PT, o Brasil atualmente é um país melhor?


 


Sob determinados aspectos, sim. Sob outros, não. É interessante que as pessoas tenham acesso ao consumo e ao crédito, que tenha crescido o nível de emprego formal. Tudo isso é bom, mas não é suficiente. Ocorre que 94% das vagas criadas de 2004 a 2011 têm remuneração até 1,5 salário mínimo. O Brasil está se desindustrializando e não é capaz de fabricar produtos de alto valor agregado. Que raio de desenvolvimento é esse que primariza nossa pauta exportadora? Daqui a pouco, além de ter o programa Mais Médicos, o país vai precisar criar o Mais Engenheiros, o Mais Professores. Será que não há outro jeito de estimular a economia que não seja aumentando a quantidade de carros nas ruas? Paralelamente, cresceu a desconfiança das pessoas em relação às instituições. O crime organizado aumentou. A carga tributária segue desigual, porque penaliza quem ganha menos. O acesso à educação aumentou, mas não o acesso ao aprendizado. Quase 40% dos universitários não são plenamente alfabetizados. O consumo de drogas aumentou, porque é crescente o número de pessoas insatisfeitas com suas próprias vidas e crescente o número de quadros depressivos.


 


(Sem reparos).


 


Diário Regional -- O senhor deixou o país e obteve asilo político na França em função das ameaças que recebeu. Hoje, de volta ao Brasil, ainda se preocupa com sua segurança?


 


Tenho minhas precauções. Procuro não sair de casa sempre no mesmo horário, não repito trajetos. A coisa mais fácil de acontecer é, em um congestionamento, aparecerem dois caras de capacete em uma moto, simularem um assalto e, pronto, está resolvido.


 


(Bruno Daniel participou de uma encenação que induziu a opinião pública a acreditar que estava sendo ameaçado de morte por conta do caso Celso Daniel. Jamais se apresentou publicamente um indício de materialidade das ameaças. Mas isso não o exclui de eventuais contratempos no trânsito por conta da lei de probabilidades de regiões metropolitanas coalhadas de marginais. Seria algo assemelhado ao incidente com o irmão, transformado em crime político no qual, vejam só, os supostos mandantes simplesmente executaram a galinha dos ovos de ouro sob o pretexto de que a vítima, “assim” com o governo que se instalou poucos meses depois no Palácio do Planalto entre outros motivos porque contava com engrenagens de arrecadações eleitorais paralelas em Santo André, pretendia delatar os malfeitores. Quanta incoerência e tolice, vejam só).


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