Administração Pública

Primeiro Mandamento: nota zero
para Marinho e 10 para Celso Daniel

DANIEL LIMA - 04/11/2013

O primeiro dos “10 Mandamentos do Gerenciamento Público Municipal” reserva nota zero ao prefeito Luiz Martinho e 10 para Celso Daniel. “Amar a comunidade sobre todas as coisas” está muito longe do alcance do petista que comanda São Bernardo. Bem diferente de Celso Daniel, prefeito que Santo André elegeu por 10 anos em três mandados, o último dos quais incompleto. As políticas públicas e as ações regionais de Celso Daniel são referência histórica aos chefes de Executivos da região, o que pode ser entendido também como desafio, quando não como uma sentença de fracasso a quem não vai além dos próprios sapatos.


 


Este é o primeiro e efetivo capítulo desta série que vai analisar os "10 Mandamentos" preparados em 2007 e publicados originalmente na revista LivreMercado, da qual este jornalista era diretor de Redação. Os próximos capítulos serão publicados nesta revista digital até meados de dezembro.


 


Luiz Marinho recebe nota zero porque faz da Administração de São Bernardo um trampolim exacerbado às pretensões de chegar ao governo do Estado em data que não parece aparecer no horizonte próximo. Celso Daniel também tinha planos ambiciosos, era um dos homens de ouro do staff do PT federa. Dispensava, entretanto, a tutela do então candidato à presidência da República Lula da Silva.


 


Uma das diferenças é que Celso Daniel contava com staff de primeira linha tanto nas funções de secretários como informalmente, de assessores de confiança total com os quais maturava planos e ações. O gabinete de inteligência das gestões de Celso Daniel permitia até a participação de um ou outro integrante sem brilho técnico e intelectual. Havia um condutor sereno, planejador, visionário, a guiar a todos. Celso Daniel costumava deixar para o dia seguinte a resposta à dúvida cruel de hoje. Entendia que nada seria melhor para reduzir dissonâncias que uma noite a ponderações.


 


Luiz Marinho usufrui de vantagens proporcionadas pelo legado de Celso Daniel tanto quanto alguém que se embrenha em trilhas em meio a matagais. Entretanto, o formato de gestor operacional de Luiz Marinho se contrapõe ao de gestor articulador de Celso Daniel. Marinho não sai da trilha, mas não enxerga o entorno a desbravar porque a mata de conhecimento parece espessa demais. Celso Daniel movia-se pelo entorno previamente esquadrinhado de planejamento com a destreza de quem era mestre das trilhas. Marinho ainda se debate com a cartilha gerencial; Celso Daniel era uma coletânea.


 


Poderá parecer exagero atribuir nota zero a Luiz Marinho no mandamento “amar a comunidade sobre todas as coisas”. A olhos e mentes menos atentos, nada mais mal avaliado. Bastaria comparar Luiz Marinho com a maioria de raias miúdas contemporâneas ou mesmo do passado de convencionalismo para encontrar um excesso de rigidez na definição da nota.


 


Labirinto desbravador


 


Esse é o grande equívoco. O traçado dos “10 Mandamentos do Gerenciamento Público Municipal” não é uma linha reta, previsível, facilmente identificada. Muito pelo contrário: é quase um labirinto de avaliações múltiplas que, entrecruzadas, definem o perfil do gerenciador público eventualmente colocado à prova. Somente aos leigos o suposto labirinto se eternizará como traçado indecifrável. Basta entender de gente para decodificar os caminhos a serem superados e encaminhar-se a uma saída glorificadora.


 


O Luiz Marinho nota zero em “amar a comunidade...” está profundamente ligado ao divisionismo que se impôs quando assumiu a Prefeitura de São Bernardo. A ordem geral e irrestrita de seus objetivos está voltada a uma carreira que tenha São Bernardo como ponta de lança de consolidação de um prestígio que tarda a chegar e dificilmente chegará, tendo-se como definição de prestígio um cofre com segredo inviolável no qual se guardam conquistas que toda a sociedade poderá usufruir não necessariamente no presente.


 


Celso Daniel pensou e agiu como gestor público municipal e regional olhando para as décadas seguintes. Realizou projetos e os colocou em prática. Luiz Marinho age com a presteza de quem tapa buracos e é incapaz de enxergar o próximo quarteirão. Celso Daniel reunia o pressuposto da prática de políticas públicas que ultrapassassem os limites do convencional. Luiz Marinho é um obreiro dependente de recursos estaduais e federais.


 


Luiz Marinho vive circunstâncias politicas, partidárias e econômicas que fariam de Celso Daniel, vivo estivesse, muito maior ainda do que o foi em situações completamente adversas na política, na vida partidária e também no panorama econômico.


 


Tempos díspares


 


O Brasil de Celso Daniel dos anos 1990 ia mal das pernas e crescia em média não mais que 2,2% ao ano. O Brasil de Luiz Marinho da primeira década dos anos 2000 e do início da segunda década é mais robusto economicamente, mesmo excessivamente dependente de políticas que privilegiam o consumo e sufocam o investimento. O Brasil de Celso Daniel era dirigido por tucanos, assim como o Estado de São Paulo. O Brasil de Luiz Marinho é petista e os tucanos estaduais do Palácio dos Bandeirantes têm preocupações maiores para seduzir o eleitorado a ponto de buscarem iniciativas que reduzam o prestígio de medidas sociais do governo federal.


 


A Província do Grande ABC de Celso Daniel mereceria a denominação de Grande ABC por força do esplendor intelectual e técnico que exalava, mas era um território arrasado por políticas econômicas federais e estaduais que impactaram diretamente a musculatura industrial. Foi perdido nos anos 1990 nada menos que um terço do poderio industrial da região, medido pelo Valor Adicionado, espécie de PIB da indústria de transformação. A Província do Grande ABC de Luiz Marinho respira sem aparelhos após a multiplicação de consumo de veículos de passeio, carro-chefe da economia local.


 


A Administração Luiz Marinho está distante do ecumenismo social e econômico de Celso Daniel. Por força de pressões dos esquerdistas que lhe dão sustentação partidária, principalmente de sindicalistas e trabalhadores do setor metalúrgico, e também porque jamais enxergou a classe média tradicional e o empresariado como parceiros vocacionais,  Luiz Marinho faz um governo de entranhas exclusivamente populares. Marinho se definiu pela periferia porque a periferia é mais sofrida e garante mais votos por influência de Lula da Silva. A classe média, cada vez mais sobrecarregada de trabalho e de impostos, fica relegada a quinto plano.


 


Celso Daniel, filho de classe média, intelectual inicialmente muito rejeitado pelos conservadores, destruiu com habilidade grande parte das barreiras a ponto de distinguir-se da imagem de combatividade sindical do PT menos classista em Santo André.  Celso Daniel trabalhou intensamente para aproximar os contrários. O viés de centro-esquerda amoldou-se cuidadosamente ao perfil demandado pela classe média convencional a ponto de provocar dissensões familiares. O irmão mais novo, Bruno Daniel Filho, afastou-se de Celso Daniel porque pretendia radicalizar um governo pretensamente comprometido com demandas socialistas.


 


Celso Daniel foi, portanto, muito mais sistêmico em busca de uma sociedade menos separatista entre trabalhadores e classe média do que Luiz Marinho. A vantagem que já seria suficiente para definir um divisor de águas ideológicas e práticas entre os dois petistas ganha amplitude superlativa quando se coloca mais de uma década de distância entre uma administração e outra, com tudo que isso represente em transformações sociais e políticas no País.


 


Revolução antecipada


 


O que Celso Daniel pretendeu promover nos anos 1990, sobretudo no segundo mandato e nos dois anos do terceiro mandato inconcluso, seria uma revolução já nestes dias. Luiz Marinho, contrariamente ao maior prefeito de cunho regional que a Província do Grande ABC já contou, acrescentou camadas e camadas de pedras a dificultar a aproximação entre centro e periferia.


 


Beneficiários do Bolsa Família, programa com mais de 40 mil famílias inscritas em São Bernardo, têm peso relativo muito maior nas preocupações da Administração Luiz Marinho do que qualquer iniciativa de moradores de áreas tradicionais dotadas de estoque imobiliário a refletir condições socioeconômicas autenticamente de classe média de verdade.


 


Os primeiros cinco anos da Administração Luiz Marinho afastam ainda mais o Centro da periferia de uma São Bernardo doutrinadíssima ao distanciamento de classes por conta de históricos embates sindicais que, por sua vez, diferenciavam o tratamento entre os representantes de chão de fábrica e executivos de paletós e gravatas, ou mesmo entre chefiados e chefes na área de produção.


 


A Santo André que Celso Daniel assumiu no primeiro mandato e a Santo André que Celso Daniel deixou abruptamente no início de 2002 já não eram as mesmas na tessitura sociológica. O professor de Economia da Fundação Getúlio Vargas já houvera conseguido apaziguar os espíritos mais beligerantes, mesmo se considerando que Santo André não replicava o perfil majoritariamente de classe operária de São Bernardo.


 


Celso Daniel conseguiu, afinal, ficar acima do bem e do mal da clivagem petista/antipetista. Uma façanha que jamais a Luiz Marinho.  A gênese de sindicalista, em contraponto à de professor e de classe média de Celso Daniel, empurra sempre e sempre Luiz Marinho em direção a um separatismo reconfortador para a própria alma.


 


Exercício permanente


 


"Amar a comunidade sobre todas as coisas" foi um exercício permanente para o prefeito Celso Daniel desde o primeiro mandato quando, ainda preso a um socialismo que ruía com a queda do Muro de Berlim, cedia espaços a forças radicais, principalmente de grupos de acadêmicos como o irmão Bruno Daniel Filho e sua mulher, a sociológica Marilena Nakano, pivô de dissensões porque, como secretária de Educação, pretendia avançar muito além do sinal de bom senso.


 


"Amar a comunidade sobre todas as coisas" é uma maratona a desafiar o prefeito Luiz Marinho porque há elementos culturais e políticos de dependência excessiva dos humores sindicais a lhe tolher os passos, como se não fosse suficiente as próprias convicções de ex-sindicalista. Tanto que uma grande oportunidade para juntar as peças entre empresários e trabalhadores foi atirada simbolicamente no lixo com a construção do anunciado Museu do Trabalho e do Trabalhador. Provavelmente nem a antiga Alemanha Oriental contou com algo semelhante a demarcar com extravagante viés ideológico a separação tácita entre capital e trabalho, como se um não dependesse de outro e os dois juntos não pudessem promover desenvolvimento econômico sustentável.


 


Celso Daniel deixou um legado de "amar a comunidade sobre todas as coisas" que neutraliza qualquer investida opositora desclassificatória.  Luiz Marinho preferiu o contrafluxo de Celso Daniel. Priorizou a ideologia e a política na definição estratégica de uma administração popular à semelhança do protetor Lula da Silva, embora sem as mesmas qualificações midiáticas.


 


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