Incubadora de empresas tecnológicas nos mananciais? Prioridade absoluta ao desenvolvimento de projetos para pequenos empreendedores? Visão da livre iniciativa no comando da Agência de Desenvolvimento Econômico? Sim. Tudo isso que causa arrepios a socialistas contrários a que se toque a natureza, que priorizam o estatal acima do empreendedorismo privado e que não aceitam submeter a gestão de organismo fortemente ligado ao Estado às regras do capitalismo fazem parte das propostas do economista Francisco Albuquerque, espanhol da Andaluzia que visitou o Grande ABC no mês passado durante uma semana como interlocutor do Banco Mundial.
Se as propostas do consultor do Banco Mundial por si só já seriam impactantes para uma região que jamais conseguiu extrair desenvolvimento econômico sustentado de suas fronteiras mais densamente ocupadas pelos mananciais e que tem tradição de não dar ao capital tratamento mais adequado nem mesmo nestes tempos de disputa por investimentos, como identificar então as medidas sugeridas tendo-se em conta que Francisco Albuquerque é socialista de carteirinha?
Francisco Albuquerque é mais um consultor internacional a visitar o Grande ABC, palco de uma das três primeiras experiências selecionadas pela chamada City Alliance (Aliança para as Cidades), uma parceria inédita entre o Banco Mundial (agente financiador dos projetos) e o sistema Habitat (agente da ONU responsável pelo monitoramento dos projetos). As outras cidades são Johanesburgo (África do Sul) e Colombo (Siri Lanka). A proposta é elaborar estratégia de reconversão econômica para a região.
O projeto é de pequeno porte e financia basicamente a elaboração de diagnóstico sobre os principais pontos fortes e fracos da economia regional. O trabalho será complementado por plano de ação com recomendações a investimentos prioritários. O convênio com a Agência de Desenvolvimento Econômico será finalizado com a apresentação do plano de ação à reconversão econômica. Esse plano poderá contemplar a necessidade de investimentos estratégicos em áreas como apoio a pequenas empresas, capacitação profissional e infra-estrutura urbana. Junto ao plano será elaborada estratégia de captação de recursos de organismos nacionais e internacionais para viabilizar os investimentos.
Distante do maniqueísmo de que globalização e submissão têm o mesmo significado, Francisco Albuquerque lembra que a quebra de fronteiras na economia se divide em duas partes distintas: de um lado a globalização financeira, do capital especulativo sem pátria, e de outro a globalização produtiva, patrocinada por empresários e não por financistas. É neste território que vislumbra a reconversão econômica do Grande ABC. Francisco Albuquerque defende investimentos regionais e territoriais em substituição ao modelo de organismos internacionais e de bancos federais que canalizam recursos para governos na América Latina, diferentemente do que se dá na Europa.
Acompanhamos algumas manifestações suas e notamos que ficou deslumbrado com o Grande ABC. A impressão que temos é a de que numa visita de 10 dias é impossível conhecer detalhadamente uma região, por mais competente que seja esse consultor e por mais que ouça pessoas. É impossível ouvir todos que realmente têm o domínio da informação e do contraditório. Isso é muito importante porque há natural tendência de valorizar alguns aspectos, principalmente quanto ao suposto amadurecimento da integração regional, o que não corresponde à realidade. O senhor tem conhecimento de que a integração institucional e a integração operacional do Grande ABC estão bastante distantes da realidade?
Francisco Albuquerque -- Primeiro gostaria de dizer que minha impressão favorável ao Grande ABC é com relação ao resto da América Latina, por haver encontrado certa prática de negociação entre atores públicos e privados, entre grandes, pequenas e médias empresas, sindicatos e comunidade. Tenho a impressão de que se trata de um processo inicial, mas que se configura no que chamo de capital social, o que não tenho visto no resto da América Latina.
Como o senhor compararia essa situação regional que expõe, e com a qual não concordamos, com o que acontece na Europa, por exemplo?
Francisco Albuquerque -- Também teria uma posição de amadurecimento institucional elevado em relação a muitas experiências no Sul da Europa. Trabalho normalmente em Andaluzia, região mais acostumada a receber subvenções da União Européia do que a construir esse capital de empreendedores e ter uma visão estratégica.
O grande problema da região é que há um caudal de teoria e pouca prática. Faltam recursos financeiros. Não temos um banco de fomento regional que financie acordos já estabelecidos. Também não temos um banco de fomento estadual ou federal voltado para o desenvolvimento regional. Como o senhor observa essa realidade?
Francisco Albuquerque -- Também não há bancos de fomento em outros países da América Latina atingidos em cheio pelo fundamentalismo de organismos internacionais com sede em Washington, nos Estados Unidos, como é o caso do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional. Tudo isso que se conhece como Consenso de Washington e que tem como alicerces estabilidade macroeconômica, substituição do setor público pelo setor privado, privatização, redução do tamanho do Estado e abertura econômica internacional.
O Grande ABC não tem dinheiro público nem dinheiro privado para os planos de recuperação. Temos reiteradamente afirmado que nos falta um BNDES, público ou privado, com capacidade de investir na região.
Francisco Albuquerque -- Entendo, entendo. Não há um banco de desenvolvimento e, durante todo esse período, isso tem sido desaconselhado por causa de uma visão simplista. Agora vemos a necessidade de financiamento para o desenvolvimento econômico sustentável. Mas isso não é suficiente.
O senhor seria favorável à constituição de um banco regional de fomento no Grande ABC?
Francisco Albuquerque -- Se fosse possível, creio que seria ótimo. Mas, acompanharia esse processo com a construção de um mercado de serviços reais de informações sobre o processo tecnológico, do mercado, dos competidores. A experiência européia tem revelado que é mais difícil construir territorialmente os serviços reais para a produção e a cooperação empresarial do que os serviços financeiros. Finalmente o pequeno e o médio empresários têm algum tipo de financiamento, mas não se tem na Europa um sistema territorial de informação tecnológica, de integração de universidades, de centros tecnológicos.
Isso é parte do projeto. E os recursos para financiar projetos no Grande ABC?
Francisco Albuquerque -- A questão não é tanto de recursos financeiros, mas sim de articulação mais inteligente dos recursos disponíveis.
Utilizando-se para isso o conceito de cluster?
Francisco Albuquerque -- Sim, como conceito de cluster.
Como jamais foi aplicado no Grande ABC, apesar de algumas teorias em contrário...
Francisco Albuquerque -- Não há na região identificação precisa do que se chama de cadeia produtiva. É preciso trabalhar muito mais nesse tema e com mais precisão, com instrumentos disponíveis para a identificação territorial que hoje não estão sendo utilizados, de modo a produzir o fomento econômico regional. Não são grandes pesquisas de que se precisa, mas de informações concretas para uma finalidade mais operativa. As empresas têm provedores e mercado e tudo está nesse território. É possível situá-los através de um sistema de informação geográfico. Quero dizer que é preciso pensar de forma micro, economicamente e territorialmente, e segundo a perspectiva de negócios.
O Grande ABC vem passando por forte processo de exclusão empresarial que algumas pesquisas tentaram escamotear. A origem dessa situação está na dependência exagerada do setor automotivo, um dos mais competitivos do mundo globalizado. Pequenas indústrias familiares de autopeças, por exemplo, foram dizimadas pela globalização. Isso é resultado do enxugamento do quadro de fornecedores, que se estreita em sistemistas e subsistemistas de gestão internacional. Além disso, temos o global sourcing, que desafia territórios na busca de preço menor e qualidade de insumos. Como o senhor observa o futuro do Grande ABC, se no passado o sistema de cluster jamais funcionou e hoje há o processo de enxugamento empresarial?
Francisco Albuquerque -- O enfoque é importante, não a existência de cluster. O enfoque quer dizer que se tem de buscar o mercado que existe em nível regional segundo as atividades principais, não só do setor automotivo. É claro que o setor automotivo reúne rede de provedores importantes, mas é preciso qualificar mais para poder interiorizar a presença nesse setor. Tenho a impressão de que o Grande ABC pesquisa excessivamente a grande empresa. Não tenho encontrado investigação mais detalhada da pequena e média empresa, que compõem a imensa maioria das unidades industriais. Não se tem estratégia para a pequena empresa, que representa mais de 95% do setor. Por isso, a reestruturação industrial é um dado do problema, mas não é o problema. O problema é que é preciso visão estratégica muito mais orientada para uma diversificação produtiva que dê à região maior capacidade de resistir à eventualidade de decisões tomadas fora do território regional.
Então o senhor também considera, como esta revista, que a dependência excessiva do Grande ABC do setor automotivo é um mau negócio? Temos escrito que é indispensável buscar novas matrizes econômicas.
Francisco Albuquerque -- É preciso ter estratégia de diversificação. Por exemplo: foi um descobrimento para mim comprovar que a região do ABC tem 56% do território declarado área de proteção dos mananciais. Isso quer dizer que há uma possibilidade imensa pelo menos para Ribeirão Pires e Mauá, que têm 100% do território protegido. A sociedade urbana está abandonando a produção dos bens ambientais, inclusive a água. Não é possível pensar no desenvolvimento do Grande ABC se não se assegurar o recurso de água de qualidade. E como se produz isso? Cuidando bem do meio ambiente. Por isso, o Grande ABC tem uma posição negociadora frente ao Estado e frente às empresas, além da possibilidade de diversificação para uma indústria dedicada à geração e aos investimentos em gestão da água e do meio ambiente. Enfim, a região tem capacidade potencial para reestruturar-se com base numa indústria nova nesse setor. Por exemplo: o enfoque de cluster é importante para saber onde fazer inovações. Ter incubadoras em cada Município é importante, mas o mais importante é saber o que se vai incubar. É preciso, então, ter essa visão do que se vai promover.
O senhor defenderia a formação de incubadoras dentro desses 56% de territórios de mananciais no Grande ABC?
Francisco Albuquerque -- Sem dúvida. Seriam incubadoras que chamaria de bases tecnológicas não demasiadamente complicadas e que requerem um certo nível de massa crítica para dar luz a idéias e projetos empresariais, inclusive com acordo e parceria com outras áreas nas quais há pesquisas em marcha. Acredito que tanto a indústria de perfumaria quanto de farmácia poderiam ter vez nesses projetos. Enfim, há imensas possibilidades. Entretanto, acho que existe certa síndrome do ABC de desindustrialização ou reestruturação. Acho que essa discussão é como descobrir o sexo dos anjos. O importante é buscar projetos de diversificação produtiva para gerar riquezas e reduzir o nível de excessiva dependência de grandes empresas.
É exatamente na dificuldade de entender que precisa diversificar as matrizes econômicas que o Grande ABC está pecando. Todos os projetos que saem de fornos institucionais do Grande ABC estão vinculados, direta ou indiretamente, ao setor automotivo e ao setor químico/petroquímico. Não temos tecnologia de ponta, não temos química fina, não temos biotecnologia.
Francisco Albuquerque -- Por isso que é muito importante identificar os recursos locais e orientá-los a esses projetos, o que é missão de uma Agência de Desenvolvimento Econômico. Nesse sentido, é importante diferenciar os interesses e a lógica de funcionamento dos grandes grupos empresariais dos interesses e da lógica de funcionamento dos empresários de pequeno porte. O Brasil exporta só 14% de sua produção. Significa que 86% se movem no mercado interno. Há um mercado brasileiro em que se deve apostar sim, no sentido de aumentar a produtividade e competitividade e ir avançando com esses aliados. Nesse sentido é que defendemos a valorização social do empresariado, sobretudo de pequeno e médio porte. Embora esteja surpreso, gratamente surpreso, com o amadurecimento dos atores regionais, observo por parte do setor público um certo receio do setor empresarial. O empresariado local não tem a mesma lógica dos transnacionais.
Deu para o senhor sentir nesses 10 dias que não há a aproximação governamental em relação ao capital como se propagou?
Francisco Albuquerque -- Eu leio que tem de ser o setor público local e as organizações sociais. Tem de ter o empresariado também.
O senhor usaria o termo discriminação para essa observação?
Francisco Albuquerque -- Não sei se é discriminação ou sensibilidade mais de esquerda que entende que o empresarial está do outro lado.
O senhor captou bem a questão porque existem no Grande ABC, em função da velha disputa entre capital e trabalho, restrições de ambas as partes. Isso foi transplantado para a área governamental porque temos hoje cinco administrações públicas de origem socialista, do Partido dos Trabalhadores. Esse distanciamento, de fato, ainda existe?
Francisco Albuquerque -- Na verdade, o que queremos é qualidade de vida e educação, entre tantas outras coisas. É coisa do passado pensar na fábrica como pólo antagônico. A gente quer educação, saúde, segurança, enfim, viver melhor. Então, se a esquerda se declara querer manter a polaridade, não haverá avanço. Notei avanços no ABC exatamente no amadurecimento de ver com olhos novos o que se tem para resolver. Resolver é buscar os aliados. E os aliados nem sempre são os trabalhadores.
Trabalhei durante muito tempo com o movimento ecologista e antimilitarista dentro de minha formação socialista, de esquerda. Uma esquerda agora já renovada, madura. Criticávamos as fábricas que produziam armamento para o Iraque e o Irã, que estavam em guerra, e também as fábricas que estavam poluindo o meio ambiente. E tivemos como inimigos os trabalhadores que defendiam seus postos de trabalho. Então começamos a perceber que o tema não estava relacionado com a fábrica, mas sim com o contexto da vida. Isso quer dizer que o pequeno empresário às vezes tem mais problemas que um funcionário. Isso requer, enfim, certa mudança cultural. As receitas prescritas no século XIX não servem mais. Temos hoje no mundo uma direita que vem dizendo que é preciso acabar com o Estado, que deve prevalecer apenas o setor privado, com ajustes macroeconômicos e movimento financeiro. A direita não tem projeto para a pequena e média empresa. E do outro lado temos uma esquerda que confunde capitalista e empresário. Está claro que há a necessidade de que essa esquerda também se recicle.
Além disso, o discurso da globalização tem certo elemento de perversidade, que tende a sugerir que estamos num regime de mercado único. Vejam o caso da Coca Cola. Onde se envasa a Coca Cola? A água não se importa. Requer um insumo local. Por isso, é mais importante ter estratégias locais, afim de interiorizar oportunidades de desenvolvimento para melhorar a situação.
Então o senhor não vê a globalização econômica como algo consumado e excludente?
Francisco Albuquerque -- Não é supermercado único. É certo que é mercado único do ponto de vista financeiro, mas o sistema financeiro não é a economia real.
O problema é que muita gente, até por interesse nem sempre confesso, confunde uma coisa com a outra.
Francisco Albuquerque -- Sim. Se não se é capaz de competir com o Japão, é suicídio tentar. O Brasil tem mercados que não estão condenados a ser parte de multinacionais.
O senhor é um militante de esquerda que, pelo que disse, oxigenou-se, amadureceu. Como vê essa divisão que persiste entre esquerda e direita? Como vê a chamada Terceira Via?
Francisco Albuquerque -- Creio que temos conhecido uns anos de simplificação da realidade no quadro macroeconômico. Temos passado por um período de fundamentalismo com relação ao que havia de ser conforme o pensamento norte-americano depois da queda do Muro de Berlim, como se fosse a fórmula mágica. Isso já passou. Felizmente passou, mas com evidentes problemas no caminho percorrido. Agora estamos numa fase de ajuste estrutural por demais complexo.
Nos países mais desenvolvidos, por exemplo, não vivemos somente ajustes macroeconômicos. Estamos trabalhando cada território, cada região, em nível micro, inclusive com formações políticas de esquerda, como o Partido Socialista do meu país, onde o ministro de Indústria diz que a política industrial é do mercado, não há por que intervir. Entretanto, nas regiões temos que dar respostas aos pequenos empresários, ao desemprego, por causa de exigências maiores dos mercados em nível de União Européia. Tudo decorre de uma espécie de divisão de papéis, em que o governo central se ocupou do ajuste macroeconômico e os governos regionais, locais, passaram a desenvolver políticas de fomento para pequenas empresas, tanto com ações do ponto de vista financeiro para se reestruturarem como com vistas a estratégias para o futuro. Felizmente essa discussão chegou à América Latina. E nesse ponto, em relação à América Latina, o Grande ABC está na dianteira. Está na frente não só no futebol. É verdade que o processo tem desconfiança, mas vai indo. Lentamente. Mas vai indo.
É exatamente essa nossa preocupação. Também achamos que vai indo, mas devagar demais. As mudanças com a globalização são muito rápidas, dinâmicas, por isso exigem ritmo mais veloz. Estamos devagar em relação às nossas necessidades. O senhor não acha que devemos ter um pouquinho de pressa?
Francisco Albuquerque -- Sim, sim. Tem de se ter pressa buscando as experiências que já avançaram em outros países. Deve-se olhar mais para a Europa, para a periferia sul-européia que passou por grandes mudanças por causa de uma política econômica mais complexa, entretanto mais enraizada no tecido produtivo. Há muita coisa já aprovada sobre as quais podemos ganhar tempo.
Outra avaliação que LivreMercado tem feito historicamente é a de que a maioria dos administradores públicos da região trabalha de forma bastante forte e produtiva do ponto de vista municipal, mas no aspecto regional, de integração propriamente dita, está devendo resultados substantivos. Essa questão da integração regional é muito abstrata. Vivemos sob o domínio do municipalismo. Em suma, a regionalidade do Grande ABC é frágil em relação à força específica de cada Município. A parte é maior que o todo. Uma agravante da situação é que os executivos públicos têm visão muito mais voltada para o desenvolvimento social do que para o desenvolvimento econômico. Insistimos na tese de que o social é muito importante, mas o que vai garantir o futuro da região é o econômico. Se o senhor tivesse que hierarquizar esse contraponto, qual seria a prioridade regional?
Francisco Albuquerque -- Creio que falta um outro aspecto, sobre o qual me referi anteriormente, relativo ao desenvolvimento ambiental sustentável, como parte do desenvolvimento econômico.
Sim, isso está implícito na pergunta. Para ser mais preciso, a expressão correta é desenvolvimento econômico sustentável.
Francisco Albuquerque -- Evidentemente, não se pode solucionar sob nenhum ponto de vista assistencial o que requer tratamento econômico. Creio que o desenvolvimento econômico vem em primeiro lugar, para poder, assim, ter certeza e segurança de que se tem uma estratégia não somente assistencial. E aí está o tema fundamental, porque se tem de buscar aliança muito mais consistente sobre um trabalho essencialmente técnico para contar com uma estratégia de diversificação produtiva com vistas ao futuro do Grande ABC. Isso quer dizer que está a cargo dos empresários, sobretudo dos pequenos e médios.
Então a inversão da escala de prioridades que temos hoje no Grande ABC e que criticamos sistematicamente é grave erro estratégico dos administradores públicos?
Francisco Albuquerque -- É um erro bem intencionado, porém inconsistente a médio e longo prazos.
Dizemos que se trata de um eterno enxugar de gelo. Existe alguma expressão em espanhol relacionada à que utilizamos na língua portuguesa para explicar essa situação?
Francisco Albuquerque -- Talvez seja o resultado da mistura de leite e carvão, leche e picon, como dizemos; algo que não resulta em nada. Só mesmo a busca de uma base econômica garante o longo prazo. O problema do desenvolvimento econômico tem de ser a questão central, enquanto o desenvolvimento social tem de ser um aspecto do desenvolvimento econômico sustentado ambientalmente.
O senhor disse durante a reunião da Agência de Desenvolvimento Econômico que reelegeu o prefeito Celso Daniel que o perfil do organismo tem de ser empreendedor. O que poderia falar mais a respeito disso?
Francisco Albuquerque -- Uma agência tem de articular atores distintos para impulsionar atividades produtivas. A agência é uma entidade sem finalidade de lucro ou de perda, não é uma empresa que faz negócios, mas tem de funcionar como uma empresa cuja missão seja articular os setores para gerar negócios. A missão da agência é exatamente essa, principalmente para dar suporte às pequenas e médias empresas na busca de modernização e reestruturação em sua trajetória de longo prazo.
Por isso, é preciso trabalhar com distintos públicos de empreendedores, identificando onde há fraquezas. Certamente a agência terá de fortalecer as entidades empresariais a fim de que os problemas sejam solucionados. Esse é um trabalho de campo, não de gabinete. É preciso entender também que uma coisa é a diretoria representada por todas as forças privadas, públicas e não-governamentais, e outra coisa é a gerência técnica. É indispensável que na gerência técnica se tenha um grupo que trabalhe com a perspectiva do empreendedor.
O comando técnico da Agência de Desenvolvimento Econômico deveria ter a cultura da iniciativa privada?
Francisco Albuquerque -- Tem de ter sim, de resultados. É preciso saber diferenciar a diretoria que tem a responsabilidade institucional e que responde pela estratégia do conjunto de ações e a gerência técnica que lidera as ações práticas e também as pesquisas que efetivamente interessam aos empreendedores.
Temos no Grande ABC centenas de galpões industriais desocupados por força da evasão ou simplesmente da falência de empresas. Nenhuma administração pública municipal tem inventário sobre o volume dessas áreas e muito menos uma política para ocupação desses espaços. O que fazer?
Francisco Albuquerque -- Tive oportunidade de ver essa realidade nas minhas andanças por aqui. Não só vi como me fez lembrar muito das estratégias utilizadas no Norte da Espanha, que passou por recessão industrial, principalmente com a crise do setores químico, siderúrgico e de construção naval, em consequência da competição asiática. Muitas das operações de recuperação econômica transformaram galpões em locais de novas iniciativas produtivas e até mesmo em museus que mostram o que as cidades foram e o que podem ser. São operações de planejamento urbano ligadas também às estratégias do conjunto do desenvolvimento regional.
Esse é um dos vácuos na região. E temos mais. Trata-se da cultura automobilística do Grande ABC que, por incrível que pareça, não tem um único museu para consolidar a liderança e o pioneirismo da região.
Francisco Albuquerque -- Recomendaria enfaticamente que se utilize algum desses galpões para isso. É preciso reconstruir a história. E aproveitar o projeto para incorporar a nova visão estratégica para a economia regional. É preciso que os moradores locais e visitantes conheçam exatamente a natureza dos problemas que os atingem.
Me surpreendi na visita que fiz a Ribeirão Pires, quando perguntei a representantes do Poder Público quais as atividades tradicionais da economia local e me responderam que, entre várias, se destaca a produção de paralelepípedos de granito e que algumas ruas têm esse tipo de material. Trata-se de material ambientalmente melhor que o asfalto tradicional. Não resisti e perguntei como uma cidade que quer desenvolver atividades turísticas pode abrir mão dessa característica de calçamento? Em vez de asfalto, que usem paralelepípedos. É preciso ter mais capacidade criativa, inclusive com a introdução de elementos de identidade própria. Esse tipo de piso nas ruas e o museu automotivo são exemplos de diversificação que sugiro para o ABC dentro das estratégias que estão sendo tratadas.
O senhor acredita que algum organismo público internacional venha mesmo a investir recursos consideráveis na recuperação econômica do Grande ABC? Ou o dinheiro que vem para cá será mais para sustentar estudos técnicos?
Francisco Albuquerque -- Dentro do BID e do Banco Mundial há uma grande discussão sobre as perspectivas européia e norte-americana, que são diferentes. Na verdade, o projeto do qual faço parte pretende convencer o BID sobre a necessidade de contar com linhas de financiamento para operações regionais e territoriais cujos atores públicos e privados façam um pacto político suprapartidário e o desenho técnico tenha presença ativa de empreendedores de pequeno e médio porte. Isso é bem diferente de financiamentos dos governos federais, como é o caso do BNDES no Brasil.
Vou levar ao BID a proposta de canalizar recursos financeiros para o desenvolvimento regional, como faz a União Européia. O que não falta na Europa são mecanismos de financiamento à reestruturação de economias regionais. Infelizmente, o BID não conta com essa política. Tampouco o Banco Mundial. O tecido empresarial latino-americano tem presença maciça da pequena empresa que, sozinha, não pode responder às exigências das mudanças tecnológicas e da reestruturação global. Por isso é importante fortalecer essas atividades através de financiamentos de organismos multilaterais. A perspectiva de inversões regionais é importante. No caso brasileiro, Brasília não pode compreender a importância dos mananciais para o equilíbrio do meio ambiente da Grande São Paulo, por exemplo. É preciso, por isso, trabalhar mais localmente tanto no aspecto de inovação empresarial quanto de preparação da mão-de-obra.
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10/05/2024 Todas as respostas de Carlos Ferreira