Administração Pública

Segundo Mandamento: nota dois
para Marinho e 10 para Celso Daniel

DANIEL LIMA - 11/11/2013

“Não tomar o santo nome do desenvolvimento em vão” é o segundo mandamento desta série ancorada no mote de “10 Mandamentos do Gerenciamento Público Municipal” formulado em 2007 por este jornalista. O escopo do confronto que se apresenta entre Celso Daniel e Luiz Marinho já foi explicado. E como no primeiro capítulo, do Primeiro Mandamento, Celso Daniel recebe nota 10. Já Luiz Marinho não passa de dois.


 


Sorte que o prefeito de São Bernardo, reeleito no ano passado e com novos três anos de mandato, pode tentar reverter ou abrandar o quadro geral. Para isso precisará se reinventar. Como fez Celso Daniel, aliás. Após um primeiro mandato, entre 1989 e 1992, preso demais a um socialismo já fora de moda, voltou renovado em 1997, como socialdemocrata que os petistas mais conservadores sempre detestaram e, a partir daí, cristalizou prestígio moldado em políticas públicas que ultrapassaram os limites de Santo André.


 


Celso Daniel recebe nota 10 em “Não tomar o santo nome do desenvolvimento em vão” porque colocou a mão na massa de práticas respaldadas por estudos, mesmo em programa impactados por limitações de uma regionalidade em marcha lenta, quando não em marcha-a-ré.


 


À frente de uma Prefeitura que sofria os efeitos mais duros da desindustrialização, uma desindustrialização que transformou Santo André no principal alvo de derrotas no Estado de São Paulo durante praticamente três décadas, Celso Daniel foi um oásis de esperança fundamentada em planejamento. Sob seu comando a Prefeitura lançou o projeto Eixo Tamanduatehy, a Cidade Pirelli, a Loto Fiscal, a visão do terciário de valor agregado para reduzir o peso da perda industrial. Além disso, lançou as bases de estudos técnicos e estatísticos para diagnosticar e organizar cadeias produtivas regionais, quando no comando do Clube dos Prefeitos.


 


Também foi como prefeito dos prefeitos que Celso Daniel firmou com a Fundação Seade um convênio que esquadrinhou a economia da região como ferramenta a intervenções sem riscos de dispersão.


 


Celso Daniel estava muito à frente do convencionalismo autárquico que dominava a administração pública regional. Por isso não teve dúvidas em, assim que assumiu o segundo mandato, em 1997, criar a primeira Secretaria de Desenvolvimento Econômico de uma Prefeitura da Província do Grande ABC. Na verdade, uma conquista que chegou com muito atraso. Os antecessores sempre desdenharam a possibilidade de a riqueza industrial sofrer qualquer abalo. Estavam convencidos de que quem chegou primeiro estabelecera vantagem intocável. Até que vieram a guerra fiscal e o Plano Real.


 


Santíssima trindade


 


Celso Daniel também como prefeito dos prefeitos liderou o movimento de criação da Câmara Regional, instituição com múltiplos agentes sociais, econômicos e políticos, inclusive do governo do Estado.  A Câmara Regional situava-se hierarquicamente acima do Clube dos Prefeitos e da Agência de Desenvolvimento Econômico, outras entidades inspiradas pelo prefeito de Santo André.  A região contava com uma santíssima trindade pró-regionalidade que exalava perspectivas de sucesso, mas foi bombardeada por enfermidades típicas do setor público, como a rotatividade de grupos políticos no poder, dispersão do foco de atuação, inconstâncias interventivas, entre outras.


 


O diferencial de Celso Daniel ao se colocar seu legado em confronto com o de Luiz Marinho, o único prefeito da atual safra que, pelos cinco anos de gestão, apresenta-se como suposto referencial de gestão pública apropriada ao conceito de “10 Mandamentos”, é que se empenhou para valer em busca de resoluções principalmente regionais. Além, é claro, de dedicar tempo e inspiração a Santo André. Principalmente após perceber que se entregou tanto ao jogo da regionalidade que não detectou a tempo que os demais prefeitos da região jogavam um jogo diferente, o jogo do municipalismo de olho nas próximas eleições. O coletivismo de Celso Daniel não era correspondido para valer. Tudo não passava de jogo de cena. Como tem sido ao longo dos anos.


 


Um claro exemplo de que passaram Celso Daniel para trás em pró-regionalidade como profissão de fé é que o prefeito de Santo André sempre se negou a entrar no clube dos praticantes da guerra fiscal no setor de serviços. Para os prefeitos que viveram mandatos no mesmo período de Celso Daniel, seduzir empreendimentos de serviços como Barueri, Santana de Parnaíba e tantos outros municípios à Oeste da Capital era uma saída para amenizar as perdas com repasses do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços). Luiz Tortorello, de São Caetano, foi o mais atrevido adepto da ruptura de uma filosofia pró-regionalismo fiscal. Quando Celso Daniel acordou do sonho do compartilhamento de inquietações regionais numa área metropolitana em ebulição, Luiz Tortorello já amealhava riquezas ao atrair investimentos de consórcios, financiadoras, administradoras de valores, entre outros.


 


As sementes plantadas para o desenvolvimento econômico e social da Província do Grande ABC sofreram com a aridez de baixa fertilidade institucional após a morte de Celso Daniel. Mas antes mesmo de ser abatido durante sequestro em janeiro de 2002, quando já exercia informalmente a condição de coordenador-geral da campanha de Lula da Silva à Presidência da República, Celso Daniel jogara parcialmente a toalha do empenho à regionalidade. Voltou-se um pouco mais à gestão de Santo André ao perceber que estava isolado num jogo de falsos parceiros.


 


Abismo produtivo


 


O abismo a separar Celso Daniel de Luiz Marinho, e que seria suficiente para explicar, justificar e consagrar a diferença de notas a resumir o desempenho à frente das duas mais importantes cidades da Província do Grande ABC, poderia ser esquadrinhado na vocação ao desenvolvimento regional. Enquanto Celso Daniel esteve à frente da criação e do lançamento, bem como de políticas públicas, da Câmara Regional, do Clube dos Prefeitos e da Agência de Desenvolvimento Econômico, Luiz Marinho, que chegou mais de uma década após o início do segundo mandato de Celso Daniel, relutou em assumir a presidência do Clube dos Prefeitos, no início deste ano.


 


Nunca é demais lembrar e realçar que o contexto de Celso Daniel prefeito de Santo André e líder regional é diametralmente oposto ao contexto de Luiz Marinho arredio ao desenvolvimento econômico e social. Celso Daniel chefiou com a grandeza intelectual e a operosidade de assessores de ponta uma Província do Grande ABC hostilizada pelo governo federal, então dos tucanos. Tudo expresso na insensibilidade do governo Fernando Henrique Cardoso ante a desindustrialização e fissuras sociais aos borbotões. Luiz Marinho é o principal nome da política regional num período em que o PT, do qual é um dos fundadores, soma 10 anos de controle da máquina federal.


 


Luiz Marinho violentou, quando não profanou, o segundo mandamento de gerenciamento público municipal com série de iniciativas que contrastam com qualquer tentativa de reconhecimento ao empenho que tenha aplicado em favor da sociedade.


 


Alguém que realiza logo no início do primeiro mandato um barulhento simpósio que apontou série de medidas requentadas para a recuperação da economia regional e não levou nada adiante não pode merecer mais que nota dois numa avaliação minimamente rígida. Como se já não fosse suficiente a arrogância com que tratou os demais chefes de Executivos da região, ameaçando desistência de ocupar a presidência do Clube dos Prefeitos ante a possibilidade de concorrência. O Luiz Marinho negociador metalúrgico dos tempos de presidente de sindicato virou um mandachuva político avesso ao contraditório. 


 


Qualquer iniciativa que coloque Luiz Marinho como gerenciador inquieto com o desenvolvimento econômico da região correrá o risco de cair na gandaia da desmoralização. Como pode ser levado a sério um prefeito que propagou aos quatro cantos que São Bernardo, tomada pela Lei dos Mananciais, reservaria espaço à construção de aeroporto internacional? Nada menos que 15 milhões de metros quadrados seriam indispensáveis à iniciativa. Sem contar que o impacto ambiental causaria estragos inomináveis. Pego em flagrante ante manchete tão abusiva, Luiz Marinho mudou o tom e agora o discurso se dirige à construção de um modesto terminal de voos executivos igualmente sem respaldo de sustentabilidade ambiental.


 


Obscuridade administrativa


 


Muito pior que a lorota de um aeroportozão em São Bernardo é a obscuridade administrativa a permear a iniciativa. Sabe-se quase nada sobre os grupos de interesse por trás da proposta agora reformulada. Luiz Marinho é contraditório quando se refere à área supostamente escolhida. Diz que divulgar o espaço que sediaria o terminal de cargas causaria especulação imobiliária. Como disse também que os próprios investidores privados prepararam ou estão preparando o projeto executivo, evidencia-se que o titular do Paço de São Bernardo favorece a terceiros em detrimento de eventual competitividade que a obra poderia gerar. Prepotente, Marinho não dá satisfação à sociedade. Trata a Prefeitura de São Bernardo como propriedade particular.


 


A gestão de Luiz Marinho está contaminada pelo vírus do sensacionalismo de etiquetas. Mais de uma dezena dos chamados Arranjos Produtivos Locais foram lançados sem que se registre um estudo sequer de viabilidade econômica produzido por consultoria especializada. O pressuposto de que estudos sobre a realidade das cadeias produtivas é o primeiro passo à propagação da ideia de criarem-se condições para potencializar a indústria de transformação de São Bernardo não é peça importante da equação. Na realidade, em vez de programas, de planos, Luiz Marinho propaga cartas de intenção com a finalidade marqueteira de ocupar espaço na mídia.


 


Marinho faz dos Arranjos Produtivos Locais algo como o dono da bola que chama parceiros para uma pelada que se viabilizará se arrumarem um campinho em razoáveis condições. É praticamente impossível desenvolver qualquer iniciativa ao fortalecimento de setores industriais sem dispor de estudos profundos. Há nichos e micos misturados e a serem identificados para que não se compre gato por lebre. A Administração Luiz Marinho faz dos Arranjos Produtos Locais uma panaceia sem eira nem beira metodológica. 


 


Luiz Marinho também trabalha com a espetacularização de projetos provavelmente em busca de âncora discursiva sem nexo com a realidade. Trata-se de jogar para o futuro mais distante, de duas ou mais décadas, a possibilidade de os anúncios de agora se converterem em realidade. Nada que deva ser respeitado. Não existe amparo documental de especialistas em competitividade econômica a dar guarida a frases de efeito.


 


O destino de quem transforma a gestão pública em fogos de artifício é cruel. Passados cinco anos, Luiz Marinho não fez decolar uma única carta de intenção interfira no tecido social e econômico de uma São Bernardo cada vez mais dependente da Doença Holandesa das montadoras e das autopeças. Até mesmo a vaca leiteira de montadoras e autopeças é rigorosamente desprezada por políticas públicas locais. Tanto que cada vez mais cai o número de empresas familiares de pequeno porte no entorno de políticas de compras das montadoras e das sistemistas, megaautopeças geralmente de capital internacional que preparam o terreno logístico-produtivo para abastecer diretamente as montadoras de veículos dentro de princípios logísticos que transformam tempo em produtividade.


 


A relutância que Luiz Marinho sempre exibiu para assumir a presidência do Clube dos Prefeitos, o quase desinteresse em pronunciar verbetes que tenham relação direta com desenvolvimento econômico, menos quando há interesses sindicais em jogo, e a ausência de uma força-tarefa de assessores econômicos que levem ao campo prático uma política de aproximação estruturada com o setor industrial de São Bernardo formam uma trinca de alta octanagem explosiva que se contrapõe a qualquer tentativa de o petista converter-se em exemplo de prefeito atual, quanto mais se a projeção for levada a um ponto futuro relativamente distante.


 


A nota dois a Luiz Marinho no Segundo Capítulo dos “10 Mandamentos do Gerenciamento Público Municipal” talvez seja um prêmio ao ex-ministro da Previdência Social e do Trabalho durante a gestão do protetor Lula da Silva.  Resta-lhe trombetear alguns feitos memoráveis, dignos da capital econômica da Província do Grande ABC, como o feirão de móveis que disponibiliza alguns quarteirões da Rua Jurubatuba em forma de passarela de ofertas de produtos quase que integralmente adquiridos de fabricantes a milhares de quilômetros da região, sobretudo no Sul do País, e uma feira-livre noturna.


 


Por isso que más notícias como a frustrada tentativa de trazer para os interiores ociosos da fábrica de São Bernardo um veículo de passeio da Mercedes-Benz, investimento que ganhou o rumo de Iracemápolis, região de Piracicaba, bem como o desleixo estratégico de procurar conhecer quais são as efetivas influências territoriais-locais do traçado do eixo sul do Rodoanel à economia da Província do Grande ABC, entre tantos outros buracos investigativos, dão o tom da mediocridade de Luiz Marinho ao tomar o santo nome do desenvolvimento em vão.


 


Leiam também:


 


Primeiro Mandamento: nota zero para Marinho e 10 para Celso Daniel


Leia mais matérias desta seção: Administração Pública

Total de 813 matérias | Página 1

15/10/2024 SÃO BERNARDO DÁ UMA SURRA EM SANTO ANDRÉ
30/09/2024 Quem é o melhor entre prefeitos reeleitos? (5)
27/09/2024 Quem é o melhor entre prefeitos reeleitos? (4)
26/09/2024 Quem é o melhor entre prefeitos reeleitos? (3)
25/09/2024 Quem é o melhor entre prefeitos reeleitos? (2)
24/09/2024 Quem é o melhor entre prefeitos reeleitos? (1)
19/09/2024 Indicadores implacáveis de uma Santo André real
05/09/2024 Por que estamos tão mal no Ranking de Eficiência?
03/09/2024 São Caetano lidera em Gestão Social
27/08/2024 São Bernardo lidera em Gestão Fiscal na região
26/08/2024 Santo André ainda pior no Ranking Econômico
23/08/2024 Propaganda não segura fracasso de Santo André
22/08/2024 Santo André apanha de novo em competitividade
06/05/2024 Só viaduto é pouco na Avenida dos Estados
30/04/2024 Paulinho Serra, bom de voto e ruim de governo (14)
24/04/2024 Paulinho Serra segue com efeitos especiais
22/04/2024 Paulinho Serra, bom de voto e ruim de governo (13)
10/04/2024 Caso André do Viva: MP requer mais três prisões
08/04/2024 Marketing do atraso na festa de Santo André