Entrevista Especial

Brasília enxerga Grande
ABC de muita riqueza

VERA GUAZZELLI - 05/04/2002

A fórmula que o empresário dos transportes Duílio Pisaneschi encontrou para descrever a representatividade do Grande ABC em Brasília é elucidativa. "Somos apenas 3/513 do Congresso Nacional" -- costuma dizer o deputado federal eleito pelo PTB de Santo André e que parte para a disputa do terceiro mandato consecutivo na Câmara. Para quem está distante das equações matemáticas ou prefere deixar os cálculos fracionários confinados aos bancos escolares, a tradução pode ser bem mais simples. A região, responsável por 3% da riqueza do País, representa somente 0,5% da força política de todo o País.


 


A falta de representatividade política não é propriamente novidade num  Grande ABC que mal consegue livrar-se do Complexo de Gata Borralheira em relação à vizinha Capital. Mas Duílio Pisaneschi aborda a questão como um dos entraves para ampliar a discussão regional no mar de interesses divergentes de Brasília. O também pré-candidato declarado à Prefeitura de Santo André em 2004 revela que o Grande ABC ainda é visto no Planalto Central como um lugar rico, longe de problemas latentes como desindustrialização e empobrecimento. Duílio Pisaneschi também fala sobre os interesses que adiam sucessivamente a votação da reforma tributária, sobre o Custo ABC agravado pelo alto valor dos impostos municipais e sobre a fantasia que considera a criação do Estado da Grande São Paulo.


 


Qual sua radiografia do Grande ABC de hoje?


 


Duílio Pisaneschi -- O Grande ABC passa por processo de desindustrialização fruto mais recente da globalização, da evasão de empresas e também do Custo  ABC, que ainda inclui a radicalização dos sindicatos protagonizada na década de 1980. O visível empobrecimento também é resultado direto da queda da arrecadação. Quando se troca indústrias por serviços, como acontece hoje na região, a receita diminui, os salários caem e o potencial de consumo despenca. Acho muito difícil trazer as empresas de volta com os custos que temos hoje.


 


O senhor refere-se ao Custo ABC? Que itens relacionaria como os mais problemáticos? 


 


Duílio Pisaneschi -- Os custos elevadíssimos de IPTU, de água industrial e de ITBI (Imposto Sobre Transmissão de Bens Intervivos). Em cidades como Santo André, a planta genérica mantém o valor venal de muitas propriedades industriais acima dos praticados no mercado. No momento da venda ou compra do imóvel, isso tem peso determinante porque encarece demais o imposto. São entraves que acabam se sobrepondo à nossa mão-de-obra disponível e às vantagens logísticas por causa da proximidade com o maior mercado consumidor do País, por exemplo. E o pior: quando alguma empresa vai embora da região e ganha maior competitividade em outra localidade do Estado, torna-se referência para que outras façam o mesmo caminho.  


 


Sob essa lógica, o Custo ABC de hoje não estaria mais  ligado à força dos sindicatos e salários maiores em relação a outras regiões, mas diretamente vinculado às práticas das atuais administrações municipais?


 


Duílio Pisaneschi -- Exatamente. Aumentos de IPTU afetam diretamente as empresas, principalmente quando é público que muitos municípios seduziram nossas indústrias com isenção fiscal. As administrações públicas da região reclamam da evasão industrial, mas adotam sistematicamente medidas como aumento de impostos que contribuem para a insatisfação dos empreendedores.  


 


A mobilização mambembe das cidades do Grande ABC também não tem contribuído para retardar a esperada reação à evasão industrial, que continua a ferir de morte a economia do Grande ABC?


 


Duílio Pisaneschi -- O Consórcio Intermunicipal de Prefeitos, a Câmara Regional e a Agência de Desenvolvimento Econômico são iniciativas importantes para a mobilização porque plantam bases para  mudança de postura das lideranças políticas, econômicas, intelectuais e da sociedade organizada do Grande ABC. Mas precisamos aprender a operar essas instituições, passar do discurso para a prática. 


 


Essas organizações estão aquém do que a sociedade regional esperava? O senhor tem proposta para viabilizar as instâncias regionais?


 


Duílio Pisaneschi -- Os empresários deveriam ter participação mais efetiva na gestão da Agência de Desenvolvimento, por exemplo. A Agência não deveria ficar sempre sob as asas do homem público. A ação política deve estar no contexto, e não prevalecer. Se houvesse mais participação do empresariado, talvez  esses órgãos não fossem alvo de grupos que procuram projeção política e nem existisse a polêmica das estatísticas maquiadas que LivreMercado denuncia sistematicamente. Há ainda outro aspecto. Muitas das críticas à Câmara Regional, à Agência de Desenvolvimento, ao Consórcio e ao Fórum devem-se também à falsa idéia de que esses organismos poderiam, de uma hora para outra, mudar os rumos do Grande ABC, idéia  vendida por alguns dos idealizadores. Não dá para fazer mágica. É preciso tempo e mobilização para mudar as coisas.  


 


Temos um setor terciário limitado, com baixos salários e pouca tecnologia agregada. Mesmo assim, continua-se a falar com ar sempre festivo que o Grande ABC está migrando da atividade industrial para o setor de serviços. Quanto tempo o senhor ainda acha que a região pode sobreviver a tantas perdas, sem que as autoridades reconheçam abertamente que o cenário é bastante complicado?


 


Duílio Pisaneschi -- Ainda bem que o setor terciário absorve mão-de-obra, senão nossa atual situação seria ainda pior. O setor não deve ser desprezado neste momento de tantas perdas, mas  imaginar um Grande ABC só de hipermercados, shopping centers e prestadores de serviços é loucura. Temos de explorar nosso potencial produtivo, caso contrário não há dinheiro para girar a economia. E não se pode esquecer o lado predatório desse terciário, que decreta a morte de milhares de negócios familiares e tradicionais. A quantidade de pequenas lojas fechadas nas ruas de Santo André mostra que não há mercado para todos e que o consumo migra para quem oferece melhores condições. E nesse caso, os grandes dão de goleada.   


 


O senhor assumiu recentemente a presidência da Comissão de Transportes da Câmara. Que tipo de encaminhamento fez ou pretende fazer para contribuir com o debate do retroporto no Grande ABC, principalmente neste momento em que a Baixada Santista está mobilizada em torno da regionalização do Porto de Santos?


 


Duílio Pisaneschi -- Defendo a implantação de infra-estrutura retroportuária no Grande ABC e afirmo que a  Eadi (Estação Aduaneira do Interior), que ajudei a trazer para Santo André, é  etapa importante do processo. Mas o retroporto nos moldes que se imagina para dar suporte e trabalhar on line com a movimentação de carga e descarga do Porto de Santos precisa do suporte do transporte intermodal. Por isso, entendo que o retroporto, para potencializar as vantagens logísticas do Grande ABC, só será viável após a conclusão do trecho sul do Rodoanel e a construção de ramal ferroviário de cargas para ligar a região diretamente ao Porto de Santos.   


 


E a possibilidade de se instalarem espécies de teleféricos para transportar cargas no trecho de serra a partir de Rio Grande da Serra?


 


Duílio Pisaneschi -- Seria um sonho. Não tenho acesso a estudos específicos, mas acredito que o custo-benefício de uma obra de tal complexidade não ajude a diminuir custos da cadeia logística marítima. Sou bem mais favorável ao retroporto interligado às rodovias e ferrovias, mesmo porque acho que é o projeto mais viável. Haverá mudança na aplicação do Imposto Sobre os Combustíveis a partir do próximo ano e o tributo que hoje vai diretamente para o Tesouro Nacional passará a ser destinado especificamente à melhoria do transporte intermodal. São valores próximos dos R$ 10 bilhões. Já existe uma subcomissão na Comissão de Transportes preparando a mudança da lei.


 


Como um dos vice-líderes do governo FHC, de que forma o senhor analisa a demora e até mesmo a incapacidade do Congresso em votar a reforma tributária?


 


Duílio Pisaneschi -- Há muitos interesses em jogo, mas em linhas gerais, União, Estado e municípios têm medo de perder receita com a reforma tributária. O governo federal está arrecadando perto de 34% do PIB, um dos índices mais altos da história do Brasil e do mundo. A reforma tributária acontece quando os impostos caem e a base de recolhimento aumenta. Temos uma informalidade que gira em torno de 50% da economia, precisamos trazer essa gente para a legalidade e isso não se faz apenas com lei. Por isso, a incapacidade a que você se refere deve ser entendida como um conflito de interesses. O tema é polêmico e, sem pessimismo, vai demorar para ser solucionado. 


 


Enquanto isso, o governo contenta-se em prorrogar a CPMF e fazer ajustes fiscais no varejo?


 


Duílio Pisaneschi -- Não é o ideal, mas é o que tem sido feito. O Congresso votou vários itens que mexeu na tributação nacional. Entre os acordos para a prorrogação da CPMF, por exemplo, está a emenda que institui que os municípios não poderão cobrar alíquota de ISS inferior a 2%. É lei que deve vigorar no próximo ano e favorece grandes municípios que perderam empresas de serviços para vizinhos que cobram ISS bem menor.   


 


Há espaço para se falar de Grande ABC no Congresso? Ou o Complexo de Gata Borralheira que a região nutre em relação à Capital agrava-se sobremaneira no Planalto Central?


 


Duílio Pisaneschi -- Não acredito que exista esse complexo em Brasília. Existe, sim, a falta de representantes da região em Brasília. Nosso colégio eleitoral seria suficiente para eleger até 10 deputados federais e só elegemos três para este mandato. Ribeirão Preto e Campinas têm três deputados federais cada. Uma coisa é você ser três em 513, a outra é ser 10. Em Brasília, a  região ainda é respeitada por ter sido escolhida na década de 1950 para sediar as grandes montadoras. A maioria acha que somos ricos e não tem idéia da quantidade de problemas. Não tem idéia que só a população de favelados já está perto dos 800 mil moradores.  


 


Recentemente a Prefeitura de Ribeirão Pires foi contemplada com verba federal para obras de combate à enchente. A prefeita Maria Inês Soares creditou o dinheiro à articulação da bancada paulista de deputados federais, que se sensibilizou com a cidade e indicou o pedido para fazer parte do Orçamento da União. Há frequência nesse trabalho de integração ou Ribeirão Pires acabou sendo caso pontual em cenário onde é comum cada um puxar a sardinha para sua brasa? 


 


Duílio Pisaneschi -- Os parlamentares federais da região têm passado por cima de ideologia partidária quando a liberação de verbas para grandes obras é iminente. Foi o caso dos R$ 23 milhões para as obras do coletor-tronco que vai beneficiar toda a região porque livrará dos esgotos os mananciais de Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra. Outro exemplo é a emenda de R$ 16 milhões para projeto habitacional e de desfavelamento em São Bernardo, que também vai beneficiar a área de mananciais.  


 


O senhor acaba de citar duas emendas que dizem respeito aos mananciais. O senhor acredita que as áreas de preservação do Grande ABC serão salvas da degradação persistente?


 


Duílio Pisaneschi -- Não dá para ser populista nessa questão porque o trabalho é de longo prazo. Precisa de muito dinheiro e nenhum Município sozinho tem fôlego financeiro para tanto. Numa conta rápida, Santo André precisaria de 30 mil residências para acomodar a população favelada. Imagine o custo de uma obra desse porte. Isso sem contar que seria necessário coibir qualquer nova invasão. O raciocínio já fornece a dimensão do problema.  


 


O senhor está mesmo disposto a disputar a Prefeitura de Santo André em 2004? Que estudos tem em mãos sobre a situação financeira do Município que mais perdeu indústrias na região e onde 30 mil moradores têm exatamente nada para comer? 


 


Duílio Pisaneschi -- Pretendo disputar a Prefeitura de Santo André, como já afirmei anteriormente. A situação é complicada porque a cidade deve R$ 700 milhões e seria irresponsável fazer qualquer discurso demagógico que apresente soluções mágicas. Temos questões como os  precatórios alimentares de valores altíssimos que não podem ser parcelados e comprometem a receita. E definitivamente precisamos recuperar a atividade industrial. Isso não se faz criando impostos abusivos que funcionam como um convite para a retirada de empreendedores.    


 


O senhor não concorreu à eleição de 2000 porque considerou desigualdade brutal ter como adversário candidato à reeleição com o apoio da máquina administrativa. Com a morte de Celso Daniel o quadro não se repete, já que o prefeito João Avamileno se tornou naturalmente candidato à reeleição? 


 


Duílio Pisaneschi -- O poder também desgasta. 


 


O fato de um candidato ter nascido numa cidade  é suficiente para se obter atestado de respeito e de atenção dos eleitores?


 


Duílio Pisaneschi -- O fato de nascer na cidade não habilita ninguém. É preciso viver na cidade e principalmente estar comprometido com a cidade. Agora, o candidato morar em São Paulo e vir concorrer à Prefeitura de Santo André é demais para a cabeça da gente... Por outro lado, é fundamental votar em parlamentares da região porque nossa região, repito, ainda tem pouca representatividade. Imagine se tivéssemos 12 deputados estaduais e 10 federais.  


 


O  que  o senhor tem feito como cidadão e homem público para melhorar Santo André e o Grande ABC? 


 


Duílio Pisaneschi -- Faço balanço positivo dos meus dois mandatos e cito como as principais conquistas as  três Varas de Justiça para São Bernardo, em funcionamento desde 1997; o Fórum da Justiça Federal de Santo André, com cinco Varas; o porto seco para Santo André e as articulações para que fossem retomadas as obras do Hospital Regional de Clínicas. Ainda em relação ao Hospital Regional, realizei contatos junto ao governo do Estado para que a administração ficasse com a Faculdade de Medicina do ABC. Ao todo, minhas emendas resultaram em R$ 14 milhões de verbas já liberadas para a região. Também quero citar o trabalho na comissão da Câmara dos Deputados que proibiu a importação de milhões de pneus usados que prejudicaria diretamente as duas grandes fabricantes de pneus de Santo André.  


 


O senhor acredita que a criação do Estado da Grande São Paulo ajudaria a reverter o caos urbano da metrópole?  


 


Duílio Pisaneschi -- A formação de mais um Estado não resolve nosso problema porque as verbas, já escassas, ficarão menores. Seria preciso arcar com os custos da estrutura administrativa do novo Estado e ainda teria mais gente para dividir o mesmo bolo. Desde a  promulgação da Constituinte de 1988, foram criados mais de mil municípios no Brasil e muitas dessas cidadezinhas vivem exclusivamente com verba do governo federal. Dos 5,5 mil municípios do Brasil, cerca de 1,3 mil sobrevivem apenas com o repasse do FMP (Fundo de Participação dos Municípios). No atual modelo, isso só tira receita de quem gera riqueza. Acho o Estado da Grande São Paulo uma bobagem, uma ilusão fantasiosa.


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