Estou cansado de escrever que os corruptos imobiliários frequentam assiduamente as colunas sociais. Estenderia o habitat preferido dessas gangues aos melhores endereços gastronômicos e também às mansões litorâneas onde costumam disputar peladas até mesmo em dias úteis. Um e outro mercador imobiliário também se dá ao disfarce de benemerência social. Até propagam que sustentam marginalizados. As colunas sociais estão sempre recheadas de prevaricadores que usam e abusam dos escaninhos públicos para turbinarem lucratividade em detrimento da concorrência. Os homens públicos adoram porque têm uma correia de transmissão de financiamento eleitoral à disposição. As colunas sociais são o parque de exposição de egos exacerbados.
O vereador paulistano Antonio Donato, petista colhido em suposto delito por envolver-se com a máfia imobiliária da Capital, escândalo em fase de apuração, disse ontem ao retomar o posto no Legislativo, depois de apeado da condição de homem-forte da gestão de Fernando Haddad, que os “tubarões do mercado imobiliário” são protegidos pela Imprensa.
A reportagem da Folha de S. Paulo de hoje sobre o primeiro dia de Antonio Donato de volta como vereador é algo tão íntima de tudo que tenho escrito sobre a máfia imobiliária na Província do Grande ABC que não consigo entender a demora de instâncias públicas para escarafunchar os frequentes delitos. É claro que se deve ter certo cuidado com as apurações, mas há questões tão escancaradamente óbvias, como o arremate fraudulento do terreno em que se constrói o empreendimento Marco Zero, da MBigucci, que se transmite a sensação de que há preciosismo exagerado. Um ponto de vista deste jornalista provavelmente fruto de alguma pressa em ver a quadrilha levada à Justiça. Isso mesmo, quadrilha, porque não existe outra tipificação criminal que expresse mais corretamente uma ação conjunta de empresários e servidores públicos para passar a perna no Poder Público.
Trechos explicativos
Voltando ao vereador Antonio Donato, vale a pena expor alguns trechos da matéria da Folha de S. Paulo de hoje, até porque há imensidão de consumidores de informação que só consome noticiais locais e, por conta disso, debita na conta deste jornalista, que está longe de acreditar que o mundo se resuma aos 840 quilômetros quadrados desta região, o objetivo tácito de perseguir pobres inocentes do mercado imobiliário. Vejam:
Sem citar nomes, chamou donos e presidentes de construtoras de “tubarões do mercado imobiliário” e os acusou de participação no esquema de sonegação de ISS em troca de propina. “Mas e os corruptores? Onde estão aqueles que se beneficiaram de sonegar R$ 500 milhões? Cadê o rosto dos presidentes das grandes incorporadoras citadas no início deste escândalo?”. A resposta de Donato: Nas colunas sociais. São sócias majoritárias desse esquema criminoso (...). O Secovi (sindicato das construtoras) não se manifestou até a conclusão desta edição. Em ocasiões anteriores, disse que está colaborando com as investigações da Promotoria – noticiou a Folha de S. Paulo.
Os mercadores imobiliários são uma gentinha que emporcalha a classe como um todo. Há muito empresário sério no ramo, mas eles sofrem um bocado para competir com esses vorazes fazedores de lucros contaminados por manipulações de bastidores. Fortunas são erigidas ao sabor da impunidade e do sacrifício da sociedade, porque o que interessa aos devoradores da qualidade de vida é rechear os próprios bolsos e coalhar as principais artérias viárias com edifícios cada vez mais altos. O Secovi e o Clube dos Construtores e Incorporadores do Grande ABC pertencem à mesma árvore genealógica de obscuridades. Não é por outra razão, aliás, que, tanto nos escândalos na Província do Grande ABC, quanto nos da Capital, as duas entidades se omitem.
Legalidade subjugada
Tem razão mesmo o promotor criminal Roberto Bodini, que, na Folha de S. Paulo de hoje, afirma que as empresas que se dizem vítimas da máfia do ISS no mercado imobiliário não se comportam como tal. “É um comportamento que se repetiu por anos. Não dá para entender essas empresas que se dizem vítimas, um setor que se diz vítima, dizer que não conseguia trabalhar na legalidade, mas nunca procurou a legalidade”- afirmou.
Faltou dizer o promotor que, não faz muito tempo, estourou o escândalo de financiamento irregular de campanha eleitoral cuja cabeça de ponte era uma entidade de fachada, concebida no ventre do Secovi, e que, ao final da história, determinou multa milionária da Justiça às empresas que financiaram vereadores da Capital.
A lista de falcatruas imobiliárias na Província do Grande ABC é imensa. Basta o Ministério Público investigar com mais intensidade para punir os malandros soltos na praça e alguns que só se apresentam por aqui porque sabem que o risco de desmascaramento é baixíssimo. O Clube dos Construtores e Incorporadores é algo tão amorfo e desprestigiado que só oferece vantagens mesmo para seu eterno titular, o presidente Milton Bigucci.
O mesmo empresário que se juntou a outros e surrupiou a legalidade contida no edital de licitação do terreno entre a Avenida Kennedy e a Avenida Senador Vergueiro, comprado a preço de banana e pago num ritual completamente divorciado das normas e autodenunciador da fraude que o Ministério Público de São Bernardo está apurando. Enquanto isso, a massa de concreto sobe em forma de um lançamento milionário cujo material de divulgação é enganoso ao anunciar traçado do metrô nas proximidades, quando teremos não mais que o monotrilho, intensamente desvalorizador ou no mínimo inibidor do mercado imobiliário.
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