Administração Pública

Prefeito de Mauá bota o dedo
na ferida do transporte coletivo

DANIEL LIMA - 02/12/2013

O prefeito Donisete Braga está para o setor de transporte coletivo de Mauá assim como o prefeito Fernando Haddad para a moralização do setor imobiliário na Capital. Por isso mesmo vai pagar um preço inicial que o tempo se mostrará generoso ao recompensá-lo. Donisete Braga contraria os barões do transporte público com série de medidas que afetam também os usuários, porque não há como fazer omeletes de modernização sem quebrar ovos de compadrios.

 

Havia muito tempo pretendia escrever sobre as medidas anunciadas por Donisete Braga em Mauá, mas não me sentia seguro. O setor de transporte coletivo é uma caixa-preta com poderes miraculosos. Há quem compartilhe obscuridades acondicionadas. A maioria dos prefeitos, para ser claro. E há também pretensos revolucionários. Nessa categoria, Donisete Braga parece pontuar. Com a vantagem de que não seria “pretenso”.

 

Historicamente os barões do transporte coletivo em Mauá sempre cuidaram dos próprios interesses, interferindo fortemente na Administração Pública, porque influentes nas eleições. Transporte coletivo é uma mina de dinheiro para quem supostamente presta serviços à população como também aos políticos que se refestelam de propinas e financiamentos eleitorais espúrios.

 

Contrariar interesses de concessionários de transporte público é uma fria política e administrativa para qualquer prefeito. O jogo da acomodação é muito mais vantajoso. Donisete Braga decidiu opor-se à lógica entre outros motivos porque em Mauá o sistema é um escárnio. A população já sofrida sofre ainda mais. Chegou-se ao limite da desumanidade, sob o silêncio de gente poderosa.

 

Dividir para reinar

 

Em linhas gerais, Mauá foi dividida em dois pedaços para acomodar interesses atávicos dos transportadores privados. Um território dividido em dois pedaços é compulsoriamente um território sem racionalidade de itinerários, estupidez que penaliza usuários e potencializa a rentabilidade das concessionárias. Em média, os ônibus percorrem distâncias muito menores do que se houvesse o que o prefeito Donisete Braga chama de sistema integrado. Além disso, aumenta o custo de translados. A maior distância percorrida no território de Mauá, por conta da divisão territorial, é de 19 quilômetros. Uma moleza. Qualquer estudo descobrirá que Mauá oferece o mercado mais rentável às concessionárias de transporte coletivo.

 

Mesmo ganhando rios de dinheiro, as concessionárias que atuavam em Mauá e expulsas de campo pelo prefeito Donisete Braga insistiam em tratar os usuários como gado. Ônibus em péssimas condições de conservação, horários desrespeitados e um coquetel de irregularidades permeavam o atendimento. Até que Donisete Braga resolveu acabar com a brincadeira.

 

Os prevaricadores são poderosos, armam-se de práticas delituosas de difamação, fazem o diabo, mas certamente vão perder a guerra, embora pareça que estejam em vantagem. Afinal, vive-se aquele vazio natural entre o caos que se desmonta e a estruturação que se planeja. Esse intervalo de tempo é espécie de purgatório pelo qual passa a Administração Donisete Braga. Um momento crucial do qual os atravessadores procuram usufruir com pressões.

 

Dar nomes aos bois da corrosão da cidadania sobrerrodas em Mauá é desnecessário, porque o noticiário geralmente asséptico está cansado de informar. Certo é que as duas empresas que se multiplicaram em ganhos e em desserviços ao longo dos anos estão fora do jogo por excesso de infrações, de um vale-tudo que ainda dá as cartas em outros endereços na Província do Grande ABC, embora com menos descaramento. Uma terceira empresa foi requisitada provisoriamente. Também está distante do nível desejado de operação. É o preço a pagar até que um novo tratado legal estabeleça níveis de conforto e respeito aos usuários.

 

Um novo marco?

 

Donisete Braga pretende criar uma empresa pública para gerenciar o sistema, como em Santo André e na Capital. É claro que enfrenta resistência de forças explícitas e ocultas. Essa é uma outra batalha a enfrentar. Terá de mostrar pulso firme. Uma empresa pública não pode abrir mão de representatividade social para impedir que a gestão seja um repeteco da fase anterior.

 

Tenho esperança de que Donisete Braga definirá novo marco gerencial e operacional no setor de transporte público da região. Há muitas medidas a implantar para tornar a vida do morador de Mauá menos sofrida e a desenhar um novo modelo de gerenciamento que contemple transparência de investimentos e despesas, além de resultados operacionais a compartilhar com a sociedade.

 

O sistema de transporte coletivo na Província do Grande ABC, independentemente das particularidades de gestão financeira, precisa sair do quarto escuro em que foi metido por conveniência dos mandachuvas de plantão na política e pelos magnatas do setor.

 

Um dos mitos que cercam o transporte público e que as manifestações de junho sacralizaram é que a tarifa zero é direito inalienável que deva prevalecer sem o devido cuidado aplicativo. O foco deveria ser, em princípio, outro, o do transporte de qualidade sustentado por planilhas à análise pública para aferição dos valores das tarifas, bem como dos balanços das concessionárias, auditados por companhias independentes. Tarifa zero, nas condições estruturais do setor de transporte público, é um escandaloso prêmio aos concessionários do transporte coletivo. Afinal, o compulsório aumento da demanda eleva as receitas em proporção semelhante à sangria dos cofres públicos – porque alguém tem de pagar a conta.

 

O Clube dos Prefeitos do Grande ABC sob o controle político de Luiz Marinho teria tomado uma posição reformista e revolucionária se, na esteira de junho, tivesse agido no sentido de aprofundar estudos e medidas para tornar o transporte público na região algo que não possa ser confundido com um tratado entre amigos do peito. Luiz Marinho caminhou em sentido oposto, do silêncio quando não da discriminação dos manifestantes. Tomara que Donisete Braga represente mesmo um ponto fora da curva de irregularidades no setor. Quem sabe, faça discípulos e acabe a mamata de enriquecimentos prodigiosos que se rivalizam com a máfia do setor imobiliário?



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