Caso Celso Daniel

Tuma Júnior vira motorista e evita
sequestro do prefeito na Capital

DANIEL LIMA - 07/01/2014

Demolir a casa da mãe joana de argumentos do delegado Romeu Tuma Júnior sobre o caso Celso Daniel que o livro “Assassinato de Reputações” expõe em 50 das 550 páginas é tarefa tão fácil como tirar doce de criança. E começaremos a fazê-lo em série que começa com este texto. É preciso estar muito mal informado, algo massificado, para dar credibilidade ao depoimento do delegado Tuminha ao jornalista Claudio Tognolli.


 


Adotaremos nesta série o conceito expositivo de telenovelas. Deixaremos as maiores emoções para o final, mas isso não significa que faltarão lances interessantes ao longo da jornada. Como nas telenovelas cada vez mais criativas da Rede Globo, segredos são desvendados muito antes dos capítulos finais porque é preciso sustentar a audiência que se esvai em direção às TVs pagas. CapitalSocial não o faz por audiência, mas por simples questão editorial. A ordem dos fatores de abordagens não alterará o produto final da compreensão do conjunto de informações. Todos os caminhos levam a um mesmo destino: a destruição inapelável do castelo de areia de elucubrações de um delegado aposentado que catapultou o caso Celso Daniel a um dos temas mais explosivos do livro recém-lançado, sem se dar conta de que não detinha informações suficientes para sustentar a tese de crime de encomenda.


 


A diferença entre a ficção da TV e a realidade dos fatos do caso Celso Daniel é que na telinha o público sabe de antemão que as situações têm baixo grau de veracidade, enquanto o livro de Tuminha, por conta da deterioração dos canais de informação da grande mídia no acompanhamento dos desdobramentos do assassinato do então prefeito de Santo André, transformou ficção em realidade praticamente consensual.


 


Essa completa troca de sinais entre telenovela e vida real não é obra do acaso. Muito pelo contrário: fez parte do show de pirotecnia que atingiu com êxito singular o propósito de levar dúvida onde só havia certeza, e certeza onde prevalecia dúvida. A política partidária e a ideologia centralizaram as investigações do caso Celso Daniel e deram o tom durante toda a fase de apuração criminal.


 


Doze anos depois, está claro que o PT perdeu de goleada a guerra de informações e contrainformações. O senso comum é que Celso Daniel foi assassinado por conta de irregularidades administrativas, por mais que a linha de coerência que conduziu a essa conclusão seja uma sequência de barbeiragens e contradições completamente refutadas por forças policiais paulistas e federais. 


 


Há pontos da narrativa do delegado Tuma Júnior entre o pouco compreensível e o muito confuso. O primeiro a ser abordado nesta série reúne essas particularidades. Como em todas as demais situações, utilizaremos trechos do livro “Assassinato de Reputações”. Não alteraremos uma vírgula sequer. E procuraremos encaixar apenas os parágrafos que dizem respeito diretamente à questão a comentar. Nem mais nem menos. Nada que possa ferir o entendimento da narrativa de Tuma Júnior será sonegado. 


 


Os trechos que se seguem estão às páginas 237 e 238 da obra:


 


 No dia 18 de janeiro de 2002, a Luciane, hoje minha esposa, então namorada, me falou: “Vamos à festa de aniversário de um sobrinho meu em São Caetano?”. Eu disse que ia. Minha filha faz aniversário dia 17 de janeiro, e era o dia seguinte ao aniversário dela, datas marcantes. Eu topei, fiz uma média, começo de namoro. Quando estávamos indo, passamos pela Avenida Três Tombos, na área do 26º DP, região que eu conhecia bem pois tinha sido delegado seccional sul. Na volta mudamos de caminho, viemos por outra rua, e caímos na avenida Maria Maluf. Deixei a Luciane em sua casa, no Embu, e voltei para a minha, no Campo Limpo. No sábado de manhã, ligo a televisão e tomo conhecimento de que tinham sequestrado o prefeito de Santo André, o Celso Daniel: justo o cara que iria ser o coordenador da campanha do Lula, o homem forte dele! Segundo o noticiário, ele estava na avenida Três Tombos, por onde eu passara no dia anterior. Eu tinha passado por lá dez minutos antes dos fatos! Foi na hora em que voltei que eu mudei de rua. “Ai se eu tivesse passado naquela rua”, pensei... E todo aquele bochicho na televisão, o diabo. Os caras contando tudo na TV, falando sobre o tal carro do Sombra, ao lado de Celso Daniel. Mas o carro era à prova de balas, uma Pajero gigante, e um carro Santana bordô atacando uma perua importada. Penso eu: “Com um carrão desses, passo por cima do Santana!”. Perto do meio-dia, a Globo exibiu uma entrevista com o vice-prefeito de Santo André, o João Avamileno.  O cara falou que a prefeitura não podia parar, tinha projetos que necessitavam ser levados adiante, etc. Ai eu comentei: “Eles ainda não sabem nem se foi um sequestro”. O negócio ocorreu à noite, não tem notícia de ligações de pedido de resgate, de nada, e o cara fazendo reunião para tocar a prefeitura? Que estranho! Nem sabem ainda se o cara está vivo ou morto, e já marcam reunião para tocar a administração, sem saber o que está acontecendo? Meu sexto sentido apitou como um termômetro do peru Sadia.


 


Declarações dúbias


 


Apesar da exposição de Tuma Júnior exigir esforço do leitor, porque estimula interpretação mais flexível do que conveniente à suposta importância da informação, depreende-se que o delegado sugere que o então vice-prefeito de Santo André desconhecia a real situação do titular do Executivo após ser arrebatado na noite anterior no chamado Três Tombos, nome popular da Rua Antonio Bezerra. Nada mais irreal.


 


As declarações de João Avamileno faziam parte de uma medida traçada pela alta cúpula da Prefeitura de Santo André que, a partir da notícia do sequestro no final daquela noite de sexta-feira, 18 de janeiro de 2002, se reuniu extraordinariamente por longas horas no Paço Municipal para traçar os planos de ação no dia seguinte, quando se esperavam novidades sobre o destino de Celso Daniel. Imaginar, como se deduz do depoimento de Tuma Júnior, que os petistas de Santo André estariam desinformados sobre o sequestro, é algo surreal. Afinal, era sábado, 19 de janeiro, e todos os jornais estampavam o sequestro em manchete principal de primeira página.


 


As supostas declarações de João Avamileno explicitadas por Tuma Júnior não estão disponíveis em plataformas digitais de veículos de comunicação e tampouco aparecem no noticiário do dia seguinte – domingo, 20 de janeiro – quando o corpo de Celso Daniel foi encontrado em Juquitiba, na Grande São Paulo.


 


Mesmo se considerando verdadeiro o relato de Tuma Júnior sobre as declarações do vice-prefeito João Avamileno à Rede Globo, nada sugere conspiração. Muito pelo contrário: quem acompanhou aquela madrugada de sexta para sábado sabe que havia acordo tácito entre os petistas locais para tratar o sequestro sem alarme, com a perspectiva de que Celso Daniel pudesse sair vivo do que se imaginava um tremendo equívoco dos sequestradores, ou seja, apanhar um político de fama nacional e, por conta disso, entrarem em pânico. Como as investigações policiais constataram mais tarde.


 


O depoimento de Tuma Júnior é significativamente constrangedor também porque desconsidera o detalhamento técnico-operacional do sequestro, quando o veículo dirigido por Sérgio Gomes da Silva, a quem o delegado Tuma Júnior chama de Sombra, foi abalroado violentamente e atingido por saraivada de tiros desfechados por ocupantes de dois e não de três veículos que o perseguiram.


 


A narrativa de Tuma Júnior é autoproclamadora de uma capacidade resolutiva extraordinária. Sobretudo quando se retorna de um jantar descontraído. Romeu Tuma Júnior é um engenheiro de obras feitas, um autointitulado herói que, ao volante, preservaria a vida do prefeito.


 


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