Caso Celso Daniel

Delegado erra na morte de legista
e na candidatura de Klinger Sousa

DANIEL LIMA - 13/01/2014

O amontoado de imprecisões que o delegado especial aposentado Romeu Tuma Júnior relatou ao jornalista Claudio Tognolli sobre o caso Celso Daniel no extenso capítulo de 50 páginas do livro “Assassinato de Reputações” ganha uma segunda etapa de análise. Depois de mostrar o quanto o delegado Tuminha foi incorreto ao se referir ao comportamento do então vice-prefeito João Avamileno, no dia seguinte ao sequestro, vamos destrinchar dois novos pontos.


 


O primeiro é sobre a candidatura, ou a desistência da candidatura, do então supersecretário de Celso Daniel, Klinger Sousa, a deputado estadual. O segundo é sobre a morte do legista Carlos Delmonte.


 


Em ambos os casos o delegado Tuminha comporta-se como um arremessador de dardos improvisado no picadeiro porque o titular do show ficou nos camarins a reclamar de dores no estômago. A pobre moça que se submeteu à função de adorno de risco dos espaços previamente reservados como alvo, deu-se muito mal. Nesse caso, a reputação de Klinger Sousa e dos investigadores policiais que apuraram a morte do legista foi para o brejo.


 


Acompanhem a transcrição de vários parágrafos do depoimento de Tuma Júnior sobre a suposta candidatura de Klinger Sousa à Assembleia Legislativa de São Paulo, o que, segundo o delegado, estaria na raiz do assassinato:


 


 Eis o que eu acho que aconteceu: o Celso, alguns assessores e secretários haviam tido algumas brigas, porque, quando ele foi convidado pelo Lula para ser o coordenador de campanha e chefe do financeiro, ele sairia candidato a senador. Ficou uma dúvida se ele sairia ou não, pois achavam que se ele se dedicasse a uma campanha de senador poderia atrapalhar na arrecadação e na articulação, na coordenação da campanha. Nisso, há algumas pessoas ligadas a esse grupo mais fechado dele, como o Ronan Maria Pinto e o Klinger, por exemplo, que queria ser candidato a deputado na época. Ele já avisara que seria o candidato a prefeito na próxima eleição. E houve então um grande desentendimento com o Celso, que fez uma reunião com o pessoal mais próximo. Celso falou que “proibia” qualquer um deles de se candidatar a qualquer cargo naquela eleição – para prefeito muito menos, porque ele iria lançar o sucessor – e que não era um momento oportuno de se falar no assunto. Mas naquela eleição ninguém era candidato, porque ele, Celso Daniel, não queria que mexessem em nada que estava funcionando. Caso alterassem algo, referia Celso Daniel, poderiam atrapalhar o esquema que já funcionava na prefeitura, e assim afetar a campanha presidencial do partido.


 


Almoço elucidativo


 


O enredo do delegado Tuma Júnior não confere com a realidade dos fatos vivenciada inclusive por este jornalista. Dois meses antes de Celso Daniel ser sequestrado fui convidado pelo supersecretário Klinger Sousa a um almoço. A conversa girou quase que o tempo todo sobre vantagens e desvantagens de Klinger Sousa candidatar-se a deputado estadual. No dia seguinte escrevi para a então versão newsletter de CapitalSocial a síntese daquele diálogo, que se referia explicitamente à irrelevância de Klinger Sousa concorrer a uma vaga na Assembleia. Não senti a menor resistência do então menino de ouro do prefeito Celso Daniel à avaliação que expus.  Klinger Sousa era o preferido de Celso Daniel às eleições municipais de 2004, mas havia um cuidado especial para evitar a disseminação da informalidade da escolha. O PT é uma agremiação que obedece a ritos formais. Ritos mais delicados quando um novato como Klinger Souza fortalecia-se claramente e com isso sofria resistências.Tanto internas quanto externas.


 


A votação de Klinger Sousa a vereador em Santo André, em 2000, quando foi disparadamente o mais votado do partido e o segundo da cidade, mostrou entre outras nuances o quanto a gestão Celso Daniel investia em sua imagem. Havia todo um preparado de marketing para dar visibilidade a Klinger Sousa. Não à toa virou vice-presidente do Esporte Clube Santo André. Dedicadíssimo, Klinger Souza surpreendia antigos dirigentes e conselheiros em reuniões festivas ou formais ao cantar o hino da agremiação no tom e na extensão da letra que poucos exibiam. Klinger Sousa iniciara no Santo André uma empreitada que fazia sucesso no vizinho São Caetano, então o clube mais badalado do País. O prefeito Luiz Tortorello gozava de prestígio além da conta na esteira das vitórias da equipe.


 


Os jornais comprovam que Klinger Sousa era o preferido de Celso Daniel e que não havia razão alguma para desentendimento, quanto mais para fantasias do delegado Tuminha sobre suposto impeditivo de evitar desarranjos no controle da máquina pública de Santo André.


 


Minha conversa com Klinger Sousa no Restaurante Baby Beef Jardim, a convite dele, ganhou forma, embora com tonalidade diferente, numa manchete principal de página de política do Diário do Grande ABC de 27 de novembro de 2001, sob o título “Celso faz Klinger desistir da AL”. Vejam alguns dos trechos do material jornalístico:


 


 O prefeito de Santo André, Celso Daniel (PT), convenceu o secretário de Serviços Municipais, Klinger Luiz de Oliveira Sousa, a desistir de ser candidato a deputado estadual. Na última semana, Celso esteve reunido com o secretário para acertar a retirada de sua pré-candidatura à Assembleia Legislativa. O prefeito quer manter o secretariado completo no próximo ano, quando estará mais afastado da Prefeitura para coordenar a equipe responsável pela elaboração do programa de governo do PT à Presidência da República. Para Celso, a permanência de Klinger no governo é uma demonstração de que a campanha eleitoral não é colocada acima da administração municipal. “Existem duas vantagens caso o Klinger fique na Secretaria. Primeiro porque vai fortalecer o governo e, liberado da campanha, poderá nos ajudar na elaboração do programa. Quero uma participação de todas as secretarias. O Klinger se mostrou muito sensível, afirmou.


 


O jornal publicou na mesma reportagem que procurou o então secretário Klinger Sousa mas não o encontrou. Nada mais natural, porque se definiu que quem cuidaria em primeira mão do anúncio da preservação do secretariado seria o próprio chefe do Executivo. A partir daquele anúncio, que se construiu em reuniões com gente que a Administração Municipal considerava importante para a gestão de Santo André, Klinger Sousa saiu a campo para exercer a função de supersecretário municipal. Um cargo muito mais valioso para quem pretendia ter o controle da máquina pública de olho na sucessão de Celso Daniel, em 2004, não em 2002, como a narrativa de Tuminha equivocadamente sugere. Em 2002 o que se imaginava, com a então provável vitória de Lula da Silva, é que Celso Daniel exerceria o cargo de ministro do Planejamento. O salto ao comando do Estado ou à senatoria estava nos planos pós-vitória presidencial.


 


A morte do legista


 


O despreparo do delegado Romeu Tuma Júnior na narrativa exposta no livro “Assassinato de Reputações” sobre a morte do legista Carlos Delmonte é assustador. Equivale ao desconhecimento e às informações distorcidas que ganharam o senso comum por causa do noticiário mais que alquebrado de grande parte da mídia. Vejam o que disse Tuminha:


 


 (...) No laudo está escrito que o doutor Carlos Delmonte, o médico-legista que examinou o cadáver, entregou um envelope com cabelos recolhidos durante a necropsia do corpo numerado. Esse médico, lembro-me muito tem, certa vez foi ao Programa do Jô e, visivelmente abatido, disse que Celso Daniel foi torturado antes de morrer, o que contrariava o discurso petista de “crime comum” ou “crime de ocasião”.; Dias depois, o médico morreu, misteriosamente, em seu escritório particular”.


 


Tuminha exercita mais uma vez o vício da imprecisão, quando na da meia-verdade. Sobre a característica de crime de tortura, à qual se refere, deixamos para um capítulo específico. Agora, sobre a morte do médico-legista, nada melhor para desmascarar o delegado Tuminha, entre muitos documentos, a manchete da página A9 do jornal O Estado de São Paulo de 21 de outubro de 2005: “Carta de despedida reforça tese de suicídio de legista”. Agora, os principais trechos da matéria:


 


 De Carlos Delmonte, o grande legista, para Luciana Plumari, sua mulher: “Eu falei que não conseguiria viver sem você. Eu falei que te amava, e você não acreditou. Eu falei que você era a mulher da minha vida e não pude manter este amor”. Frases escritas a mão. Dezesseis linhas que podem conduzir a polícia e o Ministério Público ao fim do mistério – carta de uma só página que reforça a suspeita de que o perito pode ter se matado. “Agora eu estou aqui, com o seu pai”, escreveu Delmonte, na carta à mulher, 23 anos mais nova. Ele tinha 55 anos, ela tem 32. Em outra correspondência, para o filho Guilherme, que encontrou seu corpo na quarta-feira, 12, Delmonte pediu para ser cremado, como foi Francisco Plumari, pai de Luciana: “Quero, e é meu último pedido, que as minhas cinzas fiquem ao lado dele e perto de você”, anotou, na carta à companheira. “Afinal de contas, você é minha mulher... Atenda. Por favor”. Despede-se: “O homem que te ama e sempre te amou”. Assina apenas Carlos.


 


Como se observa, o delegado Tuminha Júnior comete um grave crime informativo ao narrar ao jornalista Claudio Tognolli que o médico-legista morreu em circunstâncias misteriosas. Mais evidências sobre a escolha de Delmonte, impossível. E também sobre o viés narrativo de Tuminha, também.


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