Caso Celso Daniel

Acompanhe mais furos do delegado
que diz saber tudo sobre assassinato

DANIEL LIMA - 20/01/2014

Nesta terceira etapa de análise de um dos capítulos do livro “Assassinato de Reputações”, narrativa do delegado Romeu Tuma Júnior ao jornalista Claudio Tognolli, selecionamos novos pontos de debilidade estrutural que valem a pena ser demolidos. A teoria do delegado Tuminha, como provamos a cada capítulo, é uma patética tentativa de buscar uma âncora sensacionalista à obra.


 


O caso Celso Daniel é tratado sob a ótica consumista de agradar a um público criticamente deformado pelo passado de manipulações. Por isso, é disparadamente o melhor do cardápio de marketing de um produto editorial repleto de denúncias. Fosse uma escola de samba na avenida, o livro de Tuminha seria desclassificado porque infringiu escandalosamente o regulamento ao substituir a ala das baianas por espantalhos estilizados.


 


Tudo é possível quando se utiliza o imenso potencial de sucesso do entrecruzamento da fantasia destilada pela mídia ao longo dos anos e a sede de confirmação de teses, como se criou a expectativa de que a morte do prefeito Celso Daniel não se deu pela precariedade do setor de segurança pública que invadia aquele início de 2001. A versão de que o crime foi subproduto de um desarranjo de falcatruas no coração da administração petista mais importante do País, a do prefeito Celso Daniel em Santo André, atinge os limites da estupidez. Afinal, todos só tinham a ganhar com a manutenção da estrutura administrativa que teria feito de Santo André o centro do poder estratégico de arrecadação financeiro do Partido dos Trabalhadores. Celso Daniel comandaria a campanha do então candidato presidencial que somava fracassadas três tentativas de chegar a Brasília. Vitoriosa a disputa, Celso Daniel ocuparia o Ministério do Planejamento que, no desenho do novo organograma dos petistas, o colocaria no núcleo supremo do poder federal. Nada melhor, portanto, para seus aliados.


 


Quando se retira do ambiente de degradação da segurança pública o sequestro seguido de assassinato do prefeito de Santo André, acerta-se o alvo de fortalecimento de teses conspiratórias que procuram desqualificar um crime de ocasião, como cansaram de apurar e de anunciar as forças policiais do Estado e da União.  Vale mesmo – e o livro de Tuminha é mais uma bateria voltada ao entorpecimento das provas técnicas policiais – ir ao encontro da demanda por ficção, porque rende audiência. Mas tudo não passa de alegoria de argumentos em chamas.


 


Realisticamente, deve-se admitir apenas, embora isso não signifique aprovação, que a obra narrada por Romeu Tuma Júnior, tendo como carro-chefe publicitário o caso Celso Daniel, não reuniria graça alguma caso se reportasse à veracidade dos fatos, cansativamente exposta por lideranças policiais após permanecerem emudecidas por ordem do governo estadual durante largo período em que a força-tarefa do Ministério Público dominou as manchetes com a tese de crime de encomenda. Que graça teria para quem vive da espetacularização confirmar que Celso Daniel morreu porque foi sequestrado por um bando de pés de chinelos?


 


A multiplicação de teorias que transportam Celso Daniel ao centro de interesses conflituosos e que, entretanto, quando sobrepostos, praticamente se anulam, não é do interesse à racionalidade de quem só enxerga o ângulo mais interesseiro e por isso mesmo burro da análise do caso: o entorno da Administração de Celso Daniel que se alimentava da Administração de Celso Daniel decidiu mudar a lógica dos negócios supostamente privilegiados e, vejam só quanta cretinice, criou um dos maiores escândalos policiais da história, cujos efeitos colaterais, vejam só também, atingiram diretamente eles próprios, os integrantes do entorno da Administração Celso Daniel.


 


Ou alguém tem dúvidas sobre perdas e danos que atingiram em cheio os supostos beneficiários do esquema de corrupção que se havia também supostamente se instalado no Paço Municipal? A tese de Romeu Tuma Júnior, informante confesso da força-tarefa do Ministério Público que atuou no caso Celso Daniel, remete ao Festival de Besteiras que Assola o País, de Stanislaw Ponte Preta. É um samba do crioulo doido porque parte da premissa de que os supostos mandantes não teriam os olhares e as investigações voltados contra eles mesmos, embora gozassem da proximidade com o prefeito em negócios já considerados obscuros.


 


Quem acredita em qualquer coisa sobre o caso Celso Daniel que jogue na lata do lixo milhares de horas de investigações policiais e também os fatos nos momentos dos fatos, ou seja, sem condicionantes temporais ajustados a enredos enviesados de interesses políticos conta com prato apropriadíssimo em forma de livro.


 


Romeu Tuma Júnior cometeu o exagero de extrapolar os limites da imaginação e de eventuais interesses contrariados. A fragilidade com que desenvolveu a narrativa no caso Celso Daniel é o calvário da própria publicação. Quem conhece minimamente o caso Celso Daniel não ousaria consumir tempo com os demais capítulos da obra, que tratam de vários escândalos. O risco de comprar alhos por bugalhos é muito mais latente que pretender encontrar um Mizuno legítimo a preço de um tênis qualquer no templo do consumo popular paulistano, a Rua 25 de Março. Por essas e outras me limitei a ler e reler detidamente apenas aquelas 50 páginas do caso Celso Daniel, esquecendo as mais de outras 500 por desconfiança de metástase generalizada. 


 


A empresa de Ronan


 


Um delegado especial preparado para transmitir informações substanciais sobre o caso Celso Daniel jamais poderia se perder num erro primário de erigir ilações sobre qualquer questão, por mais irrelevante que pareça. Como é o caso do nome da empresa do empresário Ronan Maria Pinto. Leiam o trecho de “Assassinato de Reputações”:


 


 Até hoje o Greenhalgh não respondeu a uma pergunta que lhe fiz, na época, sobre o significado do nome da empresa de transportes ROTEDALI, pivô de um possível desentendimento: se era a junção das iniciais de Ronan, Tereza, Daniel e Luiz Inácio, possíveis sócios. Ele prometeu verificar, mas nunca mais tocou no assunto.


 


É impressionante como uma informação de conhecimento generalizado entre aqueles que viviam e vivem no entorno do empresário Ronan Maria Pinto – e as investigações policiais e ministeriais, bem como a cobertura da Imprensa, integram esse entorno – não tenha chegado ao delegado Tuminha. Esperar resposta do então deputado federal Luiz Eduardo Greenhalgh, destacado pelo PT para acompanhar as investigações, é mesmo de lascar. Tuminha sugere na breve abordagem sobre a empresa de Ronan Maria Pinto que o empresário tinha como sócios ocultos o então candidato a presidente da República, Lula da Silva, e o então prefeito de Santo André, Celso Daniel. Sobre Tereza, o outro nome sugerido à sociedade, nenhum comentário.


 


A resposta é simples: ROTEDALI era uma empresa da família de Ronan Maria Pinto que atuava no setor de lixo de Santo André, não de transporte, como narrou Tuminha. O batismo da corporação era a junção das iniciais dos nomes de ROnan, TErezinha, DAnilo e LIdiane. Terezinha era mulher de Ronan, Danilo e Lidiane são filhos do casal. A possibilidade de Ronan Maria Pinto ter cometido a estupidez de expor mesmo que disfarçadamente supostos sócios ocultos tão poderosos no nome de uma empresa com forte ligação com a Administração petista de Santo André, vigiadíssima pela oposição e também pelo Ministério Público, é um desdobramento do completo apagão de informações confiáveis do delegado Tuminha.  Provavelmente Tuminha não recebeu até hoje uma resposta de Greenhalgh porque não se deve dar guarida à ignorância investigativa.


 


A cueca do avesso


 


O delegado Tuminha também envereda pela lenda cultivada pela mídia ostensivamente antipetista, e que fez do caso Celso Daniel cavalo de batalha que sobrevive nos acervos digitais, sobre a possiblidade de o então prefeito de Santo André vestir do avesso a cueca com que foi encontrado na estrada vicinal de Juquitiba naquela manhã de domingo, 20 de janeiro de 2002.  Os trechos mais importantes – e fantasiosos – do livro do delegado:


 


 Quando tiraram a roupa do cadáver, vi uma coisa que me chamou atenção: ele estava com a cueca invertida, do avesso. E era preciso uma explicação. Ou era uma mania dele, um descuido, ou sinal de que ele teve de se vestir às pressas. (...) Num belo dia aparece o (Luiz Eduardo) Greenhalgh. Aproveito e peço a ele para apurar, com a família, se o Celso Daniel tinha a mania de usar a cueca ao contrário; afinal, poderia ser superstição, ou ele teve que se vestir correndo? Ele demorou a responder. Passaram-se dias, perguntei novamente e ele disse que não. Mas a pergunta ficou no ar, não me pareceu que de fato ele havia se informado a respeito.


 


Em abril de 2006 entrevistei pessoalmente, dentro de meu veículo e defronte a um restaurante da Capital, o delegado federal José Pinto de Luna, jamais ouvido por qualquer outro veículo de comunicação não porque fui privilegiado, mas devido a unilateralidade da cobertura resumida no conceito de que só teria espaço quem consubstanciasse a teoria de crime de encomenda. Pinto de Luna investigou a morte de Celso Daniel. Fiz-lhe muitas perguntas. Tudo porque na CPI dos Bingos, festival de demagogia que o convocou para falar sobre o assassinato, Luma afirmou categoricamente que a cueca de Celso Daniel não estava do avesso. Vejam o que ele respondeu:


 


 – “A origem disso são as fotografias do corpo do Celso Daniel. Avaliando uma das fotografias, percebi que a cueca do prefeito estava com as costuras expostas e a etiqueta pelo lado de fora. Dava a entender que estava do avesso. O que imaginei? Que ele foi levado a determinado local, que foi seviciado, que foi torturado, que foi isso e aquilo e que na hora de se vestir, se vestiu às pressas e colocou a cueca daquele jeito. Ou então que ele já saiu de casa daquele jeito. Alguns dias depois houve uma reunião com todos os peritos envolvidos no caso para contribuir na antecipação das investigações, antes da formalidade do laudo de necropsia. Não era preciso esperar o laudo ficar pronto para dirimir e dirigir as investigações. Estavam nesse encontro delegados da Polícia Federal, da Polícia Civil, representantes do Instituto de Criminalística, entre outros. Foi aí que conheci o legista Carlos Delmonte, que se mostrou um profissional hipercompetente. Todas as dúvidas que tinha sobre o caso ele foi saneando pouco a pouco. Foi uma conversa meio lateral, já que se formaram grupinhos de interlocutores. Um dos pontos que o abordei sobre o crime foi com relação à cueca. Ele disse que não tinha percebido nada diferente. Aí, peguei a fotografia e mostrei para ele. Isso tudo que estou dizendo está nos autos. Perguntei a ele a que se atribui aquilo e ele respondeu que não sabia. Perguntei então se o Celso Daniel foi seviciado, se foi torturado. Perguntei sobre o maxilar do Celso Daniel, que estava bastante danificado. Ele explicou tudo cientificamente. Não deixou dúvida alguma. (...) Qual não foi minha surpresa, de repente, três anos depois, ele aparece dando versão de tortura e menciona o episódio da cueca. Isso tudo no programa do Jô Soares. Fiquei estarrecido. Peraí: essa tese da cueca do avesso foi eu que disse a ele. Ele nem sabia disso. Mais que dizer isso, ele afirmou que a cueca do avesso é tida no meio da malandragem como traição. Nunca. Não existe essa correlação. Pode perguntar para qualquer ladrão, para qualquer bandido. (...) Por que a cueca estava do avesso, por quê? Dias depois, vestindo a cueca da mesma marca, da Hering, daquela do Celso Daniel, falei comigo: “poxa, coloquei a cueca do avesso, porque a etiqueta está do lado de fora”. Em seguida, percebi que todas as cuecas da Hering daquele modelo que o Celso Daniel também usava tem a etiqueta do lado de fora. Então, aquela premissa que fiz ao Delmonte foi falsa. Mais ainda: as costuras também são externas. É fácil. Basta pegar um modelo semelhante. As costuras são externas, ponteadas em relevo. Infelizmente, levei uma falsa premissa a um perito que tomou isso como verdade. Depois desmenti, mas não sabia que ele tivesse tomado isso como verdade” – afirmou o delegado da Polícia Federal a este jornalista há quase oito anos. Romeu Tuma Júnior preferiu embarcar na onda de escandalizar. “Assassinato de Reputações” é uma via de mão dupla, que atinge em cheio o próprio narrador.


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