O delegado Romeu Tuma Júnior só coleciona pérolas de ilusionismos nas 50 páginas dedicadas ao caso Celso Daniel no livro “Assassinato de Reputações”, que estou destrinchando nesta revista digital. Tuminha, como é conhecido, faz da morte do então prefeito de Santo André, em janeiro de 2002, carro-chefe de marketing da obra que está satisfazendo desejos de leitores ingênuos que acreditam piamente em informações vagas e especulativas de um agente da lei aposentado. O mesmo Tuminha que até outro dia servia ao governo federal petista.
A roupa utilizada por Celso Daniel naquela noite de sexta-feira e a roupa encontrada no corpo de Celso Daniel na manhã daquele domingo em Juquitiba eram as mesmas ? Tuminha diz que não seriam. Temos provas de que eram. Também o delegado fala em tortura do prefeito. Nada mais defasado e sem credibilidade documental, de provas. Tuminha embarcou na onda de invencionices da mídia? Não, Tuminha foi o agente disseminador de invencionices que a mídia repassou sem pudores porque lhe interessava criminalizar o PT. Tudo na esteira de agentes do Ministério Público Estadual que, segundo Tuminha, eram o estuário de suas investigações paralelas como delegado de Polícia em Taboão da Serra.
O caso da tortura inexistente
Vejam trechos do livro “Assassinato de Reputações” que se referem à suposta tortura de Celso Daniel:
Bem, certa vez o médico legista deu uma entrevista na qual garantiu que o Celso Daniel havia sido torturado. Como disse, fui um dos primeiros a ver o prefeito morto. Ele tinha uma expressão de sofrimento, além de marcas de queimadura nas costas, possivelmente provocadas pelo contato da pele com a boca do cano fervento do revólver. É uma incógnita o porquê de terem submetido o Celso Daniel a tantos e tamanhos sofrimentos. Ele pode ter identificado alguém e se horrorizou com o que estavam fazendo com ele. Você conhece aquela máxima, não? Não existe crime perfeito, e sim crime mal investigado.
Em março de 2006 ouvi o médico legista José Jarjura Jorge Júnior, diretor do IML (Instituto Médico Legal) no período do assassinato de Celso Daniel. Ele acompanhou a necropsia do corpo do prefeito. E afirmou enfaticamente: “Ele não foi torturado pelos sequestradores no sentido sistemático e duradouro da ação, e sim no entendimento comum a todo e qualquer sequestro, que envolve cárcere privado, ameaças de morte, etc”.
José Jarjura resolveu falar sobre o crime, depois de insistência deste jornalista. Ele disse preferir não se envolver no caso, mas concordou em explicar declarações que prestou ao jornal “O Estado de S. Paulo”, publicadas na edição de 24 de janeiro de 2002, quatro dias depois de o corpo do prefeito de Santo André ter sido encontrado numa estrada vicinal de Juquitiba, na Grande São Paulo.
A definição de “tortura” é uma das peças essenciais para a compreensão da morte do prefeito. O Gaerco, força-tarefa do Ministério Público em Santo André, defende a versão de que Celso Daniel foi torturado para que entregasse ou contasse aos sequestradores eventual localização de dossiê que caracterizaria a essência da acusação que pesa sobre o empresário Sérgio Gomes da Silva -- ou seja, a decisão de Celso Daniel desbaratar esquema de suposta propina na Prefeitura de Santo André, porque estaria havendo desvio de recursos.
Os advogados de Sérgio Gomes da Silva perfilam-se na aprovação dos inquéritos policiais e desclassificam a teoria do MP entre outros motivos porque consideram que o empresário também foi vítima da ação dos sequestradores que só souberam da identidade do prefeito no dia seguinte ao arrebatamento no chamado Três Tombos.
José Jarjura foi bastante cuidadoso na entrevista. Evitou qualquer possibilidade de ver suas afirmações indexadas a uma das versões que se estabeleceram para o crime, especialmente às declarações do legista Carlos Delmonte, que se suicidou algum tempo depois de, surpreendentemente, transformar um caso de tortura clássica em tortura político-administrativa.
“Reitero o que disse à reportagem mencionada se o objetivo de qualificação de tortura sugerido pela matéria for algo como espancamento, agressão, maus tratos flagrantes, tudo feito de forma continuada ao longo de um determinado período. Sob esse aspecto, não houve tortura. Houve tortura sim e o laudo de necropsia é claro quanto a isso, se considerarmos o conceito clássico do termo, comum nos casos de sequestros. Aliás, por si só um sequestro é elemento definidor de tortura.” -- disse o médico.
Logo após o crime
Foi na edição de 24 de janeiro de 2002 (quatro dias após o assassinato) que o Estadão publicou declaração de José Jarjura sob o título “Diretor do IML nega tortura de Daniel”. Os principais trechos da matéria:
O diretor do Instituto Médico Legal (IML), José Jarjura Jorge Júnior, disse ontem que os exames dos médicos legistas não constataram sinais de tortura no corpo do prefeito de Santo André, Celso Daniel (PT). “Ele não foi torturado pelos sequestradores. Os ferimentos encontrados pelos legistas no corpo foram de natureza leve”. Jarjura acrescentou que só havia ferimentos graves provocados pelos tiros. “Um que fraturou a mandíbula e os outros que acertaram diversas áreas do corpo”. (…) Segundo Jarjura, a necropsia mostrou que os sequestradores de Celso Daniel devem ter “encostado” o cano de uma arma nas costas do prefeito e empurrado seguidas vezes, provocando “alguns hematomas”. Um outro hematoma -- prossegue o texto do Estadão -- foi encontrado na coxa direita: “Pode ter sido um pontapé ou um golpe com um pau”, explicou o diretor do IML. “Num dos braços havia uma leve escoriação”, avaliou Jarjura. O diretor do IML explicou -- ainda segundo o Estadão -- que o laudo preliminar não tem nenhuma afirmação que possa levar à conclusão de tortura antes da morte: “Não sei de onde tiraram essa versão”. O documento indica que Daniel foi morto com tiros de calibre nove milímetros. As balas acertaram as costas -- provocando ferimento fatal -- o rosto, o pescoço e uma das mãos” -- escreveu o jornal paulistano.
Na entrevista por telefone, José Jarjura confirmou a correção da reportagem do Estadão, mas, dois dias depois, decidiu fazer algumas ressalvas: “Eu não disse que ele não foi torturado pelos sequestradores e que os ferimentos encontrados pelos legistas foram de natureza leve. Havia ferimentos de natureza leve, como escoriações e hematomas e havia ferimentos de natureza grave que levaram à morte, no caso os tiros desferidos pelos bandidos. Também não disse que o laudo preliminar não tem nenhuma afirmação que possa levar à conclusão de tortura antes da morte. Não sei de onde tiraram essa versão” -- explica Jarjura.
O ex-diretor do Instituto Médico Legal assegurou que os projéteis desfechados no corpo de Celso Daniel é que de fato provocaram a morte. “Não houve, de forma alguma, quaisquer sinais de espancamento que pudessem conduzir a outro tipo de conclusão sobre a morte do prefeito” -- reitera o legista. Um chute nos fundilhos dos irmãos de Celso Daniel que, na ânsia de politizar o crime, ocuparam páginas e páginas de jornais para diagnosticar como tortura o motivo da morte.
O médico legista foi mais longe na entrevista a este jornalista. Instado a formular a possibilidade de haver diferenciação entre um corpo crivado de balas numa periferia qualquer da Grande São Paulo em caso clássico de execução violenta e o exame necroscópico do corpo de Celso Daniel, afirma que o quadro é semelhante. Isso significa que a descrição do laudo necroscópico seguiria o mesmo ritual que consta do caso Celso Daniel.
A expressão “tortura” estaria presente no documento como definição de situação convencional de morte por causa dos impactos dos projéteis de arma de fogo. Essa comparação é menos hipotética do que se imagina, porque o IML está recheado de situações como a sugerida, nas quais as vítimas apresentariam quadro descritivo tecnicamente semelhante.
Apesar de cauteloso, o médico legista José Jarjura foi enfático ao afirmar que a tipologia apresentada pelo corpo de Celso Daniel não confere qualquer possibilidade de ser minimamente enquadrada como caso de tortura para obtenção de qualquer informação: “Não há nenhum sinal que seja considerado denunciador de ação torturante no sentido mais elástico do termo, que enseje interpretação divorciada do aspecto legal do termo e que denotaria longo processo de castigo corporal. O que tivemos sim, e isso é inegável, e está presente em todas as situações de sequestro, é que houve tortura como expressão de transtornos psicológicos determinados pela própria ação de arrebatamento e suas consequências, e também pelo evidente sofrimento provocado pelos projéteis sequenciais que tiraram a vida do prefeito”.
Seria redundante afirmar que, ao longo de todo o processo ministerial, policial e judicial do caso Celso Daniel, fui e continuo sendo o único jornalista que se dedicou a ouvir o legista José Jarjura a fim de esclarecer a questão sobre tortura que agora, vejam só, um delegado especial aposentado teria por obrigação ser fiel às informações básicas.
Mas quem disso que Romeu Tuma Júnior enveredou narrativa sobre o caso Celso Daniel com algum objetivo que não fosse dar contornos de verdade a bobagens mais que consagradas pelos meios de comunicação de grande porte e audiência que trabalharam o tempo todo para criminalizar Sérgio Gomes. Tudo porque ao atingir o primeiro-amigo de Celso Daniel, vinculando-o ao esquema de propina que estaria bombando na Administração de Santo André, reforçava-se a tese de crime de encomenda.
Palavra da polícia federal
Aliás, a propósito disso, da suposta interseção entre crime e administração pública, vejam a resposta do delegado federal José Pinto de Luna, entrevistado por mim na Capital, em 2005, também de forma exclusiva, porque nenhum outro veículo de comunicação se preocupou com esclarecimentos que fugissem da bitola da criminalização de Sérgio Gomes da Silva:
Em nenhum momento houve qualquer intersecção telefônica entre o Paço Municipal de Santo André e esses bandidos? Doutor, no fundo, no fundo, quando começaram as investigações, o senhor gostaria que houvesse de fato o cruzamento do crime em si com a política? O senhor torcia para que a calça do Celso Daniel, por exemplo, estivesse de fato trocada?
Luna – Sim. Cada situação que levava para a definição de crime comum provocava certa frustração. Quem é que não quer fazer um grande caso? Que policial não quer ter em seu histórico um grande caso? Quando fui chamado para fazer a investigação do crime do juiz Leopoldino Marques do Amaral, em Cuiabá, e todo mundo falava que os desembargadores teriam encomendado a morte dele, me via diante de um esquema gigantesco. Quando comecei a apurar não era bem aquilo. A vítima era uma pessoa inescrupulosa, que não tinha o mínimo pudor. Aí vem a irmã falando que tinha uma relação incestuosa com a vítima. Eu praticamente esculachei a irmã, mas ela, na simplicidade dela, disse “tudo bem doutor, fui eu que sofri os abusos, não foi o senhor”. Na vara que ele presidia, tinha desfalque financeiro. Mas a sociedade não quer isso. A sociedade quer o espetáculo.
Palavras de outro delegado
Agora, os trechos da narrativa de Romeu Tuma Júnior sobre a roupa que Celso Daniel vestia quando foi encontrado assassinado naquele 20 de janeiro de 2002:
Sobre a morte de Celso Daniel, tive muitas dúvidas. Por exemplo: o prefeito foi morto ou não em Juquitiba? Por que ele estava com roupas diferentes das que trajava quando do sequestro?
Então titular do DHPP (Delegacia Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa) Armando de Oliveira foi ouvido por este jornalista em novembro de 2005. Os principais trechos da matéria:
“A questão da roupa nos deu muito trabalho porque ficou aquela coisa no ar: trocou ou não trocou de calça? Afinal, se trocou, teríamos que trabalhar com a hipótese séria de crime encomendado, ou teríamos uma fonte de investigação que seriam lojas próximas ao local em que o corpo foi encontrado, as quais pudessem vender aquele tipo de produto. Como se sabe, o Celso Daniel não tinha o tipo físico padrão do brasileiro, porque era muito alto. Com o auxílio da direção do Restaurante Rubaiyat, no fim do horário de atendimento dos clientes, de madrugada, os especialistas do Instituto de Criminalística se dirigiram para lá e levaram a calça que foi colocada na mesma cadeira, na mesma posição, com a mesma iluminação, daquela noite do jantar. Repetimos, portanto, a situação anterior. Esse teste foi feito duas semanas depois do assassinato. Filmou-se a cena com a mesma câmara utilizada lá atrás pelo mesmo Rubaiyat. Pegamos essa filmagem e comparamos com a filmagem da noite do jantar num equipamento cedido pela USP (Universidade de São Paulo), porque o Instituto de Criminalística não contava com aquele material de última geração. O resultado final confirmou que era a mesma roupa” -- garante o delegado. Infelizmente, hoje ainda abro os jornais e vejo questionamento sobre isso. Meu Deus do céu: será que as pessoas leram e não entenderam? Ou não leram? Se não leram, a ignorância, em termos de desconhecimento, é flagrante. Se leram e dizem isso, certamente a intenção é dúbia. Acho que a opinião pública tem de ser abastecida com informações revestidas de veracidade. Ilações, conjecturas e teses não levam a nada”.
Quase uma década após as declarações do delegado do DHPP, Romeu Tuma Júnior narra em livro flagrante distorção sobre um dos pontos mais relevantes das investigações. Tuminha quer tumultuar e reconquistar as manchetes da mídia. E ainda há quem acredite no delegado. “Assassinato de Reputações” é mais uma ação que pretende atingir Sérgio Gomes da Silva, o bode-expiatório de uma questão que vai muito além do crime propriamente dito. É a política, a maldita política a qualquer custo.
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11/07/2022 Caso Celso Daniel: Valério põe PCC e contradiz atuação do MP