Administração Pública

Será que mercadores imobiliários
vão deixar Mauá crescer sem dor?

DANIEL LIMA - 25/02/2014

Convém prestar muita atenção ao que se passa na Mauá do prefeito Donisete Braga. A Lei de Zoneamento encaminhada ao Legislativo pode ser a pedra de toque a novos tempos de uma economia em frangalhos. Mauá é o Município da Província do Grande ABC que piores resultados colheu desde a chegada do PT no governo federal, período no qual a região reagiu em parte às perdas de oito anos de Fernando Henrique Cardoso. O PIB Geral não passou de crescimento nominal, sem considerar a inflação, de 106,07%. O PIB Industrial foi pior ainda: apenas 72,80%. Com esse desempenho é impossível acreditar que o futuro é uma âncora à sustentabilidade social. Mauá conseguiu perder até para Santo André, que, no período, cresceu nominalmente 112,63% no PIB Geral e 71,95% no PIB Industrial. Sorocaba (cuidado para não cair da cadeira) cresceu 201,77% e 250,40% respectivamente.  


 


Será que a Lei de Zoneamento que uma manjadíssima turma de vereadores pretende bombardear em nome dos mercadores imobiliários indecentes de sempre resistirá à avalanche? Será que Mauá vai seguir sitiada pelo exército de aproveitadores de sempre a surfar nos privilégios que os negócios escusos entabulam?   


 


A peça preparada pelo secretário de Planejamento José Afonso Pereira e equipe não é a redenção de Mauá em competitividade econômica. Não faltam concorrentes em diferentes geografias do País que já caíram na real de tratar a gestão pública com olhar voltado a resultados mensuráveis. Mas a iniciativa é uma lufada de esperança de que Mauá não continuará disputando a lanterninha com endereços igualmente adestrados por gente inescrupulosa que se faz de empresário e de administrador público.  


 


O secretário José Afonso Pereira expõe um retrato acabadíssimo do estado falimentar de organização espacial que Mauá cultivou ao longo dos anos. O Plano Diretor de Mauá foi formatado e aprovado em 1998 e passou por poucas alterações em 2007. A Lei de Uso e Ocupação do Sol, instrumento fundamental para assegurar equilíbrio entre atividades econômicas e sociais, foi lançada no primeiro ano deste novo século. Algumas revisões cosméticas foram acrescentadas sem que se alterasse basicamente o estado de anacronismo ocupacional de Mauá. Em qualquer Município o descuido teria sido indesculpável. Imaginem então em Mauá, beneficiada pelo puxadinho do trecho sul do Rodoanel. Mauá não se preparou para as vantagens de uso e ocupação do solo que o Rodoanel escancara. Ficou apenas com o ônus, do fluxo maior e complicador de veículos.


 


Os atuais administradores deveriam buscar conhecimento prático em Osasco e vizinhança, que se lambuzam com os efeitos enriquecedores do trecho oeste do Rodoanel. Tanto que desde 2002 e até 2011, ou seja, no mesmo período medido para aferir o desempenho do PIB Geral e do PIB Industrial de Mauá, Osasco avançou 274,70% no primeiro e 128,44% no segundo, intensificando, portanto, a força do setor de serviços. A velocidade média do PIB Geral de Osasco cresceu nestes anos 61,40% acima da de Mauá. Mais que isso: ultrapassou o PIB Geral de Santo André e São Bernardo, individualmente.   


 


Razões para mudanças 


 


Mas agora, com a Lei de Zoneamento, é possível diminuir o prejuízo. O secretário listou 10 razões para se acreditar que, se o projeto resistir à sanha de vereadores desalmados ou oportunistas, tudo será diferente.


 


Por mais que seja surrealista, o Distrito Industrial do Sertãozinho, uma imensidão de área que deveriam honrar a própria denominação, ou seja, estar disponível exclusivamente à produção, passará a sê-lo. Desta forma, pretende-se eliminar o mal dos quase inúteis e nada contributivos pátios de estacionamentos de veículos das empresas de logística, substituindo-se o uso por atividades que agreguem valor. Os pátios causam enormes transtornos viários e iludem os gestores públicos que não entendem bulhufas sobre arrecadação de impostos, porque recolhem merrecas. Dar um chute nos fundilhos dos pátios e trazer indústrias de transformação a um passo do Rodoanel, eis a grande jogada que, de tão demorada, chega a ser inacreditável como novidade. Mauá está na cara do gol do Rodoanel e do Porto de Santos mas agiu ao longo dos anos como se integrasse o mapa do Nordeste.


 


Não pensem que a Administração de Mauá vai expulsar as empresas de logística do território só porque não terão vez em Sertãozinho. No caso, o chute nos fundilhos vai ser feito com arte e direcionamento. Como um exímio batedor de pênalti O anunciado deslocamento da atividade para o Bairro Capuava, às portas da Zona Leste da Capital, terá pelo menos dois benefícios imediatos. Primeiro, tornará mais fácil a gestão da logística das empresas de logística, pela concentração que virá e que justifica a suposta redundância da frase. E, mais relevante ainda, retirará da malha viária do Centro toda a carga intensa de veículos em direção a Sertãozinho. Uma jogada de mestre. A notícia é tão escandalosamente positiva que há informações de que a MRS Logística, concessionária do sistema privado de trens que ligam o Planalto à Baixada Santista, pretende instalar um porto seco naquela área. É como se o traçado férreo se confundisse com o quintal logístico de suprimento.


 


O Polo Petroquímico de Capuava, que responde por mais da metade da geração de receitas tributárias de Mauá, também está contemplado na Lei de Zoneamento. O secretário José Afonso Pereira explica que, sem abrir mão de cuidados com a legislação ambiental, serão aprovadas ampliações de atividades produtivas. Ainda há quem não tenha avançado suficientemente para entender que é possível conciliar qualidade de vida e produção industrial. Prova disso é a legislação atual em Mauá.


 


Flexibilizar sem comprometer


 


Está longe de qualquer possibilidade a flexibilização irresponsável nas áreas de mananciais que contemplam grande parte do território de Mauá. A legislação proposta não botou o ovo em pé ao projetar empresas sustentáveis, mas se acredita que com a aprovação pretendida se dará agilidade à chegada de empreendedores. A mesma lei que quer empresas tecnologicamente comprometidas com a vida veta o desembarque de sem-teto nos mananciais, com consequentes espirais de demandas por infraestrutura pública. Não poderá faltar fiscalização cerrada, é claro.


 


Outra proposta encaminhada ao Legislativo pretende penalizar proprietários de terrenos não edificados, subutilizados ou não utilizados que resistam a dar uso à área. Cobrança progressiva de IPTU provavelmente apressará os passos dos proprietários acomodados ou especulativos. A ocupação será compulsória, respeitados os trâmites legais. Os terrenos com essas características, quando transformados em empreendimentos imobiliários, reservarão espaços a moradias populares, de perfil econômico de Minha Casa, Minha Vida, além de outra parcela a moradias de categoria superior.


 


A Lei de Zoneamento de Mauá vai pegar fogo ou já está pegando fogo no Legislativo ao tratar da taxa de ocupação. Para cada 100 metros quadrados de área não poderão ser construídos mais que 70 metros. O secretário de Planejamento seria excomungado no Clube dos Construtores e Incorporadores presidido por Milton Bigucci se tentasse justificar o instrumento. Ao dizer que “é uma questão de conforto ambiental, porque os moradores terão mais luz solar, ventilação e a cidade ganhará em qualidade ambiental”, Afonso Pereira colidiria com os pressupostos de um dirigente empresarial que ainda recentemente defendeu edifício de 80 pavimentos em áreas já ocupadíssimas na região. A maioria dos empreendedores imobiliários não sabe distinguir adensamento de verticalização. Não sabe ou não pretende.


 


Outra questão complexa envolve o conceito de coeficiente de aproveitamento. A proposta da Secretaria de Planejamento definiu dois modelos, de 1,5 e 2,0. O coeficiente de 1,5 significa que se pode edificar até uma vez e meia a área do terreno, especialmente em áreas com pouca infraestrutura e de declividades acentuadas. O coeficiente 2,0 permite construir até duas vezes a área do terreno e seria aplicado em áreas menos acidentadas e dotadas de melhor infraestrutura. Casos do Centro, da Vila Bocaina, do Pedroso, da Vila Noêmia, do Parque São Vicente, entre outros.  O adensamento maior é justificado pelo secretário como contrapartida natural a localidades com estrutura funcional pública mais adequada às novas demandas econômicas e sociais.


 


Outorgas generosas?


 


Quando entra em campo no plano do secretário de Mauá a chamada outorga onerosa, adotada por quatro prefeituras na região sem transparência alguma, tudo pode acontecer. É aí que reside o perigo de negociatas nos bastidores do Legislativo, porque os corvos imobiliários não dão trégua. Outorga onerosa é um mecanismo que permite aos empreendedores da construção civil dar elasticidade aos projetos acima dos níveis regulamentares. Construir em Mauá, com a nova legislação, acima do equivalente a duas vezes a metragem do terreno, teria na outorga onerosa ferramenta para harmonizar as relações. Pretende-se, com a medida, acrescentar apartamentos num terreno que supostamente não possibilitaria mais que 80 unidades, por exemplo. Sobre a diferença, entra a contrapartida obrigatória. Os recursos compensatórios seriam destinados ao Fundo de Habitação e Desenvolvimento Urbano e revertidos em ações de regularização fundiária, programas e projetos habitações, entre outras ações públicas. Outorga onerosa é uma espécie de Viagra imobiliário sem contraindicações, porque garante um adicional invejável de desempenho econômico dos empreendedores com custo baixíssimo.


 


Até prova em contrário, desconfio de que a outorga onerosa em Mauá pode ser mais um presente de Papai Noel o ano inteiro aos mercadores imobiliários. Em São Paulo, um balanço de 10 anos desse instrumento supostamente de organização do uso e ocupação do solo com repercussões compensatórias em áreas sociais se tornou uma ação extremamente vantajosa aos donos da terra. A Prefeitura da Capital arrecadou no período R$ 1,7 bilhão, mas, por outro lado, as construtoras e incorporadoras ficaram com um adicional bruto sobre as áreas liberadas de aproximadamente R$ 42 bilhões. Outorga onerosa, como se observa, se tornou outorga vantajosa.


 


Tem mais ainda sobre o planejamento espacial em Mauá. Outra novidade é que determinados tipos de empresas que geram incomodidades à vizinhança só serão permitidas em vias principais, onde predominam comércios e serviços. As vias internas, chamadas de vias locais, vão barrar do baile todos que adoram tirar o sono de quem trabalha. Uma serralheria ou oficina de funilaria, segundo exemplifica o secretário, não funcionaria num espaço predominantemente residencial. Quem já está instalado está salvo, mas será duramente fiscalizado.


 


Há outros pontos menos votados na Lei de Zoneamento de Mauá. Tudo isso e muito mais são importantíssimos, mas perdem de goleada para o que o projeto apresenta de mais substantivo: a transparência do Poder Público. O projeto de lei é resultado de um ano de trabalho exaustivo de técnicos especializados, levado a audiências públicas antes de encaminhamento aos vereadores. Uma ação de fazer inveja à indecorosa Administração de Aidan Ravin, em Santo André. Os predadores imobiliários que dominam ou pretendem dominar a burocracia pública estrangularam qualquer sentido de democracia e responsabilidade social ao manipularem descaradamente a aprovação de reformas no apagar das luzes de 2011, quando todos dormiam ou se preparavam para os festejos natalinos.


 


A gestão de Donisete Braga tem uma responsabilidade imensa de levar a cabo as propostas dos técnicos da Secretaria de Planejamento. Eventuais enfrentamentos políticos com vereadores subsidiados pelos mercadores imobiliários não podem ser sonegados. É preciso dar nome aos bois que ajudam a produzir sujeiras que outros municípios da região não tiveram a coragem de enfrentar e por isso mesmo agravam o tecido urbano, protegidos entre outros por idiotas que pensam e falam que apenas os veículos são a razão do caos na mobilidade urbana.  


 


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