Administração Pública

Ninguém tem coragem de abrir
caixa-preta da saúde da Província

DANIEL LIMA - 25/03/2014

A entrevista do Diário do Grande ABC com o novo presidente daquilo que chamo de monumental caixa-preta do sistema de atendimento de saúde pública da Província do Grande ABC, a Fuabc (Fundação do ABC) foi bem mais interessante que a do Repórter Diário. Mas isso não quer dizer que tenha preenchido integralmente a curiosidade dos leitores mais meticulosos. Marco Antonio Santos Silva, presidente que tomou posse há dois meses, representa o PMDB de São Caetano, do prefeito Paulo Pinheiro. Isso quer dizer em linhas gerais que é aliado do prefeito Luiz Marinho, petista que comanda São Bernardo.

 

Sob a liderança paralela do agora candidato a deputado estadual Luiz Fernando Teixeira, o PT lubrificou a campanha de Paulo Pinheiro contra a candidata do Paço Municipal, Regina Maura Zetone. Bombardeio de cunho moralista destruiu a reputação pessoal da oponente, especialista na área de saúde.

 

O jeito petista de ganhar eleições não é diferente do jeito tradicional de ganhar eleições, exceto a capacidade orgânica de, como uma franquia comercial, racionalizar a metodologia e a operacionalização, disseminando ações coordenadas por um grupo de estrategistas. Assim também o PT age contra quem lhe opõe resistência e, igualmente, de forma mais produtiva que os políticos de outras agremiações menos sistemicamente organizadas.

 

Por conta das relações políticas com a Administração Luiz Marinho, duvida-se que Marco Antonio Santos Silva dará um jeito de tornar a gestão daquela enorme caixa-preta algo que possa ser chamado de transparente, profilático e regenerador dos costumes corporativos contaminados por politicagens das grossas.  É preciso candidatar-se ao Prêmio de Ingenuidade do Ano para levar a sério eventual avanço na Fundação do ABC.

 

Ali, na Fundação do ABC, na inviolável caixa-preta mais perniciosa da Província do Grande ABC, se pratica o mais enraizado, fantástico e protegido regime de concertos econômicos, políticos, partidários e financeiros. Uma suruba multipartidária sustenta a longevidade de um macroesquema de benesses, em detrimento dos indicadores de atendimento à saúde da população com recursos do SUS (Sistema Único de Saúde).

 

Xangola, só politica

 

O antecessor de Marco Antonio Silva, o ativista político e ideológico Maurício Xangola Mindrisz, lugar-tenente da cúpula petista de São Bernardo, ficou dois anos à frente daquele misto de companhia pública e companhia privada e não fez nada além de política partidária, inclusive premiando quem compartilha um bom vinho. Com as costas largas inclusive de ministros de Dilma Rousseff, porque detém informações mais que cabeludas sobre assuntos que atormentam o PT, Maurício Xangola Mindrisz pode repetir o quanto quiser as travessuras dos tempos de Superintendente do Semasa, durante a gestão Celso Daniel, e também as omissões e descaminhos na direção da Fundação do ABC. Jamais será questionado. A moeda de troca no setor público, em várias situações, não tem relação alguma com meritocracia. 

 

O que mais me intrigou na entrevista ao Diário do Grande ABC é que Marco Antonio Santos Silva mencionou diversas vezes disposição de elevar a densidade presencial de auditorias nas organizações que atuam no imenso conglomerado sob suposto controle da Fundação do ABC, no caso uma rede de hospitais conveniados, Ambulatórios Médicos de Especialidades, prontos-socorros e também a Faculdade de Medicina do ABC. Supõe-se, agora ingenuamente, que as denúncias de CapitalSocial de que a Fundação do ABC não tem critérios que confiram segurança à prestação dos serviços, bem como ou principalmente, aos custos, chamou a atenção do novo presidente. E daí?

 

Quem garante que medidas saneadoras serão tomadas para valer ou o que se pretende mesmo é criar expectativa de que haveria atenção especial no gerenciamento dos contratos sem que, na prática, se dê à iniciativa o empenho necessário, criando-se a falsa ideia de que, nada descoberto, tudo está em perfeita ordem. O setor público parece ter pesquisas que asseguram imunidade à industrialização de promessas e de lorotas porque leitores e ouvintes desavisados acreditariam acriticamente na materialidade das iniciativas.

 

Um Xangola disfarçado

 

Não se pode perder a perspectiva para sustentar a convicção de que Marco Antonio Silva será apenas um Maurício Xangola Mindrisz mais apetrechado (até porque seria impossível superar as deficiências do ex-presidente), já que as condições ambientais o impedirão de exercer um mandato de dois anos que tangencie mudanças substantivas.

 

A ligação umbilical com o PT, que deu um nó no estatuto e enfiou Mauricio Xangola como vice-presidente, embora o representante devesse ser de Santo André por conta do rodízio sincronizado, impedirá qualquer iniciativa que rasgue o estatuto paralelo da Fundação do ABC, aquele que decididamente é respeitado, porque conveniente. Ou seja: Marco Antonio Silva será apenas e tão somente, como foi Maurício Xangola Mindrisz, um boneco de ventríloquo manipulado pelo PT de Luiz Marinho.

 

Talvez uma ou outra tentativa de transmitir a ideia de que conta com ampla liberdade de ações será encenada, porque o PT é especialista na matéria, mas aos olhos e ouvidos atentos a detecção da manobra será flagrada sem muito esforço.

 

Marco Antonio Silva não seria presidente da grandiosíssima caixa-preta da saúde da Província, uma caixa-preta que consumirá R$ 1,5 bilhão nesta temporada, se estivesse a marchar fora do compasso dos comandantes dos paços municipais de Santo André, São Bernardo e São Caetano, municípios que criaram essa organização há quase 50 anos provavelmente com objetivos menos escabrosos do que os recentemente aprofundados. A Fundação do ABC, não custa repetir a constatação, é o único exemplo de integração regional para valer ao longo dos tempos. E as razões não são nada nobres.

 

Ao tentar levar ao público, nas duas entrevistas do final de semana, que se pretende um revolucionário a deslocar a gestão da Fundação do ABC do campo político em que Xangola a meteu, introduzindo critérios técnicos de administração, Marco Antonio Santos Silva está apenas e tão somente aplicando um princípio que o antecessor, por ser obtuso e extremamente ideológico, nem soube utilizar como disfarce.

 

Não terei o menor constrangimento – muito pelo contrário, me sentirei nas alturas – se Marco Antonio Silva Santos levar avante qualquer projeto que implique na recuperação estrutural e funcional da Fundação do ABC. A consequência natural seria a restauração da imagem pública da organização, muito menos abalada do que deveria porque praticamente se mantém blindada pela maior parte da mídia regional e só conheceu dissabores informativos quando alguns poucos representantes do setor decidiram cutucá-la.



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